Apesar da bravata dos
governadores bolsonaristas, as escolas
cívico-militares parecem condenadas
P O R FA B Í O L A M E N D O N Ç A
A decisão do Ministério da
Educação de acabar com
o Programa Nacional das
Escolas Cívico-Militares
deu uma causa ao bolso-
narismo, após meses de desorientação.
Em busca do apoio e dos votos extre-
mistas, governadores e prefeitos alia-
dos de Jair Bolsonaro prometem man-
ter a iniciativa, mesmo sem dinheiro fe-
deral e sem provas da eficiência do mo-
delo. É o caso de estados como Goiás,
São Paulo, Minas Gerais, Paraná, San-
ta Catarina e Mato Grosso, ou de muni-
cípios como Jaboatão dos Guararapes,
única cidade pernambucana disposta
a insistir no programa. Para tanto, vão
precisar desembolsar recursos pró-
prios e contratar PMs ou bombeiros em
substituição aos militares aposentados
das Forças Armadas que recebem, além
do soldo, vantajosas gratificações que
variam de 2,6 mil a 9 mil reais.
Em Goiás, o governador Ronaldo
Caiado, do União Brasil, havia se anteci-
pado no início do ano, quando da posse do
presidente Lula, ao assumir a administra-
ção de seis escolas cívico-militares. “Não
muda nada. Esse processo foi decidido
por nós, porque sabemos da eficiência e
o quanto o colégio militar tem trazido de
resultados no Índice de Desenvolvimen-
to da Educação Básica (Ideb)”, justificou
Caiado. Segundo a Secretaria de Educação
estadual, em maio deste ano, o Colégio da
Polícia Militar César Toledo, em Anápolis,
garantiu medalha de ouro na Olimpíada
Brasileira de Física das Escolas Públicas.
A tese de que as escolas militares têm
resultados superiores às demais é, po-
rém, rebatida por especialistas em educa-
ção. Faltam, aliás, dados oficiais sobre o
desempenho das unidades no Ideb, pois o
programa, criado em 2019, só começou a
ser implementado no ano seguinte, quan-
do estourou a pandemia de Covid-19. O
que há, na verdade, é uma grande confu-
são, em certa medida proposital, entre
as escolas cívico-militares lançadas por
Bolsonaro e os tradicionais colégios mi-
litares administrados pelo Exército. Es-
tes, por sua vez, gastam mais por aluno
e apresentam médias inferiores àque-
las dos institutos federais ou das escolas
de aplicação ligadas às universidades. “A
gente tem pouca informação sobre as es-
colas cívico-militares. Há uma pauta mo-
ral vinculada pelo governo passado com
a ideia de qualidade. Há uma exigência
de uniforme padronizado ou de ações
como o canto do Hino Nacional e uma
disciplina exagerada”, afirma Marcele
Frossard, assessora de Programa e Polí-
ticas Sociais da Campanha Nacional pe-
lo Direito à Educação. “A questão da dis-
ciplina é, no mínimo, discutível. O tipo
de disciplina numa instituição militar é
diferente do que deveria existir numa es-
cola, orientada para a formação de cida-
dãos. O cidadão é aquele que deve ser ca-
paz de compreender e analisar as ordens,
tomar uma decisão se ele deve seguir ou
não e ter a capacidade de discutir aque-
la questão”, explica Silvio Gallo, profes-
sor de Filosofia da Educação da Unicamp.
Em sua pesquisa de mestrado defen-
dida em 2021 na Universidade de Bra-
sília, Karla Barbosa revela que tanto os
colégios geridos pelo Exército quando
aqueles das universidades federais apre-
sentaram resultados educacionais supe-
riores aos das escolas públicas regula-
res. Apenas 10% dos colégios militares
alcançaram, no entanto, a classificação
de “eficientes”, ao passo que nas unida-
des de aplicação o índice chega a 28,5%.
“Se a vontade fosse, de fato, a busca por
modelos de gestão eficiente ou excelen-
te para inspirar as escolas públicas re-
gulares, o modelo de gestão das escolas
de aplicação deveria ser priorizado, em
vez do modelo de gestão dos colégios mi-
litares”, sugere trecho da nota técnica di-
vulgada pelo MEC para justificar o en-
cerramento do programa.
Segundo o ministério, as gratifica-
ções aos militares lotados nas escolas
somam 86,5 milhões de reais só neste
ano, enquanto o repasse de verbas para
custeio e aquisição de bens, entre 2020
e 2022, foi de meros 246 mil reais. Pe-
lo decreto de Bolsonaro, cabe ao minis-
tério a assistência técnica e financeira,
monitoramento, avaliação das unida-
des e definição do perfil profissional
dos militares selecionados para o pro-
grama. As atribuições do Ministério da
Defesa vão da administração dos recur-
sos à gestão educacional e monitoria. O
presidente Lula afirmou não ser obriga-
ção do governo federal criar unidades
cívico-militares. “Se cada estado quiser
continuar, que continue. O MEC tem
de garantir a educação civil para todo
e qualquer filho de brasileiro.
O ministro da Educação, Camilo San-
tana, lembra que tal modelo de ensino
não tem amparo na Constituição nem
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional ou no Plano Nacional de Edu-
cação. “Temos um impasse legal que o
governo federal criou por meio de um de-
creto, transferindo recursos do Ministé-
rio da Educação para o Ministério da De-
fesa. De 138 mil escolas públicas no Bra-
sil, apenas 202 tinham aderido, 0,14%”,
diz Santana. Mais: 108 unidades desisti-
ram do programa. “Aquelas que ficarem
vão permanecer até o fim do ano. Que-
remos que se transformem em escolas
em tempo integral, profissionalizante.”
Catarina de Almeida, professora da
UnB, integrante da Campanha Nacio-
nal pelo Direito à Educação e da Rede
Nacional de Pesquisa sobre a Militari-
zação da Educação no Brasil, reforça a
tese da inconstitucionalidade das es-
colas cívico-militares. “Colocar esses
profissionais nas escolas é ferir fron-
talmente a Constituição e os princí-
pios da diretriz e base da educação na-
cional. E os federados não podem criar
modalidades educativas, não têm per-
missão constitucional para isso. Quem
tem de aprovar e acompanhar as dire-
trizes da educação básica é o Conse-
lho da Educação, por lei nacional.” Fer-
nando Cássio, professor da UFABC, in-
tegrante da Rede Escola Pública e Uni-
versidade e do comitê diretivo da Cam-
panha Nacional pelo Direito à Educa-
ção, considera tímida a decisão de inter-
romper o programa. “É preciso induzir a
desmilitarização e reverter o processo.
Vemos a multiplicação dessas escolas
que recebem recursos da educação,
transferidos para as polícias estaduais.
Cabe ao Ministério da Educação dizer
que lugar de polícia não é na escola.” Sa-
lomão Ximenes, também professor da
UFABC, vai na mesma linha. “Pelo vis-
to, a militarização na educação não só
continuará após a extinção do progra-
ma, como há risco concreto de que haja
até uma expansão do número dessas es-
colas, pelo fato de o MEC não ter se pro-
nunciado de forma eficaz quanto à ilega-
lidade e incompatibilidade com as dire-
trizes da educação. Cabe ao Ministério
da Educação, ao seu órgão auxiliar, que é
o Conselho Nacional de Educação, zelar
pelo cumprimento da legislação. Nesse
sentido, o MEC foi omisso.”
No Distrito Federal, as unidades cí-
vico-militares serão incorporadas às
outras 13 do Projeto Escolas de Gestão
Compartilhada, executado pelas secre-
tarias de Educação e de Segurança Púb
lica. No Paraná, das 2,1 mil escolas,
apenas 12 estavam atreladas ao progra-
ma federal. O governador Ratinho Jú-
nior, do PSD, decidiu transformar as uni-
dades em escolas militares geridas pelo
estado, somadas a outras 195 existentes.
Nas redes sociais, o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, lembrou ter
sido aluno do Colégio Militar e prometeu
editar um decreto nos mesmos moldes
daquele de Bolsonaro, para criar um mo-
delo próprio de escolas cívico-militares.
Na Bahia, estado governado pelo PT há
mais de 16 anos, existem 16 colégios da
Polícia Militar, com gestão compartilha-
da com a Secretaria Estadual de Educa-
ção, mas nenhuma faz parte do progra-
ma federal, situação similar a outros es-
tados que têm escolas militares em par-
ceria com as secretarias de Educação.
Para a senadora Teresa Leitão, do
PT pernambucano, o ministério preci-
sa agora se concentrar no Plano Nacio-
nal de Educação. “A gente está revendo o
plano, atualizando a lei. O balanço é pre-
ocupante. Nem chegamos perto das me-
tas. A conferência deste ano vai ter como
único ponto de pauta o PNE, para a gen-
te ter uma educação conforme a socie-
dade, a academia e os trabalhadores em
educação entendem como qualdade"
CARTA CAPITAL
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