Angela Alonso
Propaganda do presidente eleito investe na estética do improviso; é gente como a gente
O Brasil elegeu um capitão para a Presidência. Chocante, mas não inusitado.Militar costuma chegar ao poder pelas armas. Deodoro da Fonseca inaugurou a série junto com o regime republicano; Castelo Branco se perfilou, em 1964, abrindo infausta trilha, que acabou no presidente que amava os cavalos.
Mas não é só golpe que joga o Estado em mãos armadas. Há o voto. O sobrinho de Deodoro, Hermes da Fonseca, marechal como o tio, bateu Rui Barbosa nas urnas.
A rinha célebre opôs casaca e farda. Era 1910 e o país já esquecera que o "civilista" Rui fora golpista em 1889 e ministro do primeiro governo militar. Rui ganhou prestígio, mas foi Hermes quem levou a eleição.
Em 1945, a escolha foi de Sofia: o Exército, com o general Dutra, ou a aeronáutica, com Eduardo Gomes. Sem WhatsApp, o perdedor apostou na culinária: inventou um chocolatinho de propaganda, o "brigadeiro". Gomes fez história também com seu revólver, nas revoltas de 1922, 1924, 1932 e na Revolução de 1930. E viveu para participar do golpe de 1964.
Mas nenhum desses se assemelha tanto ao novo presidente como o primeiro militar eleito da República. Floriano Peixoto começou como vice, mas logo tratorou o titular, com armas e o voto indireto dos deputados.
Adversários viram nele o típico caudilho sul-americano. Nem por isso impopular. Muitos o idolatraram como demolidor de privilégios e garantia de retidão moral.
Apresentava-se como homem comum. Costumes simples combinados à parca leitura. Falava o indispensável.
Quando Deodoro pediu apoio para o golpe de 1889, foi telegráfico: "Lá tenho minha espingarda velha". O que faltava em elegância sobrava em pragmatismo. Foi chefe pelo exemplo, não pela palavra. Comia de cócoras, como um soldado raso.
O novo presidente ecoa esses traços. "Bolsonaro é gente como a gente", diz o anúncio de um vídeo com a chamada "Sr. Mito". Depois da imagem do próprio, surge a varanda de tijolinho típica dos lares de classe média. O capitão está civil, em camisa de futebol que, a despeito de vermelha, estampa o número dez.
A câmera aguarda enquanto o protagonista investe em atiçar fogo no carvão da churrasqueira. Tudo meio improvisado e muito masculino. No desarranjo da pia, convivem óleo de soja, vasos de flor e uma mochila. Ao lado, um exemplar de jornal largado sobre um banquinho branco, provavelmente de plástico.
O despojamento reaparece na segunda cena. O presidente está à mesa de madeira ripada, sem toalha, com dois comensais, um ostenta a bandeira do Brasil na manga. A refeição é carne e pão francês —ainda no saco da padaria.
Os pratos ao centro são inúteis: come-se da travessa. Nada de álcool, só água e Coca-Cola a consumir em copos de boteco, dispostos de boca para baixo. Completam o quadro tipos bombados, uma rede e o cartaz do "mito".
A propaganda de Bolsonaro, antes e depois da eleição, investiu nessa estética do improviso e na exaltação do homem comum.
A primeira organiza seus vídeos: bandeira torta na parede, ostensiva fita adesiva, locações caseiras —até a área de serviço—, displicência no cenário, no qual se vislumbram à vezes um balde, às vezes migalhas.
A segunda está na celebração —como é usual no Facebook— do corriqueiro: ir à igreja, ao banco, ao barbeiro. Sua fala coloquial combina autoridade e emoção —pulso firme, coração mole. Assim se produz a persona de caseiro, religioso, humilde. É "um de nós". Pessoa sem frescuras, que encara o arroz-com-feijão da vida —e um leite condensado.
tônica no homem comum carrega um antielitismo. O presidente se afasta do cosmopolita, embora tenha viajado o seu tanto. Apresenta-se como provinciano, algo que vai melhor com seu nacionalismo. É membro da elite política —está na carreira há anos—, mas se diz outsider.
Como a maioria dos brasileiros, lê pouco, com preferência pela Bíblia. Em seu primeiro vídeo depois de eleito, lá está a Mensagem, o texto sagrado do cristianismo adaptado ao gosto médio contemporâneo.
Este ethos do homem comum não se ancora no carisma do líder excepcional, ao contrário, se enraíza na representatividade. Sua força emana do compartilhamento de hábitos com a média dos brasileiros.
Floriano Peixoto era homem de pouca lábia e muito pólvora.Foi amado até o sacrifício, quando opositores abriram guerra civil. Seus fiéis esmagaram a resistência, com apoio norte-americano e força bruta. Tomara que o novo presidente, que não oculta a simpatia por armas e ianques, gaste mais saliva e menos chumbo.
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