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Nasci junto com a democracia no Brasil, há pouco mais de 30 anos. Sim, talvez pareça estranho pra um americano, mas a democracia brasileira é da idade da Lindsay Lohan — e assim como ela, teve seu apogeu nos anos 2000 e não soube muito bem lidar com a chegada da vida adulta.
Meus
pais votaram pela primeira vez na vida em 1989, quando eu 33 anos de
idade. Cresci ouvindo relatos assustadores sobre a ditadura militar. Um
homem teve a boca presa ao carburador de um carro com o motor ligado e
respirou fumaça até morrer. Em outro, o Coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra enfiou ratos dentro da vagina de uma mulher grávida. Vou parar
por aqui, mas isso é só pra vocês entenderem o que estava acontecendo
por aqui enquanto nos EUA estava rolando Woodstock e Watergate.
Repórteres como Woodward e Bernstein, no Brasil, desapareciam ou
“cometiam suicídio” — com ajuda do Estado.
Quem
vê a afinidade de Bolsonaro com Trump talvez não perceba essa dimensão
única da situação brasileira. Bolsonaro nunca escondeu o amor à ditadura
militar — e não fica um minuto sem falar dela. Lembra dos ratos? O
maior ídolo de Bolsonaro é o coronel que os enfiava. De fato, ele
considera o coronel Ustra, que dirigia um centro de tortura nos anos 70,
um “herói nacional”. Apesar de gostar de se intitular um Trump dos Trópicos, Bolsonaro parece mais um cruzamento de Augusto Pinochet com Borat.
É
nesse país que faço comédia. Pode parecer fácil, mas é muito difícil
fazer piadas com um presidente que já parece, por si só, uma paródia.
Estamos competindo o tempo todo com a realidade.
Faço
parte um coletivo chamado Porta dos Fundos, que criei em 2012 junto com
quatro amigos — Fabio Porchat, Antonio Tabet, Ian SBT e João Vicente de
Castro. Todos trabalhávamos na TV aberta, onde não conseguíamos fazer
piadas com sexo, política ou religião — basicamente, tudo o que tem de
mais engraçado. Fomos pra internet, onde nosso tipo de humor foi
acolhido com muito carinho. Em 2017, a Viacom comprou metade da nossa
empresa e hoje fazemos parte de uma corporação americana — o que não nos
impede, claro, de sermos chamados de comunistas. Vintage, não? Mas não para por aí.
Para além do amor à ditadura, existe uma outra camada da nossa política
que pra vocês talvez soe surpreendente: o estado laico é um conceito
que não pegou debaixo do Equador, assim como ir à praia de shorts (por
aqui, a sunga e a teocracia seguem sendo tendência).
Pra vocês terem uma idéia, existe uma bancada evangélica no congresso. A bancada não equivale simplesmente a um lobby cristão, tampouco significa que tenham alguns deputados que sejam cristãos. A bancada consiste em mais de 80 deputados que vão ao congresso com a bíblia na mão e votam de acordo com ela.
Muitos
são pastores, alguns são policiais, alguns são pastores e policiais,
como o pastor sargento Isidório — que ficou famoso por alegar que cura
dependentes químicos com um porrete. Deu certo com ele: além de
ex-drogado, Isidório também se diz ex-gay, curado por Cristo.
Algo que talvez dê a dimensão do nosso problema com laicidade: o nome mais citado durante o impeachment de Dilma Rousseff foi Deus.
Não, ele não fez nenhum depósito suspeito, nem encontraram nenhum
e-mail no nome dele, mas ao que parece foi ele que pediu, pra uma
centena de deputados brasileiros, pra que a presidenta fosse retirada do
cargo.
Fizemos um especial de Natal pra Netflix sobre a juventude de Jesus: A Primeira Tentação de Cristo.
Porchat, o roteirista, partiu do fato de que a Bíblia tem uma elipse de
trinta anos. Jesus tem 12 anos e — plim — de repente está com 30
trinta. Por que não dizem nada sobre sua juventude? O que estavam
tentando esconder?
Aventamos uma
hipótese: Jesus amava homens. Não fomos os primeiros a supor isso,
claro. Antes de nós, Marcos, o evangelista, já tinha narrado, em texto
apócrifo: “O jovem veio até ele, usando um vestido de linho sobre seu
corpo nu. E ficou com ele naquela noite, pois Jesus lhe mostrou o
mistério do reino de Deus”.
A bancada
evangélica talvez não conheça esse trecho, assim como certamente não
conhece Monty Python, Mel Brooks, South Park e outros tantos que já
fizeram humor, antes de nós, com as vacas sagradas da cristandade.
Hoje tem, no Brasil, uma dúzia de ações e petições pedindo a retirada do conteúdo do ar.
O Ministério Público acatou um pedido
de um grupo católico exigindo não apenas censura, mas também quer que a
gente pague dois milhões de reais, dois centavos pra cada católico do
Brasil. Não me pergunte o porquê dos dois centavos. Fiquei na dúvida se
eu, batizado na igreja católica, tenho também direito aos dois centavos.
Não fiz, no entanto, primeira comunhão, será que tenho direito a um
centavo apenas? Quem fez crisma pode pleitear um terceiro centavo?
Isso
para nós não é novo – ao longo de oito anos colecionamos processos de
grupos religiosos em todo o Brasil. O que mudou foi que, desde que esse
presidente tomou posse, os ataques têm tomado outras formas. Por
exemplo, na madrugada do dia 24 de dezembro, um grupo de mascarados tentou incendiar nossa sede com coquetéis molotov. O vigia conseguiu apagar o fogo e ninguém se machucou.
No
dia seguinte, um grupo chamado Comando de Insurgência Popular da
Família Integralista Brasileira reivindicou a autoria do ataque.
Integralismo foi um movimento dos anos 30 simpático ao nazismo — sim,
tinham muitos brasileiros simpáticos a um movimento que os mandaria, por
serem mestiços, pra um campo de concentração.
O movimento, acreditávamos, tinha morrido — junto com a sífilis e a tuberculose. Mas assim como ambas está de volta ao Brasil de Bolsonaro.
O
humor, claro, não é o único afetado pelo governo. O filme A Vida
Invisível, do qual participo como ator, ganhou o prêmio Un Certain
Regard, em Cannes, mas no Brasil foi impedido de passar num órgão
público. A então diretora da Ancine, a Agência Reguladora do Cinema,
alegou que o produtor seria comunista. Quem conhece o mercado sabe que
isso não faz sentido: nada pode ser menos comunista que um produtor de
cinema.
Os órgãos públicos — todos —
estão sendo trocados por “pessoas leais ao governo” — pra usar uma
expressão do próprio Bolsonaro. O presidente já disse que não é a favor
da censura, mas sim de proteger os “valores cristãos”.
Não
é preciso atacar a cristandade, no entanto, pra ser demitido. Quando o
diretor do INPE divulgou dados sobre desmatamento, o presidente o
exonerou — talvez outro inimigo dos valores cristãos seja a realidade.
Embora
nosso presidente não mereça a alcunha de Trump dos Trópicos (nem
isso!), ele certamente foi muito ajudado pelo resultado das eleições
americanas. Se os Estados Unidos elegeram um oligofrênico, porque o
Brasil não poderia? Por isso aguardamos ansiosamente o resultado do
impeachment e das eleições deste anodo ano que vem. Tudo indica que a
derrocada de Trump deve representar, também, o declínio dos seus
imitadores tropicais.
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