LEONARDO SAKAMOTO
A tentativa de genocídio na terra indígena Ianomâmi, levada a cabo pelo governo Jair Bolsonaro, rendeu imagens de crianças esquálidas, morrendo de fome e de doenças, que a opinião pública brasileira já estava acostumada a ver apenas em decorrência de massacres étnicos em outras periferias do mundo. Agora, o ex-presidente tentar tirar o seu da reta, dando a entender que o problema é fruto da migração de venezuelanos fugindo da crise em seu país. A conversa para boi dormir ganha tração junto ao seu rebanho.
Militantes da extrema direita reclamam. Afinal, quem poderia imaginar que ter o próprio presidente da República incentivando a ação de garimpeiros, madeireiros e traficantes em territórios indígenas levaria doenças e violência armada? E quem poderia prever que o um governo desestruturar o sistema de atendimento à saúde de povos tradicionais e enfraquecer programas de alimentação traria fome e morte?
Como trouxe Carlos Madeiro, aqui no UOL, bolsonaristas estão atacando o Exército por conta das operações em socorro aos Ianomâmi ordenadas pelo governo Lula. Queriam que os militares dedicassem seu tempo a um golpe de Estado. Tem burrice, mas também cara de pau e fascismo.
Acertam o presidente Lula e ministros como Flávio Dino (Justiça) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social), que chamam a situação pelo seu nome: uma tentativa de genocídio levada a cabo pelo governo anterior. Bolsonaro precisa ser investigado, processado e punido aqui no Brasil e em instâncias globais, como o Tribunal Penal Internacional - onde uma denúncia contra ele por esse motivo, levada em 2021, aguarda análise.
O ex-presidente deixou claro seu incômodo com os direitos das populações indígenas aos seus territórios desde que era apenas deputado federal. Quando chegou ao controle do Poder Executivo, deu início a uma ofensiva contra esses povos que repetiu as ações de consequências genocidas executadas na ditadura militar ao negar-lhes terras, forçar sua aculturação, dificultar acesso a alimentos e permitir a exploração econômica de seus territórios por terceiros, mesmo à revelia.
A tentativa de genocídio na terra indígena Ianomâmi, levada a cabo pelo governo Jair Bolsonaro, rendeu imagens de crianças esquálidas, morrendo de fome e de doenças, que a opinião pública brasileira já estava acostumada a ver apenas em decorrência de massacres étnicos em outras periferias do mundo. Agora, o ex-presidente tentar tirar o seu da reta, dando a entender que o problema é fruto da migração de venezuelanos fugindo da crise em seu país. A conversa para boi dormir ganha tração junto ao seu rebanho.
Militantes da extrema direita reclamam. Afinal, quem poderia imaginar que ter o próprio presidente da República incentivando a ação de garimpeiros, madeireiros e traficantes em territórios indígenas levaria doenças e violência armada? E quem poderia prever que o um governo desestruturar o sistema de atendimento à saúde de povos tradicionais e enfraquecer programas de alimentação traria fome e morte?
Como trouxe Carlos Madeiro, aqui no UOL, bolsonaristas estão atacando o Exército por conta das operações em socorro aos Ianomâmi ordenadas pelo governo Lula. Queriam que os militares dedicassem seu tempo a um golpe de Estado. Tem burrice, mas também cara de pau e fascismo.
Acertam o presidente Lula e ministros como Flávio Dino (Justiça) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social), que chamam a situação pelo seu nome: uma tentativa de genocídio levada a cabo pelo governo anterior. Bolsonaro precisa ser investigado, processado e punido aqui no Brasil e em instâncias globais, como o Tribunal Penal Internacional - onde uma denúncia contra ele por esse motivo, levada em 2021, aguarda análise.
O ex-presidente deixou claro seu incômodo com os direitos das populações indígenas aos seus territórios desde que era apenas deputado federal. Quando chegou ao controle do Poder Executivo, deu início a uma ofensiva contra esses povos que repetiu as ações de consequências genocidas executadas na ditadura militar ao negar-lhes terras, forçar sua aculturação, dificultar acesso a alimentos e permitir a exploração econômica de seus territórios por terceiros, mesmo à revelia.
Governo Bolsonaro disse que estava fazendo nova 'Lei Áurea' ao atacar indígenas
Após a Funai, sob responsabilidade do Ministério da Justiça, do então ministro Sergio Moro, cortar a ajuda a comunidades indígenas que vivem em áreas não-demarcadas, gerando fome no Mato Grosso do Sul, e de um ex-missionário evangélico ser indicado para cuidar da área da Funai que protege populações indígenas isoladas, ou seja, que não possuem contato com o restante da sociedade, o presidente da República deu início ao seu plano de integração econômica forçada. Foi posta na mesa uma opção a eles: sejam "seres humanos que nem nós" por bem ou por mal.
Em 5 de fevereiro de 2020, durante o evento que celebrou os 400 dias de seu governo, ele repetiu um de seus mantras: "o índio é um ser humano exatamente igual a nós". E enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para liberar a exploração mineral, a construção de hidrelétricas, a agropecuária e o turismo em territórios indígenas. Empolgado, o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, definiu o tal projeto como uma "Lei Áurea". Consequentemente, comparou Bolsonaro à Princesa Isabel e o lobby de empresas por esses recursos naturais ao movimento abolicionista.
Em maio de 2008, em meio a um bate-boca em audiência pública, na Câmara, para discutir se a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deveria ser contínua ou não, Jecinaldo Sateré Maué, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, bateu-boca com Bolsonaro e jogou um copo de água na sua direção. "Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens", afirmou o então deputado.
Quatro anos antes, durante outra reunião sobre a Raposo do Sol, ele disse: "O índio, sem falar a nossa língua, fedorento, é o mínimo que posso falar, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby".
Criadores de gado e fazendeiros de soja também se sentiram empoderados pelas palavras do presidente Jair Bolsonaro, que prometeu que não vai demarcar mais terras indígenas ao mesmo tempo que está trabalhando para liberar a exploração econômica desses territórios por não-indígenas. O resultado é que a invasão de aldeias tem sido informalmente tolerada, causando violência e assassinatos.
Após a Funai, sob responsabilidade do Ministério da Justiça, do então ministro Sergio Moro, cortar a ajuda a comunidades indígenas que vivem em áreas não-demarcadas, gerando fome no Mato Grosso do Sul, e de um ex-missionário evangélico ser indicado para cuidar da área da Funai que protege populações indígenas isoladas, ou seja, que não possuem contato com o restante da sociedade, o presidente da República deu início ao seu plano de integração econômica forçada. Foi posta na mesa uma opção a eles: sejam "seres humanos que nem nós" por bem ou por mal.
Em 5 de fevereiro de 2020, durante o evento que celebrou os 400 dias de seu governo, ele repetiu um de seus mantras: "o índio é um ser humano exatamente igual a nós". E enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para liberar a exploração mineral, a construção de hidrelétricas, a agropecuária e o turismo em territórios indígenas. Empolgado, o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, definiu o tal projeto como uma "Lei Áurea". Consequentemente, comparou Bolsonaro à Princesa Isabel e o lobby de empresas por esses recursos naturais ao movimento abolicionista.
Em maio de 2008, em meio a um bate-boca em audiência pública, na Câmara, para discutir se a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deveria ser contínua ou não, Jecinaldo Sateré Maué, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, bateu-boca com Bolsonaro e jogou um copo de água na sua direção. "Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens", afirmou o então deputado.
Quatro anos antes, durante outra reunião sobre a Raposo do Sol, ele disse: "O índio, sem falar a nossa língua, fedorento, é o mínimo que posso falar, na maioria das vezes, vem para cá, sem qualquer noção de educação, fazer lobby".
Criadores de gado e fazendeiros de soja também se sentiram empoderados pelas palavras do presidente Jair Bolsonaro, que prometeu que não vai demarcar mais terras indígenas ao mesmo tempo que está trabalhando para liberar a exploração econômica desses territórios por não-indígenas. O resultado é que a invasão de aldeias tem sido informalmente tolerada, causando violência e assassinatos.
'Escala de ódio e de barbárie de Bolsonaro'
"Esses crimes refletem a escalada de ódio e barbárie incitados pelo governo perverso de Jair Bolsonaro, que segue nos atacando diariamente, negando o nosso direito de existir e incitando a doença histórica do racismo do qual o povo brasileiro ainda padece", disse uma nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a cúpula das Nações Unidas sobre o clima, em Madri, já em dezembro de 2019. Vale destacar que ele chegou a culpar os indígenas pelas queimadas na Amazônia.
"Há gente passando fome aqui nas comunidades Guarani e Kaiowá. Continua criança indo para cama passando fome", me disse Elizeu Pereira Lopes, representante da aldeia Kurusu Ambá no conselho Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, principal organização desse povo) naquela época.
Diante das reclamações por causa de invasões de garimpeiros a territórios indígenas ocorridas em seu governo, como aquelas contra a etnia Waiãpi, no Estado do Amapá, e os Ianomâmi, Bolsonaro disse que havia um complô internacional para a transformação dessas áreas em países independentes a fim de que suas riquezas possam ser exploradas. "Esse território que está nas mãos dos índios, mais de 90% nem sabem o que que tem lá e mais cedo ou mais tarde vão se transformar em outros países. Há um interesse enorme de outros países de ganhar, de ter para si a soberania da Amazônia", disse.
Os territórios indígenas - que são responsáveis por altas taxas de conservação ambiental - nunca realizaram um plebiscito ou montaram uma campanha de guerra pela independência do Brasil. Pelo contrário, querem é mais atenção do governo federal, querem se sentir efetivamente brasileiros através da conquista de sua cidadania, o que inclui o direito à sua terra. Coisa que o país nunca garantiu totalmente a eles.
Exemplos de tentativas de genocídio envolvendo indígenas pipocaram na ditadura - e eram sufocadas pela censura.
"Esses crimes refletem a escalada de ódio e barbárie incitados pelo governo perverso de Jair Bolsonaro, que segue nos atacando diariamente, negando o nosso direito de existir e incitando a doença histórica do racismo do qual o povo brasileiro ainda padece", disse uma nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a cúpula das Nações Unidas sobre o clima, em Madri, já em dezembro de 2019. Vale destacar que ele chegou a culpar os indígenas pelas queimadas na Amazônia.
"Há gente passando fome aqui nas comunidades Guarani e Kaiowá. Continua criança indo para cama passando fome", me disse Elizeu Pereira Lopes, representante da aldeia Kurusu Ambá no conselho Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, principal organização desse povo) naquela época.
Diante das reclamações por causa de invasões de garimpeiros a territórios indígenas ocorridas em seu governo, como aquelas contra a etnia Waiãpi, no Estado do Amapá, e os Ianomâmi, Bolsonaro disse que havia um complô internacional para a transformação dessas áreas em países independentes a fim de que suas riquezas possam ser exploradas. "Esse território que está nas mãos dos índios, mais de 90% nem sabem o que que tem lá e mais cedo ou mais tarde vão se transformar em outros países. Há um interesse enorme de outros países de ganhar, de ter para si a soberania da Amazônia", disse.
Os territórios indígenas - que são responsáveis por altas taxas de conservação ambiental - nunca realizaram um plebiscito ou montaram uma campanha de guerra pela independência do Brasil. Pelo contrário, querem é mais atenção do governo federal, querem se sentir efetivamente brasileiros através da conquista de sua cidadania, o que inclui o direito à sua terra. Coisa que o país nunca garantiu totalmente a eles.
Exemplos de tentativas de genocídio envolvendo indígenas pipocaram na ditadura - e eram sufocadas pela censura.
Ditadura militar tentou genocídio de indígenas
Os Waimiri-Atroari vivem entre os Estados de Roraima e do Amazonas. Durante a ditadura, milhares deles foram executados em nome da implementação de grandes projetos na região.
Relatos colhidos de sobreviventes em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), por exemplo, contam que helicópteros sobrevoaram aldeias derramando veneno e detonando explosivos sobre centenas de indígenas reunidos para celebração de rituais de passagem. Depois disso, ataques a tiros, esfaqueamentos e degolas violentas praticadas por homens brancos fardados contra adultos e crianças sobreviventes. Tratores passaram, na sequência, destruindo tudo.
O MPF cobra que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade, adote medidas de reparação e de indenização pelas violências cometidas contra a etnia entre os anos 70 e 80.
"Um dos depoimentos mais fortes apresentados à Justiça na audiência foi prestado por um que sobreviveu, quando adolescente, a um ataque aéreo e terrestre contra uma aldeia localizada nas proximidades do traçado da rodovia BR-174. Ele relatou que os indígenas ouviram muito barulho vindo de cima e não sabiam do que se tratava. Pouco tempo depois, começaram a sentir muito calor no corpo, não conseguiam mais andar e ficaram todos 'muito doentes', em decorrência de veneno jogado do alto. Ele contou ainda que, depois que se ver praticamente sozinho em meio aos corpos de seus pais e irmãos e dos demais indígenas presentes, testemunhou homens brancos entrarem na aldeia por terra, armados com facas e revólveres", afirmou o MPF.
Além dos ataques, as obras para a abertura da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista e à Venezuela, levaram doenças para a população kinja (como eles se identificam). Muitos morreram sem apoio e a rodovia se tornou vetor de ocupação do Estado de Roraima e orgulho da ditadura. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil, nos anos 1970, para 332 indígenas nos 1980.
Bolsonaro cita sempre esse trecho da Amazônia como exemplo de preservação e de desenvolvimento sustentável. Não se sabe se é cinismo ou ignorância.
O ex-presidente ainda vetou um rosário de medidas de um projeto aprovado pelo Congresso Nacional voltado a proteger comunidades tradicionais, que apresentam extrema vulnerabilidade. Excluiu a obrigação de garantir água potável, fornecer materiais de higiene e limpeza, ofertar leitos hospitalares e em UTIs, distribuir cestas básicas, entre outras, durante a pandemia. Entregou esses povos à própria sorte.
Bolsonaro colocou um plano em ação. Basicamente, um "ame-o ou deixe-o": ou vocês se aculturam e liberam suas terras para explorarmos ou morrem de fome, de doença, à bala. Quando passou a ser culpado por isso, fez o que faz de melhor: fugiu da responsabilidade.
Bolsonaro continuou de onde a ditadura parou. A diferença é que, naquela época, ainda havia um pudor. Agora, tudo foi feito com orgulho, à luz do dia.
UOL
Os Waimiri-Atroari vivem entre os Estados de Roraima e do Amazonas. Durante a ditadura, milhares deles foram executados em nome da implementação de grandes projetos na região.
Relatos colhidos de sobreviventes em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), por exemplo, contam que helicópteros sobrevoaram aldeias derramando veneno e detonando explosivos sobre centenas de indígenas reunidos para celebração de rituais de passagem. Depois disso, ataques a tiros, esfaqueamentos e degolas violentas praticadas por homens brancos fardados contra adultos e crianças sobreviventes. Tratores passaram, na sequência, destruindo tudo.
O MPF cobra que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade, adote medidas de reparação e de indenização pelas violências cometidas contra a etnia entre os anos 70 e 80.
"Um dos depoimentos mais fortes apresentados à Justiça na audiência foi prestado por um que sobreviveu, quando adolescente, a um ataque aéreo e terrestre contra uma aldeia localizada nas proximidades do traçado da rodovia BR-174. Ele relatou que os indígenas ouviram muito barulho vindo de cima e não sabiam do que se tratava. Pouco tempo depois, começaram a sentir muito calor no corpo, não conseguiam mais andar e ficaram todos 'muito doentes', em decorrência de veneno jogado do alto. Ele contou ainda que, depois que se ver praticamente sozinho em meio aos corpos de seus pais e irmãos e dos demais indígenas presentes, testemunhou homens brancos entrarem na aldeia por terra, armados com facas e revólveres", afirmou o MPF.
Além dos ataques, as obras para a abertura da rodovia BR-174, ligando Manaus a Boa Vista e à Venezuela, levaram doenças para a população kinja (como eles se identificam). Muitos morreram sem apoio e a rodovia se tornou vetor de ocupação do Estado de Roraima e orgulho da ditadura. O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil, nos anos 1970, para 332 indígenas nos 1980.
Bolsonaro cita sempre esse trecho da Amazônia como exemplo de preservação e de desenvolvimento sustentável. Não se sabe se é cinismo ou ignorância.
O ex-presidente ainda vetou um rosário de medidas de um projeto aprovado pelo Congresso Nacional voltado a proteger comunidades tradicionais, que apresentam extrema vulnerabilidade. Excluiu a obrigação de garantir água potável, fornecer materiais de higiene e limpeza, ofertar leitos hospitalares e em UTIs, distribuir cestas básicas, entre outras, durante a pandemia. Entregou esses povos à própria sorte.
Bolsonaro colocou um plano em ação. Basicamente, um "ame-o ou deixe-o": ou vocês se aculturam e liberam suas terras para explorarmos ou morrem de fome, de doença, à bala. Quando passou a ser culpado por isso, fez o que faz de melhor: fugiu da responsabilidade.
Bolsonaro continuou de onde a ditadura parou. A diferença é que, naquela época, ainda havia um pudor. Agora, tudo foi feito com orgulho, à luz do dia.