MARCOS COIMBRA
Como era previsível, no 7 de Se-
tembro, a velha história se con-
firmou: a montanha pariu um
rato. Não era bem uma montanha, ape-
nas a figura patética do capitão tentan-
do dar à luz algo maior do que ele. Tam-
bém não foi exatamente um rato, talvez
uma ratazana, daquelas despeladas e
fedidas. Qualquer tentativa de ganhar
o debate político mandando seguido-
res para a rua não funciona, há muito
tempo, no Brasil. Ao contrário do que
éramos até os anos 1950, quando o po-
vo na Cinelândia e na Avenida Rio Bran-
co derrubava governos, nos tornamos
um país populoso demais. Sempre fica
a sensação de que, se algo aconteceu em
algum lugar, foi apenas lá.
Desde o fim da ditadura, só funciona-
ram as manifestações com alto grau de
espontaneidade, pautas amplas e con-
vocação diversificada. Certas ou erradas
em suas reivindicações, progressistas ou
reacionárias, foi assim nos comícios das
Diretas Já, no impeachment de Fernando
Collor e nos protestos de 2013 e 2015. A
exibição bolsonarista do dia 7 de setem-
bro não podia dar certo, e não deu. Foi
convocada por um governante fraco com
o único intuito de se fortalecer, sem pen-
sar nos interesses coletivos. No palanque,
somente ele e sua turma, corresponsáveis
por fracassos em série. Na rua, uma gente
com a qual a maioria do povo não se iden-
tifica, truculenta e grosseira. Como se isso
não bastasse, um ato extemporâneo, sem
motivo para acontecer agora.
Em uma sociedade com 150 milhões
de eleitores, a partir de quantos mani-
festantes nas ruas alguém pode dizer
que “tem o povo a seu lado”? Seria, por
exemplo, 10% uma boa taxa? Seriam 15
milhões de cidadãos, mais que o total de
habitantes da cidade de São Paulo. E se
fossem 5%? Teriam de ser mais de 7,5
milhões de manifestantes, bem acima
da população da cidade do Rio de Janei-
ro. E 1%, “apenas” 1,5 milhão de eleito-
res, alguém consegue mobilizar? Mes-
mo somando todos os lugares possíveis,
a chance é pequena. O que significaria
que mais de 99% da população adulta não
acedeu à convocação.
É possível que um dos idiotas que ocu-
pam o Palácio do Planalto tenha reco-
mendado fazer as manifestações do dia
7, achando que o mambembe governo
do capitão ficaria mais forte, mostran-
do seus (franzinos) músculos “nas ruas”.
É um modelo miliciano de pensar, em
que a aquiescência do outro é obtida me-
diante intimidações e ameaças, mas que,
no caso, não serve para nada. Onde seria
necessário, tem chance mínima de fun-
cionar, pois a cúpula do Judiciário, do sis-
tema político e do empresariado não se
amedronta com os grunhidos bolsona-
ristas. Onde não, é dispensável. O “Cen-
trão”, os milicos e os bispos picaretas
apoiam o capitão por conveniência, e não
por medo. Não precisam de outros argu-
mentos, estão com ele porque são pagos.
Resta, é claro, a suposição de que o po-
vo, a maioria do eleitorado, que é pobre
e vive mal, pode ser impressionado com
manifestações de força como as deste 7
de Setembro. De novo é o modelo mili-
ciano, em que as favelas e comunidades
são mantidas na dependência de margi-
nais por medo de represálias, com ban-
didos circulando na carroceria de cami-
nhonetes a exibir fuzis.
O capitão e seus estrategistas devem
imaginar que o voto popular em 2022 se-
rá guiado pelo receio de contrariar quem
anda armado, militares, milicianos e
“atiradores esportivos”. Supõem que as
pesquisas de opinião estão erradas e que
os eleitores vão querer que o capitão con-
tinue, por ter o apoio de não se sabe quan-
tos manifestantes que foram “às ruas”.
Trata-se de um raciocínio idiota. O que
as pesquisas atuais mostram é algo in-
teiramente normal na democracia: na
reeleição, quem faz um bom governo é
favorito, quem conclui um governo me-
diano está no páreo e o mau governan-
te tende a perder. O péssimo é carta fo-
ra do baralho.
Bolsonaro é um presidente ridículo,
que mal completou dois terços de seu
mandato e é responsável por catástro-
fes em todas as áreas, em especial uma
calamidade sanitária causada por sua in-
cúria e incompetência. Tornou-se tam-
bém, à medida em que aumentou seu
nível de conhecimento, um político de
quem a maioria da população não gos-
ta, não admira e não respeita. Se conse-
guisse levar às ruas 1, 2 ou 10 milhões de
brasileiros, isso não mudaria. O 7 de Se-
tembro de 2021 seria uma exibição inú-
til e não funcionou. •
CARTA CAPITAL
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