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March 21, 2018
Tragédia de Marielle jogou luz sobre problemas de Acari
por Carina Bacelar
RIO - Quatro dias antes de ser assassinada, junto com seu motorista, a vereadora Marielle Franco (PSOL) postou em sua página oficial no Facebook uma denúncia sobre abusos em Acari. “O 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana, dois jovens foram mortos e jogados em um valão”, publicou, dando voz às queixas de um coletivo da região, o Fala Akari. Após a publicação da parlamentar, a Polícia Militar abriu um inquérito para investigar a operação do último dia 5, que moradores dizem ter terminado com a morte de Eduardo Ferreira e Reginaldo Santos, que foram encontrados às margens do rio que dá nome à localidade.
A apuração sobre as circunstâncias das mortes dos jovens ainda está em curso. Por nota, a PM assegurou que, durante a operação, não houve vítimas ou feridos. Somente horas depois, teria recebido a informação de que havia um baleado no Hospital de Acari, que acabou não resistindo, e um cadáver achado numa rua do bairro.
A denúncia de Marielle sobre o caso, que viralizou após sua morte,
voltou a jogar luz sobre Acari, uma das regiões mais violentas da
cidade. Nos últimos dias, parte do comércio da área sequer abriu as
portas. Muitos têm medo e evitam falar sobre as operações da polícia.
Alguns moradores reclamam da truculência e de casas revistadas sem
autorização. Na madrugada de quinta-feira, no dia seguinte à morte de
Marielle, ativistas de direitos humanos preferiram deixar Acari. Um
deles, que pediu para não ser identificado, explicou que o afastamento
já era debatido entre líderes comunitários, por precaução:
— Saí de madrugada. A gente não tem medo, mas é preciso ter cautela
para continuar a luta, nesse momento. Já estávamos pensando em passar um
tempo fora — afirmou.
ALÉM DA VIOLÊNCIA, PROBLEMAS SOCIAIS
Os
relatos de truculência durante as operações da semana passada chegaram
ao Observatório da Intervenção Federal, coordenado por pesquisadoras do
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade
Candido Mendes. O grupo enviou uma nota para a imprensa questionando a
ação: “O Observatório da Intervenção pergunta: isto é estratégia de
segurança da intervenção? Ou é negócio particular do 41º BPM com
Acari?”, indagava o texto.
Em
Acari, a violência é uma das facetas mais cruéis de uma região que
também tem inúmeros desafios sociais. Com 27.347 habitantes (dados de
2010), a área tem um dos piores resultados no Índice de Desenvolvimento
Social da cidade. Em 2010, estava na 152ª posição. O pior, Grumari,
estava em 160º. Em 2015, a taxa de mortalidade infantil foi altíssima:
33,69 entre mil nascidos vivos, o que deixou o local em 6º lugar na
cidade inteira. O Hospital Ronaldo Gazolla, ou Hospital de Acari, é
conhecido pela precariedade: no final do ano passado, em meio à queixa
de funcionários, que estavam sem receber, chegou a suspender cirurgias e
a fechar alas por falta de insumos.
Responsável pela área, o 41º BPM, que voltou a ter todos os olhares
voltados para ele após a denúncia de Marielle, foi o que mais registrou
homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio, em 2016, com 118
episódios. Em 2017, com 112 mortes, ficou em segundo lugar no estado,
atrás do 15º BPM (Duque de Caxias), que teve 121 casos. Ao todo, três
policiais do batalhão, que foi criado em 2010, morreram em serviço entre
2016 e 2017.
O número de tiroteios registrados na região também impressiona. Ao
longo de 2017, pelo menos dois deles terminaram com três ou mais civis
mortos, deixando Acari em terceiro lugar entre os bairros com mais
ocorrências desse tipo, de acordo com um levantamento do aplicativo Fogo
Cruzado. O estudo também apontou que Acari foi o bairro com mais
notificações de escolas que suspenderam aulas por causa da violência ao
longo do ano. Foram 45 no total.
Era justamente em um colégio de Acari, a Escola Municipal Jornalista
Escritor Daniel Piza, que a estudante Maria Eduarda da Conceição, de 13
anos, estudava. Ela praticava educação física quando foi morta a tiros, em plena quadra, em março do ano passado. Dois policiais — do mesmo 41º BPM — foram denunciados e respondem na Justiça por homicídio doloso contra Eduarda.
O caso da estudante, entretanto, não foi o único a comover a opinião pública envolvendo o mesmo batalhão. Em novembro de 2015, cinco jovens que voltavam de uma comemoração foram fuzilados e mortos,
dentro de um carro, por quatro policiais do 41º BPM, segundo o
Ministério Público. Eles respondem na Justiça pela morte do grupo de
amigos.
Em
1990, a comunidade já havia virado símbolo mundial da violação dos
direitos humanos no Brasil. Naquele ano ocorreu a Chacina de Acari: 11
jovens, sendo 7 menores de idade, desapareceram após irem para um
passeio em um sítio em Magé, na Baixada Fluminense. De acordo com as
investigações, o grupo teria sido sequestrado por homens que se
identificaram como policiais e foram levados para um destino
desconhecido. Os corpos nunca foram encontrados, e o crime, que
prescreveu em 2010, ficou impune. As mães dos jovens formaram um grupo, o
Mães de Acari, que sofreu ameaças e acabou acolhido pela Anistia
Internacional em 1992.
Mesmo com a organização dando apoio ao grupo e com a história
daquelas mães percorrendo o mundo, em 1993, uma das mais combativas
entre elas, Edméia da Silva Euzébio foi assassinada quando buscava
informações sobre o paradeiro do seu filho. Edméia peregrinava por
locais de desovas de corpos, hospitais, instituto médico-legais e
cemitérios clandestino. A Anistia Internacional ressalta que a única
reparação oferecida a algumas famílias foi a quantia de R$10 mil. (Colaborou: Helena Borges)
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