February 27, 2019

ENTRE TAPAS E BEIJOS






Miguel Paiva

​O vereador Carlos Bolsonaro, chamado gentilmente pelo pai de pitbull, declarou que se a empresária Elaine Caparroz tivesse uma arma em casa a história da agressão homicida de Vinicius Serra teria sido diferente. Só na cabeça dele que a vida deve ser este faroeste intimo em que pessoas, durante um suposto ato de amor estejam armadas. Nem em "Game of Thrones" isso acontece.
​Quem marca um encontro depois de uma longa troca de mensagens ( troca de mensagens é uma coisa que o vereador não gosta muito) está esperando gestos carinhosos e amorosos, não um constante estado de alerta. Armas não são objetos eróticos. Armas matam, ou seja, o oposto do objetivo do encontro. Julgar também Elaine por ter ido para a cama com o Vinícius no primeiro encontro beira o machismo mais retrógrado e preconceituoso. Passa a ser mais importante esse fato do que a agressão durante 4 horas sobre a vítima. O fato de uma pessoa querer transar com outra não abre a prerrogativa do crime que virá a seguir. O crime acontece por outros motivos. Nesse caso, motivos torpes alimentados pelo machismo, pela impunidade e pela violência institucionalizada. O Vinicius me parece ser uma pessoa perturbada e agressiva, educada com esses valores distorcidos. O que ele tem contra as mulheres explica o que ele deve ter contra tudo o que é civilizado e saudável.
​Lidar com o feminicídio dizendo que uma arma resolveria e tratar o agressor como covarde é tirar da frente o problema. Não é só uma questão de covardia, é um gesto de opressão contra as mulheres e de arrogância violenta masculina.. Agredi-la dormindo é uma traição às expectativas dela e jamais uma distração. Se ela tivesse uma arma em casa poderia ser ainda mais grave. Quem agride assim alguém não tem pudores em matar. Elaine poderia estar morta e aí sim a história ser outra.
​Vivemos um momento no país totalmente hostil que pode até não resultar em nenhuma mudança concreta na legislação mas vai dar um trabalho enorme e dispendioso no combate à essas distorções. Parece que abrimos a porta de um lugar onde as palavras são rudes, os termos agressivos, a compreensão da vida limitada. Governantes se tratam de mentirosos, e podem até ser, mas lavam a roupa suja na rua sem o menor pudor. E sem o menor pudor continuamos a viver assistindo a esse espetáculo dantesco para o qual não fui convidado.
​Não sabemos nem contra o quê lutar. Não há programa, não há projetos, não há ideologia precisa. O que há é um desgoverno que vai tateando feito cego em tiroteio até o próximo degrau. Como temos um Congresso imprevisível, tudo pode acontecer até casos como esse de violência serem esquecidos nos corredores escuros do novo poder. Quem é machista nas declarações, é machista em tudo. Tratar o agressor de Elaine como covarde é um julgamento primário que não leva em conta a opressão dos homens sobre as mulheres há séculos. Enquanto tudo for tratado como covardia ou falta de armas para reagir nada mudará. A própria criminalização da homofobia se não for acompanhada de mudanças profundas na educação ( e isso está longe de acontecer) vai ser mais uma lei a ser driblada diante do número de assassinatos que acontecem todos os dias.
​O Brasil não precisa de armas e sim de educação. Parece chavão mas é verdade. Só assim não vamos dar tiros n'água.

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