por Elenilce Bottari e Fábio Teixeira
/ O GLOBO
Enquanto as megaoperações se multiplicam, os investimentos naquela que é a maior responsável pela apuração dos crimes ocorridos no estado, diminuem. Um documento interno da Polícia Civil, obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que 58,25% dos cargos previstos na Lei 3.586/2001, que reestruturou a corporação, estão vagos. São, no total, 13.256 vagas disponíveis, número maior que o efetivo atual, de 9.654 homens.
ESTE ANO, ORÇAMENTO DE 2,3 MILHÕES
Pela Lei Orçamentária, a Polícia Civil foi autorizada a gastar até R$ 1,8 bilhão este ano, mas R$ 1,69 bilhão deverão ser destinados a pagamentos de salários, abonos e pensões. Investimentos na rubrica “inteligência e segurança da informação” estão limitados a R$ 2,3 milhões. Os recursos minguam em vários setores, mas é nas unidades especializadas da corporação que o sucateamento se mostra mais latente. Um exemplo: em 2004, a Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas tinha um efetivo de 120 homens, e, naquele ano, registrou 4.174 casos. Em 2017, apenas 50 agentes ficaram responsáveis pelas investigações de 9.874 ocorrências.
A deputada estadual Martha Rocha (PDT), ex-chefe da Polícia Civil, afirma que as forças de segurança não conseguem conter a onda de roubos de cargas no Rio justamente porque falta um trabalho de inteligência. Segundo a deputada, não é apenas fazendo blitzes em rodovias e vias expressas que o quadro vai mudar:
— Hoje, as grandes quadrilhas têm um braço especializado em roubos de carga. Em algumas regiões, esse tipo de crime vem dando mais lucro aos bandidos do que a venda de drogas. As áreas onde ocorrem mais ataques a caminhões já estão mapeadas, mas faltam agentes para concluir inquéritos, fazer trabalho de campo, identificar cada integrante das quadrilhas. A carência de recursos humanos atrapalha muito qualquer estratégia de segurança.
Embora o tráfico seja responsável por pelo menos 70% dos homicídios do estado, o efetivo da Polícia Civil encarregado de investigá-lo também é reduzido. Atualmente, a Delegacia de Combate às Drogas conta com 50 agentes para desbaratar quadrilhas que atuam nas cerca de 500 comunidades da capital. Antes chamada de Delegacia de Repressão a Entorpecentes, ela chegou a ter
aproximadamente 300 homens nos anos 2000.
A situação da Desarme, que combate o tráfico de armas, é ainda pior: tem apenas 20 investigadores, segundo o Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro (Sindelpol). Ela foi criada em 2017, após o estado passar seis anos sem uma delegacia especializada nesse tipo de crime. Quando foi extinta, em 2011, a Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos trabalhava com uma equipe de aproximadamente cem homens.
A promotora Andrea Amin, coordenadora do Grupo Especializado em Segurança Pública do Ministério Público estadual, diz que, devido à falta de pessoal nas delegacias, o órgão está sendo obrigado a assumir tarefas da Polícia Civil, como fazer notificações, ouvir depoimento de testemunhas e até investigar crimes:
— Segurança pública envolve inteligência. Realizar operações não garante a redução da criminalidade. A Polícia Civil vem perdendo sua capacidade de trabalhar, seu quadro está muito deficitário.
Hoje, a corporação tem 9.654 servidores, e um terço recebe o chamado abono permanência: isso significa que cerca de 3 mil já podem pedir a aposentadoria. Em 2001, quando a lei de reestruturação da Polícia Civil foi criada, apenas 92 servidores deixaram o serviço. Desde 2014, mais de 700 pediram as contas.
Em um estado que registrou 6.731 mortes violentas no ano passado, uma das maiores necessidades da Polícia Civil é a contratação de peritos legistas, fundamentais para a investigação dos homicídios. Hoje, a corporação tem 284 peritos, e, pelos cálculos do Sindelpol, precisa preencher 215 vagas. A promotora Andrea Amin se reuniu no mês passado com representantes da Casa Civil e pediu a realização de um concurso, em caráter de urgência, para a convocação de pelo menos cem.
TAMBÉM FALTAM EQUIPAMENTOS
Além de agentes, a Polícia Civil precisa de equipamentos. Tem apenas dois helicópteros (o mais novo foi adquirido nove anos atrás). A Coordenadoria de Recursos Especiais conta com dois veículos blindados, e ambos estão parados por problemas mecânicos.
O presidente do Sindelpol, Rafael Barcia, lembra que, no ano passado, o sistema de informática que reúne todas as informações da Polícia Civil quase entrou em colapso por falta de pagamento a técnicos e falhas de manutenção:
— O crime organizado investe em tecnologia; a Polícia Civil, não. Bandidos já usam drones durante invasões de favelas, nós não temos nenhum, precisamos pegar emprestado. Criminosos só se comunicam pelo WhatsApp, há programas que permitem a interceptação de trocas de mensagens e de áudio, mas também não os temos.
Barcia destaca que o Exército tem avançados equipamentos de inteligência, que vêm sendo usados de forma pontual nas operações conjuntas. Ele defende uma integração maior das Forças Armadas com as polícias Civil e Militar, inclusive com o compartilhamento desses aparelhos.
Em nota, a Polícia Civil informa que, “assim como todos os órgãos do estado”, aguarda “a total recuperação fiscal do governo para que seja equacionada esta escassez de recursos, tanto de insumos como o pagamento do 13° salário de 2017, das gratificações, contratação de concursados, abertura de novas vagas e demais pendências financeiras com funcionários e empresas terceirizadas”.
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