Antonia Pellegrino e Manoela Miklos
Há uma década a TV Globo exibe "Amor e Sexo", mas desde 2013 o programa apresentado por Fernanda Lima foi se tornando mais politizado, sob a batuta do show runner Antonio Amancio. A atração chamou para si o protagonismo das pautas progressistas no momento em que a sociedade brasileira se polarizou.
]Numa síntese única, o programa de variedades faz jus ao que há de melhor na tradição inventiva da televisão brasileira, ao apresentar as lutas humanitárias com estética exuberante, sem medo de ser feliz.
No conteúdo, a equipe do programa não busca uma isenção que não existe. "Amor e Sexo" tem posição clara: está na disputa por uma sociedade menos opressora, que trate todas e todos como iguais, e tenha respeito pelas diferenças. Valores éticos fundamentais em qualquer país democrático, mas que no Brasil de hoje estão sob a alcunha de "ideologia comunista".Na última semana, Fernanda Lima causou polêmica ao fechar o programa sobre mulheres dizendo: "vamos sabotar as engrenagens deste sistema de opressão. Vamos sabotar as engrenagens deste sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino. Vamos jogar na fogueira as camisas de força da submissão, da tirania e da repressão. Vamos libertar todas nós e todos vocês. Nossa luta está apenas começando. Prepare-se porque esta revolução não tem volta. Bora sabotar tudo isso!"
O programa foi gravado em julho, portanto foi escrito no começo do ano. Em momento algum a apresentadora falou o nome do presidente eleito. Sua fala se insurge contra o que há de pior na sociedade brasileira: o passado colonial. Seu discurso é ético-político, e não ideológico-partidário. Mas para os bolsominions Fernanda Lima quer boicotar o país e o governo. Ou seja, a carapuça serviu.
O post mais raivoso contra Lima foi escrito por um cantor sertanejo, que diz: "a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco e o lado mais fraco é onde ela está". Depois de pedir que sabotem Fernanda, o sujeito escreve: "Sergio Moro vai ajuda a sabotar, pode esperar kkkk".
Ao decretarem o ataque e boicote à Fernanda Lima, os eleitores de Bolsonaro reconhecem que o que eles desejam é justamente acabar com os avanços que conquistamos no combate às desigualdades estruturais de nossa sociedade —a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco (sic).
Assumem que identificam na plataforma do presidente eleito um projeto de manutenção disso tudo que sempre esteve aí: racismo, machismo, homofobia, misoginia, submissão da mulher, enfim, a tirania da casa grande.
E identificam no ex-juiz e futuro ministro Sergio Moro alguém capaz de usar o Estado como máquina de perseguição para realizar este projeto. Diante desta ideia, surge um kkkk de quem goza com a ideia fascista.
Durante as eleições vários Tribunais Regionais Eleitorais determinaram que faixas com dizeres como "Ditadura nunca mais" e "Fascismo Não" fossem retiradas de universidades. A alegação era de que se tratava de propaganda política, mesmo sem haver o número ou o nome de qualquer candidato. O Supremo Tribunal Federal se posicionou contra a decisão, e a Justiça eleitoral voltou atrás. Mas permanece o fato: os TREs consideraram que havia um candidato cuja plataforma política era fascista e que fazia apologia da ditadura.
Pouco se falou naquelas semanas que fascismo é crime. Se havia um candidato que representava a pauta do fascismo, era ele quem deveria ser criminalizado. Este crime, nenhum TRE entendeu ser passível de penalidade. Os passíveis de prisão eram aqueles que protestavam democraticamente.
Alguma coisa está profundamente fora da ordem no Brasil. Aqui, racismo e homofobia são crimes. Um país que entende a sabotagem pregada por Fernanda como crime ou gesto passível de condenação moral está sabotando a si próprio.
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