A intervenção federal
no Rio, como está feita, é mais contra o Exército do que contra os
delinquentes a serem combatidos. E, não constando que os ideólogos da
intervenção Moreira Franco, Raul Jungmann e o general Sergio Etchegoyen
tenham descoberto novas formas de ação anticriminalidade, não há por que
supor ao menos redução da mortandade, tão logo acabe a usual retração
dos delinquentes quando há novidade na repressão.
Mais necessária é a intervenção na chefia da Polícia Federal.
Mas nos dois casos Michel Temer faz prevalecerem os seus interesses.
Contra sustar as boas interferências na PF para sua condição de suspeito
e acusado; e a favor de uma medida extrema e controversa que lhe traz
muitas vantagens políticas. O país e os Estados são capítulos à parte.
O Exército está em operações no Rio desde julho de 2017. Se, passados
sete meses, quem assinou aquele envio da tropa assina, agora, a
intervenção para a mesma garantia da ordem, não é preciso recorrer a
números para concluir pelo insucesso do Exército.
Isso pode ficar debitado ao seu despreparo para ações fora de sua
finalidade. A intervenção elimina tal álibi, ao estabelecer que todo o
sistema de polícia e segurança do Rio passe à responsabilidade do
Exército na pessoa de um general. Assim como todas as respectivas
atividades.
No nível a que chegou o poder de ação do crime organizado, a
repressão não conta com outra tática que não o enfrentamento direto. Do
qual, pelo que se conhece, o esperável está em duas hipóteses: ou mortes
a granel ou resultados muito aquém do desejado (e necessário).
A primeira ocorrência deixaria o Exército sob repulsa interna e
externa, com possíveis consequências internacionais para o país. A
segunda ocorrência será a derrota, que é o inferno dos militares. E não
será menos do que isso para o Exército.
A única novidade da intervenção é a intervenção. Feita em cima das
pernas. Nada foi estudado da situação atual, que já difere da vigente há
um mês, nem discutido sobre um modo de agir diferente dos pouco ou mal
sucedidos de até agora.
Os ideólogos da intervenção pensaram em política. E deixaram o
Exército, que tem se mantido exemplar no Estado de Direito, com todo o
risco.
A criação do Ministério da Segurança,
pretendida por Temer, vem do mesmo tipo de propósitos pessoais,
compartilhados no Planalto por muitos pendurados em acusações e
inquéritos.
Esse ministério não teria utilidade: o que conteria já existe. Dar
maior autonomia à Polícia Federal, já existente, é um objetivo falso. O
pretendido é o oposto: juntar todos os setores ligados a investigações e
processos sob um mesmo comando, para facilitar manipulações sem
conflito de orientação entre eles. Vem daí a crise que começa a
formar-se na PF.
Inicia-se uma fase nova de ação do Planalto, para servir aos interesses de defesas pessoais e ataques à decência.
Homem é fotografado junto com identidade. Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo
Moradores de comunidades pobres da Zona Oeste do Rio
de Janeiro foram ''fichados'' por militares nesta sexta (23). Parados
pelos militares de forma aleatória (aleatoriedade do tipo porta
giratória de agência bancária), eles foram fotografados com seus
documentos e tinham que aguardar enquanto um a Polícia Civil, à
distância, checava os antecedentes criminais.
A apresentação de documentos é prevista em lei. Mas
fotografar e reter a pessoa é uma bizarrice sem tamanho. As Forças
Armadas, que estão à frente da intervenção federal de Michel Temer no
Rio, disseram que contam com amparo para tanto no decreto que autorizou o
uso de militares na cidade. Pena que não se possa decretar bom senso.
Teoricamente, qualquer pessoa que se sentiu
constrangida por conta disso pode mover uma ação contra o Estado. Na
prática, contudo, os moradores sabem que fazer isso é pedir levantar a
ira de quem calça coturno. E como são militares e não defensores
públicos que estão ocupando esses territórios, melhor ficar quieto,
engolir seco e tocar adiante, buscando algum conforto na lembrança do
tempo em que éramos uma democracia.
O ideal seria que as Forças Armadas parassem de fazer
esse tipo de abordagem. Mas considerando que não adianta pedir com
educação, pois vão continuar fazendo fichando pobre, poderíamos pedir
para estenderem o sistema às ruas da Zona Sul da capital carioca e da
Barra da Tijuca.
Imaginem bloquear a passagem de nobres senhores e
senhoras ao saírem da garagem pela manhã com fuzis, tirar uma foto deles
e enviar para a Receita Federal e só liberar após checar se há algo
contra eles por sonegação de impostos, tanto no montante da pessoa
física quanto dos recursos devidos por suas empresas. Encontrado esse
''antecedente'', eles seria conduzido para esclarecimentos até o
escritório da Receita mais próxima. Exagero? Não, reciprocidade.
Não importa que milhões em dívidas já foram
renegociadas no último Refis, abençoado por Temer enquanto ele angariava
votos na Câmara dos Deputados para salvar seu pescoço da guilhotina da
Lava Jato. Se as forças de segurança sempre consideraram que um
antecedente criminal marca para sempre a pessoa, mesmo que ela tenha
cumprido sua dívida para com a sociedade, o mesmo deveria valer para
quem sonega milhões que deveriam ter ido para custear hospitais e pagar
professores.
O mesmo poderia ser estendido para quem não paga
dívidas trabalhistas. Nesse caso, talvez falte efetivo, sendo necessário
chamar reservistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Comparações alucinadas à parte, a desigualdade é
nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras
pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração.
Ao mesmo tempo, há a percepção (correta) de que o
poder público existe para controlar os mais pobres e servir aos mais
abonados. Ou seja, usar a polícia e a política a fim de proteger os
privilégios do segundo grupo (que desfrutam do que a Constituição
Federal tem de melhor em direitos para oferecer), usando violência
contra o primeiro, se necessário for.
Dizer que isso é um ataque frontal às liberdades individuais é chutar um cachorro morto chamado democracia.
President
Trump is either totally compromised by the Russians or is a towering
fool, or both, but either way he has shown himself unwilling or unable
to defend America against a Russian campaign to divide and undermine our
democracy.
That
is, either Trump’s real estate empire has taken large amounts of money
from shady oligarchs linked to the Kremlin — so much that they literally
own him; or rumors are true that he engaged in sexual misbehavior while
he was in Moscow running the Miss Universe contest, which Russian
intelligence has on tape and he doesn’t want released; or Trump actually
believes Russian President Vladimir Putin when he says he is innocent
of intervening in our elections — over the explicit findings of Trump’s
own C.I.A., N.S.A. and F.B.I. chiefs.
In
sum, Trump is either hiding something so threatening to himself, or
he’s criminally incompetent to be commander in chief. It is impossible
yet to say which explanation for his behavior is true, but it seems
highly likely that one of these scenarios explains Trump’s refusal to
respond to Russia’s direct attack on our system — a quiescence that is
simply unprecedented for any U.S. president in history. Russia is not
our friend. It has acted in a hostile manner. And Trump keeps ignoring
it all.
Up
to now, Trump has been flouting the norms of the presidency. Now
Trump’s behavior amounts to a refusal to carry out his oath of office —
to protect and defend the Constitution. Here’s an imperfect but close
analogy: It’s as if George W. Bush had said after 9/11: “No big deal. I
am going golfing over the weekend in Florida and blogging about how it’s
all the Democrats’ fault — no need to hold a National Security Council
meeting.”
At
a time when the special prosecutor Robert Mueller — leveraging several
years of intelligence gathering by the F.B.I., C.I.A. and N.S.A. — has
brought indictments against 13 Russian nationals and three Russian
groups — all linked in some way to the Kremlin — for interfering with
the 2016 U.S. elections, America needs a president who will lead our
nation’s defense against this attack on the integrity of our electoral
democracy.
What
would that look like? He would educate the public on the scale of the
problem; he would bring together all the stakeholders — state and local
election authorities, the federal government, both parties and all the
owners of social networks that the Russians used to carry out their
interference — to mount an effective defense; and he would bring
together our intelligence and military experts to mount an effective
offense against Putin — the best defense of all.
What
we have instead is a president vulgarly tweeting that the Russians are
“laughing their asses off in Moscow” for how we’ve been investigating
their interventions — and exploiting the terrible school shooting in
Florida — and the failure of the F.B.I. to properly forward to its Miami
field office a tip on the killer — to throw the entire F.B.I. under the
bus and create a new excuse to shut down the Mueller investigation.
Think
for a moment how demented was Trump’s Saturday night tweet: “Very sad
that the FBI missed all of the many signals sent out by the Florida
school shooter. This is not acceptable. They are spending too much time
trying to prove Russian collusion with the Trump campaign — there is no
collusion. Get back to the basics and make us all proud!”
To
the contrary. Our F.B.I., C.I.A. and N.S.A., working with the special
counsel, have done us amazingly proud. They’ve uncovered a Russian
program to divide Americans and tilt our last election toward Trump —
i.e., to undermine the very core of our democracy — and Trump is telling
them to get back to important things like tracking would-be school
shooters. Yes, the F.B.I. made a mistake in Florida. But it acted
heroically on Russia. What is more basic than protecting American
democracy?
It
is so obvious what Trump is up to: Again, he is either a total sucker
for Putin or, more likely, he is hiding something that he knows the
Russians have on him, and he knows that the longer Mueller’s
investigation goes on, the more likely he will be to find and expose it.
Donald,
if you are so innocent, why do you go to such extraordinary lengths to
try to shut Mueller down? And if you are really the president — not
still head of the Trump Organization, who moonlights as president, which
is how you so often behave — why don’t you actually lead — lead not
only a proper cyberdefense of our elections, but also an offense against
Putin.
Putin
used cyberwarfare to poison American politics, to spread fake news, to
help elect a chaos candidate, all in order to weaken our democracy. We
should be using our cyber-capabilities to spread the truth about Putin —
just how much money he has stolen, just how many lies he has spread,
just how many rivals he has jailed or made disappear — all to weaken his
autocracy. That is what a real president would be doing right now.
My
guess is what Trump is hiding has to do with money. It’s something
about his financial ties to business elites tied to the Kremlin. They
may own a big stake in him. Who can forget that quote from his son
Donald Trump Jr. from back in 2008: “Russians make up a pretty
disproportionate cross section of a lot of our assets.” They may own our
president.
But
whatever it is, Trump is either trying so hard to hide it or is so
naïve about Russia that he is ready to not only resist mounting a proper
defense of our democracy, he’s actually ready to undermine some of our
most important institutions, the F.B.I. and Justice Department, to keep
his compromised status hidden.
That must not be tolerated. This is code red. The biggest threat to the integrity of our democracy today is in the Oval Office.
In September, as the first detailed evidence surfaced of Russia’s hijacking of social media
in the 2016 election, Irina V. Kaverzina, one of about 80 Russians
working on the project in St. Petersburg, emailed a family member with
some news.
“We
had a slight crisis here at work: the F.B.I. busted our activity (not a
joke),” she wrote of the project in Russia. “So, I got preoccupied with
covering tracks together with the colleagues.” She added, “I created
all these pictures and posts, and the Americans believed that it was
written by their people.”
A
37-page indictment, handed up on Friday by a Washington grand jury and
charging Ms. Kaverzina and 12 other people with an elaborate conspiracy,
showed that she and her colleagues did not, in fact, hide their tracks
so well from United States investigators. The charges, brought by Robert
S. Mueller III, the special counsel, introduced hard facts to a
polarized political debate over Russia’s intervention in American
democracy, while not yet implicating President Trump or his associates.
The
indictment presented in astonishing detail a carefully planned,
three-year Russian scheme to incite political discord in the United
States, damage Hillary Clinton’s presidential campaign and later bolster
the candidacy of Donald J. Trump, along with those of Bernie Sanders
and Jill Stein. The precise description of the operation suggested that
F.B.I. investigators had intercepted communications, found a cooperating
insider or both.
The
Russians overseeing the operation, which they named the Translator
Project, had a goal to “spread distrust toward the candidates and the
political system in general.” They used a cluster of companies linked to
one called the Internet Research Agency, and called their campaign “information warfare.”
The
field research to guide the attack appears to have begun in earnest in
June 2014. Two Russian women, Aleksandra Y. Krylova and Anna V.
Bogacheva, obtained visas for what turned out to be a three-week
reconnaissance tour of the United States, including to key electoral
states like Colorado, Michigan, Nevada and New Mexico. The visa
application of a third Russian, Robert S. Bovda, was rejected.
The
two women bought cameras, SIM cards and disposable cellphones for the
trip and devised “evacuation scenarios” in case their real purpose was
detected. In all, they visited nine states — California, Illinois,
Louisiana, New York and Texas, in addition to the others — “to gather
intelligence” on American politics, the indictment says. Ms. Krylova
sent a report about their findings to one of her bosses in St.
Petersburg.
Another
Russian operative visited Atlanta in November 2014 on a similar
mission, the indictment says. It does not name that operative, a
possible indication that he or she is cooperating with the
investigation, legal experts said.
President
Vladimir V. Putin of Russia has repeatedly denied any government role
in hacking and disinformation aimed at the United States.
Credit
Maxim Shemetov/Reuters Foto de: Maxim Shemetov/Reuters
The
operation also included the creation of hundreds of email, PayPal and
bank accounts and even fraudulent drivers’ licenses issued to fictitious
Americans. The Russians also used the identities of real Americans from
stolen Social Security numbers.
At
the height of the 2016 campaign, the effort employed more than 80
people, who used secure virtual private network connections to computer
servers leased in the United States to hide the fact that they were in
Russia. From there, they posed as American activists, emailing, advising
and making payments to real Americans who were duped into believing
that they were part of the same cause.
The
playing field was mainly social media, where the Russians splashed
catchy memes and hash tags. Facebook has estimated that the fraudulent
Russian posts reached 126 million Americans on its platforms alone.
The
Russian operatives contacted, among others, a real Texas activist who,
evidently assuming they were Americans, advised them to focus on “purple
states like Colorado, Virginia & Florida.” After that, F.B.I.
agents found that the phrase “purple states” became a mantra for the
Russian operation.
Clinton
Watts, a former F.B.I. agent who has tracked the Russian campaign
closely, said that he had no doubt that President Vladimir V. Putin of
Russia was behind the effort, which was carried out by companies
controlled by his friend and ally, Yevgeny V. Prigozhin.
But he noted that the so-called trolls employed by Mr. Prigozhin took
elaborate steps to obscure their identities and locations and to avoid
leaving government fingerprints.
“From
the beginning, they built this so it could be plausibly denied,” Mr.
Watts said. Mr. Putin has repeatedly denied any government role in
hacking and disinformation aimed at the United States, while coyly
allowing that patriotic Russians may have carried out such attacks on
their own.
Andrew
S. Weiss, a Russia specialist at the Carnegie Endowment for
International Peace, called the reported origin of the effort in April
2014 “crucially important.”
“That’s
a little more than a month after the annexation of Crimea and the
launch of Russia’s covert war in eastern Ukraine,” Mr. Weiss said. The
resulting crisis “vaporized U.S.-Russian relations overnight,” he said,
setting off multiple Russian efforts “to undermine the United States,
both in terms of our leading role in the world, but also via our own
domestic political vulnerabilities.”
Mr.
Weiss said the fact that private companies conducted the social media
campaign simply made it cheaper and more difficult to trace.
Mr.
Putin has been angry with Mrs. Clinton since at least 2011, when she
was secretary of state and he accused her of inciting unrest in Russia
as he faced large-scale political protests. Mrs. Clinton, he said, had
sent “a signal” to “some actors in our country” after elections that
were condemned as fraudulent by both international and Russian
observers.
Mr.
Mueller’s indictment does not present evidence that the campaign
overseen by Mr. Prigozhin was ordered by Mr. Putin. American officials
have traced other elements of the Russian meddling, notably the hacking
and leaking of leading Democrats’ emails, to Russian intelligence
agencies carrying out Mr. Putin’s orders.
While
the indictment certainly undermines Mr. Trump’s blanket assertions that
the Russian interference is a political “hoax,” it does not accuse
anyone from his campaign or any other American of knowingly aiding in
the effort.
By
the beginning of 2016, the Russian strategy was in place, and the
conspirators began their campaign to sow conflict. An internal message
circulated through the Internet Research Agency telling operatives to
post content online that focused on “politics in the USA.”
“Use any opportunity to criticize Hillary and the rest (except Sanders and Trump—we support them),” the message read.
The
scope of the operation was sweeping. The Russians assumed their fake
identifies to communicate with campaign volunteers for Mr. Trump and
grass-roots groups supporting his candidacy. They bought pro-Trump and
anti-Clinton political advertisements on Facebook and other social
media. They used an Instagram account to try to suppress turnout of
minority voters and campaign for Ms. Stein, the Green Party candidate.
Applying
nearly two years’ worth of political research, the Russians used all of
these tactics to target voters in swing states, notably Florida,
according to the indictment.
The Internet Research Agency, in St. Petersburg, Russia, was said to be the hub of the operation.
Credit
Dmitry Lovetsky/Associated Press Foto de: Dmitry Lovetsky/Associated Press
By
summer 2016, the Russian operatives were mobilizing efforts for coming
“Florida Goes Trump” rallies across the state, all planned for Aug. 20.
Using false identities, they contacted Trump campaign staff in Florida
to offer their services. One operative sent a message to a campaign
official saying that the group Being Patriotic was organizing a
statewide rally “to support Mr. Trump.”
“You
know, simple yelling on the internet is not enough,” the message read,
according to the indictment. “There should be real action. We organized
rallies in New York before. Now we’re focusing on purple states such as
Florida.”
Taking
to Facebook, the Russians used the pseudonym Matt Skiber to advertise
the rally. “If we lose Florida, we lose America. We can’t let it happen,
right? What about organizing a YUGE pro-Trump flash mob in every
Florida town?” the message read, using one of Mr. Trump’s favorite
verbal flourishes.
They reached out to local organizations to build momentum for the coming rallies and assign specific tasks.
They
paid one unwitting Trump supporter to build a cage on a flatbed truck
that housed another person wearing a costume that portrayed Mrs. Clinton
in a prison uniform.
After the rallies in Florida, the group applied similar tactics to organize rallies in Pennsylvania, New York and elsewhere.
Weeks before the election, the Russians ratcheted up social media activity aimed at dampening support for Mrs. Clinton.
In
mid-October, Woke Blacks, an Instagram account run by the Internet
Research Agency, carried the message “hatred for Trump is misleading the
people and forcing Blacks to vote Killary. We cannot resort to the
lesser of two devils. Then we’d surely be better off without voting AT
ALL.”
Then,
just days before Americans went to the polls, another Instagram account
controlled by the Russians — called Blacktivist — urged its followers
to “choose peace” and vote for Ms. Stein, who was expected to siphon
support from Mrs. Clinton’s campaign.
“Trust me,” the message read, “it’s not a wasted vote.”
Não há razão objetiva que justifique a intervenção
federal, restrita à segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo
presidente Michel Temer. A situação daquele Estado no que diz respeito
ao crime organizado e à violência urbana não se tornou calamitosa de um
dia para o outro, a ponto de demandar uma medida tão drástica exatamente
agora, a poucos dias da esperada votação da reforma da Previdência,
que, por força de determinação constitucional, não poderá ser realizada
em razão da intervenção. Temer garante que os efeitos do decreto serão
suspensos apenas para a votação, mas essa manobra certamente receberá
inúmeras contestações judiciais e são imensas as possibilidades de o
feitiço voltar-se contra o feiticeiro.
Ainda que se concluísse que a intervenção era mesmo
necessária, é difícil compreender por que não se poderia esperar até
depois da votação daquela reforma, pois não há notícia de ameaça
iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas
perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas. E se
dizemos que a violência é rotineira é porque o desgoverno do Rio e a
corrupção que corrói o aparelho do Estado de alto a baixo fizeram do
horror o cotidiano daquela população.
Essa violência é intolerável, mas não será a
intervenção federal que resolverá o problema. A segurança não é uma
questão isolada, e sua degradação no caso do Rio é resultado de uma
combinação de muitos fatores – irresponsabilidade administrativa,
conivência com o crime organizado, corrupção generalizada, franqueamento
do Estado a delinquentes de toda espécie e apatia social. Logo,
intervir só na segurança pública até 31 de dezembro deste ano, como
estabelece o decreto, tocará apenas na superfície do problema. Pode-se
até alcançar alguma forma de trégua com o crime organizado nesse
período, mas será algo apenas ilusório, pois todos os demais elementos
que conduziram a esse estado de coisas permanecerão intocados. Desde o
infeliz governo de Chagas Freitas há tréguas periódicas com os bandidos e
o resultado é um só: quando os bandidos voltam a ser bandidos – pois
mocinhos parece que lá não há –, o nível de violência aumenta, sempre
acima do anteriormente registrado.
Para ter eficácia, a intervenção deveria atingir
todos os setores da administração do Estado, mas esse enorme ônus
político o presidente Temer não parece disposto a assumir. Mesmo
limitada à segurança pública, a intervenção fará o quê? Depurará a
própria polícia, tomada pelo crime organizado? Formará e treinará
policiais honestos para substituir a súcia que se associou ao crime e
hoje é sua linha auxiliar? Resolverá tudo isso em dez meses?
Há também o risco de que militares destacados para a
missão no Rio se envolvam com o crime organizado. Esse é um risco sempre
lembrado. Muitos deles são moradores dos morros do Rio em que deverão
atuar e podem ser aliciados pelos narcotraficantes, como já advertiram
autoridades. Ademais, o próprio uso das Forças Armadas para realizar a
segurança pública é “desgastante, perigoso e inócuo”, como disse o
comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no ano passado. Não
houve um único caso de sucesso desse tipo de ação, e não há razão para
acreditar que agora será diferente.
É improvável que ninguém no governo tenha levantado
pelo menos uma dessas objeções nas discussões que desembocaram no
decreto de intervenção. Sendo assim, é lícito perguntar quais os reais
motivos por trás da decisão de Temer.
A primeira conclusão a que se pode chegar,
considerando o timing, é que o presidente precisava criar condições para
abandonar a reforma da Previdência, em razão das dificuldades evidentes
de aprová-la. Com o imbróglio jurídico que o decreto certamente
causará, Temer não teria o desgaste de um revés no Congresso. Há mesmo
quem fale – e fala-se de tudo – que o presidente pode ter pretendido
transformar a derrota em vitória política, talvez com vista à reeleição.
O fato é que, ao explorar um dos temas mais caros aos
brasileiros – a segurança pública – e ao adotar um tom de comício na
assinatura do decreto, dizendo que “nossos presídios não serão mais
escritórios de bandidos nem nossas praças serão salões de festa do crime
organizado”, o presidente dá margem a que se desconfie que, em ano
eleitoral, o governante que pretendia ser reconhecido como reformista
deixou-se seduzir por um atalho sombreado.
Rafael Alcadipani, Professor do Departamento de Administração da FGVSP e membro do Forum Brasileiro de Segurança Pública Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do departamento de Gestão Pública da FGVSP.
Diante do crescimento da violência que ganhou mais
visibilidade durante o carnaval e após a desastrosa entrevista do
governador alegando que não estava preparado para enfrenta-la, o Governo
Temer decidiu adotar uma solução nunca antes implementada no país,
apesar de guardar semelhança com o problema no Espírito Santo em 2002
que não se traduziu em intervenção federal: decretar a intervenção
federal na área Segurança Pública do Rio de Janeiro. Diante do
ineditismo desta decisão pouco ainda se sabe como a medida será
operacionalizada no cotidiano. Até o momento o que está claro é que um
general passará a comandar a Segurança Pública carioca, chefiando as
polícias civil e militar, além do corpo de bombeiros. Do ponto de vista
político, esta parece ter sido uma solução astuta para que se enterre de
vez a proposta de Reforma da Previdência sem muito alarde ao colocar o
pedido de Intervenção como foco do Congresso Nacional e do governo
federal. O pedido de intervenção federal passa a ter preferência de
pauta sobre qualquer outro assunto que esteja na fila de votação. Como a
medida é polêmica e certamente vai gerar muita controvérsia, a Reforma
da Previdência certamente será esquecida até o período eleitoral pelo
menos. Ou seja, nesse momento o governo perdeu esse embate sem ter que
mostrar publicamente que foi derrotado.
Por outro lado, o Presidente Temer fornece uma
resposta popular ao problema de Segurança num estado em que ele tem seus
piores índices de impopularidade e onde Jair Bolsonaro surfa na crise
com a retórica da violência para ganhar votos. Afinal parte da população
acredita que para se resolver o problema é preciso combater o crime
organizado com armas e que o Exército teria este potencial. Esse é um
jogo de alto risco para a democracia e que deve alimentar os sonhos de
grupos minoritários que já defendem publicamente o intervencionismo
militar em outras áreas, inclusive na política.
Porém, do ponto de vista
da segurança pública o tiro pode sair pela culatra. Primeiro, generais
não são preparados e não estão acostumados a lidar com problemas de
Segurança Pública. O próprio Comandante do Exército, General Vilas Boas,
já declarou inúmeras vezes que esta não é a função do Exército e vê com
preocupação o crescente emprego das tropas federais para lidar com o
problema. Os casos do México e da Colômbia nos mostram que quando as
tropas militares federais vão para as ruas cuidar de Segurança Pública a
chance de se corromperem e não conseguirem resolver a situação é
significativa. Aliás, o emprego das Forças Armadas para lidar com a
questão da segurança no Rio de Janeiro já acontece há anos sem que tenha
havido qualquer melhoria. Ademais, a presença de um general no comando
da Secretaria de Segurança é um grande desprestígio para forças
policiais militares e civis que padecem com falta de pagamento de
salários em dia, péssimas condições de trabalho, diminuição de efetivo e
tantos outros problemas. As condições de trabalho das polícias do Rio
de Janeiro foram deterioradas drasticamente nos últimos anos. Apesar de
todos os dramas, existem excelentes quadros das policias cariocas que
podem se sentir completamente desmotivados e desrespeitados com esta
medida. Além disso, a presença dos Militares pode desestabilizar o tênue
equilíbrio de forças que mantem uma precaríssima paz social no Rio de
Janeiro, levando a mais confrontos entre traficantes, policiais e
exército e deixando a população a mercê desta guerra.
Problemas de Segurança Pública se resolvem com
inteligência. É preciso sufocar economicamente o crime organizado a
ponto de eliminar alguma influencia que ele tenha junto aos poderes do
Estado. O Rio de Janeiro é a prova viva de que a Guerra contra as Drogas
nos moldes até o momento existentes fracassou. É urgente que o Brasil
pense de forma ousada e regulamente o mercado das drogas. O Rio de
Janeiro poderia ser um laboratório para este experimento. É fundamental,
ainda, melhorar as condições de trabalho dos policiais valorizando as
suas carreiras. Afora essas questões, é preciso agir para melhorar a
educação e demais serviços públicos nas áreas vulneráveis para que o
crime deixe de ser uma opção tão fácil para tantas pessoas. Onde os
serviços públicos estão deteriorados tais grupos agem para promover
algum bem-estar, como ocorreu recentemente em episódios de vacinação
contra a febre amarela. A intervenção federal na Segurança Pública do
Rio de Janeiro pode se tornar uma medida tão drástica quanto inócua. Não
será na força que iremos resolver o problema de Segurança Pública. Isso
só acontecerá quando considerarmos a Segurança como um problema de
várias esferas do Estado e dos Poderes da República e que precisa ser
lidado mais com inteligência.
O governo de Michel Temer não conseguiria votar a
reforma da Previdência nem na semana que vem nem em qualquer outra
semana deste ano, tivesse ou não uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
Há meses o Palácio do Planalto e seus articuladores políticos no
Congresso sabem que faltam dezenas de votos para que se chegue ao mínimo
necessário à aprovação de uma emenda à Constituição (308 de 513
deputados).
Esse cenário não mudou durante o recesso parlamentar, não mudou no
Carnaval e não havia nenhum sinal objetivo de que mudaria nos próximos
dias ou semanas. Líderes e deputados dos principais partidos governistas
nem se preocuparam em antecipar a volta a Brasília. Apenas o ministro
Carlos Marun, articulador político do governo, mantinha o quixotesco
discurso de esperança, afinal de contas, cumpria o seu papel.
Logo, cada um dos atores políticos envolvidos já preparava nos
bastidores um discurso que buscasse minimizar ao máximo os danos com o
fracasso. A intervenção no Rio é um pretexto que ajuda a embalar o
discurso, mas só isso.
A reforma da Previdência era a principal meta legislativa do governo
federal e o seu fracasso é mais uma evidência do estado de decomposição
da atual gestão.
Respinga em intensidade variada também nos principais políticos que disputam a candidatura de centro,
governista, todos eles de uma forma ou de outra envolvidos no discurso
público em defesa da reforma —Rodrigo Maia (DEM), Henrique Meirelles
(PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB).
Temer deve se concentrar na fala de que fez todos os esforços ao seu
alcance para conseguir aprovar a medida. Se seu governo já patinava, sem
essa meta principal tende a se resumir, nos 10 meses restantes, a ações
esparsas e desconexas, como a agora anunciada.
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia também não deve
aceitar pacificamente o discurso de que a culpa é do Congresso. Já tem
dito e deve reforçar o argumento de que se há um culpado é o governo,
que não conseguiu reunir forças suficientes.
O principal afetado, porém, deve ser Meirelles, que conduz a economia
do governo e vê sua já combalida pretensão de concorrer ao Planalto
mais esvaziada ainda. A construção de uma candidatura à Presidência
pressupõe força política. Abaixo de Temer, que tem chances quase nulas
de conseguir se reeleger, Meirelles é o nome responsável pela reforma.
Não conseguiu. O mundo político costuma cobrar caro esses fiascos.
A História
que pesquiso, escrevo e me apaixona é ancorada em um princípio: malucos,
crianças, mulheres, bichas, sambistas, funkeiros, amantes desesperados,
fracassados em geral, a vizinha do lado, o fantasma, a iaô, a
prostituta, a beata, a minha mãe, a passista da Mangueira, a filha de
Deus e o filho do diabo, o pierrô, a colombina, o pirata de araque, o
bicheiro, o empurrador de carro alegórico, a assombração, o macumbeiro, o
portuga do botequim, o Rei Momo, o Menino Jesus do teatrinho da
quermesse e a rezadeira suburbana não são objetos da História. São
sujeitos dela.
Partindo desta premissa — e particularmente
interessado em falar da cidade do Rio de Janeiro — me confesso fascinado
pelo espírito do carnaval e do alcance que a festa tem para a nossa
gente. O carnaval é perigoso. O controle dos corpos sempre foi parte do
projeto de desqualificação das camadas historicamente subalternizadas
como produtoras de cultura. Esse projeto de desqualificação da cultura é
base da repressão aos elementos lúdicos e sagrados do cotidiano dos
pobres, dos descendentes dos escravizados e de tudo aquilo que resiste
ao confinamento dos corpos e cria potência de vida. O corpo
carnavalizado, sambado, disfarçado, revelado, suado, sapateado,
sincopado, dono de si, é aquele que escapa, subindo no salto da
passista, ao confinamento da existência como projeto de desencanto e
mera espera da morte certa.
A relação aparentemente amorosa entre
o Rio de Janeiro e o carnaval quase nunca foi aceita como um destino
sentimental, como certo discurso identitário e falsamente consensual de
invenção do carioca quer fazer crer. O carnaval, pelo contrário, se
inscreve na história da cidade como um aguçador de tensões. Cariocas
amam o carnaval e cariocas odeiam o carnaval. A ideia do que deve ser a
festa sintetiza a disputa entre a cidade preta, rueira, subterrânea,
pecadora, e a cidade que se quis europeia, civilizada, enquadrada nos
ditames da ordem e da redenção pelas luzes, pelo cifrão, pelo terno e
pela cruz. A última, para seus defensores, deveria exterminar ou
domesticar a primeira para existir. Esse embate entre o corpo em transe e
o corpo em pecado está especialmente aguçado em 2018.
Um
discurso fácil dos que detestam a folia é aquele que vincula o carnaval
ao “Brasil dos vagabundos”, como se ninguém trabalhasse nos dias de
Momo. Eu fico imaginando o que é que essa turma pensa dos vendedores
ambulantes, dos funcionários dos barracões de escolas de samba, dos
músicos, cantoras e cantores, garis, porteiros, motoristas de ônibus,
trocadores, condutores de trens e metrôs, cozinheiros, garçons,
jornalistas, arrumadeiras e faxineiras de hotéis, costureiras de
fantasias, motoristas de carros de som etc. A festa, e aqui me perdoem
por falar o óbvio, bota muito feijão na mesa da gente mais simples da
aldeia.
A festa em tempos de crise é mais necessária que nunca. A
gente não brinca, canso de repetir isso, e festeja porque a vida é
mole; a turma faz isso porque a vida é dura. Sem o repouso nas alegrias,
cá pra nós, ninguém segura o rojão. Não dou a mínima para quem acha que
não devemos ter carnaval e, ao mesmo tempo, não embarco nos discursos
que justificam o carnaval exclusivamente pelo argumento de que a festa é
lucrativa e vai gerar bilhões para a cidade. É ótimo que isso aconteça e
que o dinheiro entre, mas vou botar água nesse chope: desde quando
carnaval existe apenas para dar lucro? Desde quando isso é o critério
fundamental para que tenhamos festa?
Do ponto de vista pessoal,
encaro a rua no carnaval como um espaço para o esquecimento necessário.
Por isso mesmo, acho que a tarefa carnavalesca dos próximos anos é das
mais difíceis. É na rua que os amantes do carnaval andam tendo que
driblar multidões coreografadas, materiais de propaganda de empresas que
acham que o carnaval é apenas um momento da cultura do evento,
celebridades duvidosas que usam a festa como forma de promoção e fortões
compradores de abadás, péssimos bebedores, que serão usados em futuras
sessões de musculação.
Entre a repressão e a grana, prefiro a
quizomba de Momo que, dentre outras coisas, guarda sentidos bem mais
profundos, como aqueles que se situam no campo da cultura e são como o
feixe de luz que entra pela brecha da porta que alguém tenta fechar,
desnorteando o breu. O carnaval é uma experiência de invenção constante,
precária e sublime, da vida dos brasileiros. O Brasil, afinal, é a
minha circunstância bonita, heroica, fracassada, maldita, amorosa,
desgraçada, desesperadora e, feito o baticum do samba que me arrebata,
incontornáve
A Aliança Francesa fica na Duvivier, nós morávamos no Bairro Peixoto.
Para quem não conhece Copacabana: uns oito quarteirões de distância,
segundo o Google menos de dois quilômetros que se cobrem a pé em vinte e
poucos minutos. Eu tinha aula às quartas-feiras, no fim da tarde.
Voltava para casa já de noite, um pouco antes do jantar. Às vezes pegava
a Avenida Copacabana, às vezes resolvia voltar pela praia, andando
descalça na areia. Não era a única garota na rua: indo ou vindo, cruzava
com várias outras crianças, uniformizadas ou não, sozinhas ou em
grupos, a caminho da escola ou de casa.
— Não converse com estranhos, não aceite balinhas de ninguém! — advertiam os adultos.
Ainda
me lembro de inúmeras vezes me preparar psicologicamente para recusar
as balinhas que, afinal, nunca me foram oferecidas. Por “estranhos”
entendiam-se os mais velhos, claro; com gente da minha idade eu
conversava com frequência. Vida normal.
Mais tarde, já adulta,
gostava de pegar ônibus que não sabia onde iam dar, e seguir até o ponto
final, só assim, por nada; ainda faço isso quando viajo. Às vezes
descia e andava pelas ruas, explorando o bairro, às vezes voltava no
mesmo carro. Volta e meia os trocadores me mandavam descer, não gostavam
que ninguém esperasse dentro do veículo, provavelmente para não correr o
risco de alguém fazer duas viagens com uma única passagem.
Também
gostava de passear pelo Centro — pela “cidade”, como se dizia — e
embarafustar pelas ruas pequenas. Sempre achava uma novidade, um prédio
que não conhecia, uma loja, um detalhe interessante. Aí já não valiam os
sábios conselhos dos meus pais e, eventualmente, eu conversava com
estranhos quando parava para tomar um café ou um refresco.
As ruas eram para isso, para serem andadas.
A cidade era para ser usada.
A cidade era nossa, a cidade era minha.
Não
sei quando perdemos o Rio, quando começamos a andar na defensiva,
desconfiados de todos, atentos à menor movimentação. Sei que já não há
um único dia em que não me lembre da violência, da hora de me vestir e
de escolher um brinco às tantas ocasiões em que aperto o passo — quando,
na verdade, tudo o que queria era me deter e apreciar o caminho. Tudo
se normaliza, da correntinha de ouro que fica na gaveta por precaução às
caminhadas que substituímos por corridas de táxi minúsculas. Já não me
lembro como é andar sem pressentimento; mesmo quando estou viajando levo
a minha guarda carioca, as minhas orelhas em pé.
Tenho a exata
noção da sorte que tenho e do privilégio de morar num bairro onde
(ainda) não se escutam tiros dia e noite, onde balas perdidas são raras,
onde nem traficantes nem polícia usam a minha casa como proteção ou
passagem; mas uma cidade é toda ela, ou não é.
Ruas fechadas,
inocentes baleados, crianças mortas a tiros: não há como aceitar isso,
não há como achar que a situação pela qual passa o Rio de Janeiro é
minimamente “normal”.
Não há como aceitar a omissão de um
governador que se surpreende com a violência, que age como se a
desconstrução da cidade não fosse sua responsabilidade. Pezão está no
governo do estado há onze anos, em carreira solo ou em dupla com o
presidiário Sérgio Cabral, e descobre, agora, que “essa não é a cidade
que todos nós queremos”.
Não diga, governador: então o senhor percebeu.
O
prefeito ainda acha que vai tudo bem, que a desordem urbana que compõe o
caos é assim mesmo. Vive num mundo paralelo onde o importante é rezar e
não beber demais.
______
Há um buraco no asfalto em frente à
minha casa. Uma tubulação qualquer se rompeu há mais de um ano e faz
água. O buraco cresce. A água se acumula na sarjeta. Carros caem no
buraco, moradores levam banho dos carros que passam rente. Às vezes
alguns operários vêm fazer de conta que as autoridades estão tomando
providências e tapam o buraco, mas três dias depois ele renasce em todo o
seu esplendor. A gente percebe que alguma coisa foi feita porque ora o
vazamento é de esgoto puro, ora é de água tratada: estamos, felizmente,
na temporada da água tratada.
Olho para o buraco e penso como ele é
emblemático dessa administração incompetente, incapaz de resolver o
mais simples dos problemas urbanos.
Enquanto as megaoperações se multiplicam, os investimentos naquela
que é a maior responsável pela apuração dos crimes ocorridos no estado,
diminuem. Um documento interno da Polícia Civil, obtido com
exclusividade pelo GLOBO, mostra que 58,25% dos cargos previstos na Lei
3.586/2001, que reestruturou a corporação, estão vagos. São, no total,
13.256 vagas disponíveis, número maior que o efetivo atual, de 9.654
homens.
ESTE ANO, ORÇAMENTO DE 2,3 MILHÕES
Pela Lei
Orçamentária, a Polícia Civil foi autorizada a gastar até R$ 1,8 bilhão
este ano, mas R$ 1,69 bilhão deverão ser destinados a pagamentos de
salários, abonos e pensões. Investimentos na rubrica “inteligência e
segurança da informação” estão limitados a R$ 2,3 milhões. Os recursos
minguam em vários setores, mas é nas unidades especializadas da
corporação que o sucateamento se mostra mais latente. Um exemplo: em
2004, a Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas tinha um efetivo de 120
homens, e, naquele ano, registrou 4.174 casos. Em 2017, apenas 50
agentes ficaram responsáveis pelas investigações de 9.874 ocorrências.
A deputada estadual Martha Rocha (PDT), ex-chefe da Polícia Civil,
afirma que as forças de segurança não conseguem conter a onda de roubos
de cargas no Rio justamente porque falta um trabalho de inteligência.
Segundo a deputada, não é apenas fazendo blitzes em rodovias e vias
expressas que o quadro vai mudar:
— Hoje, as grandes quadrilhas têm um braço especializado em roubos de
carga. Em algumas regiões, esse tipo de crime vem dando mais lucro aos
bandidos do que a venda de drogas. As áreas onde ocorrem mais ataques a
caminhões já estão mapeadas, mas faltam agentes para concluir
inquéritos, fazer trabalho de campo, identificar cada integrante das
quadrilhas. A carência de recursos humanos atrapalha muito qualquer
estratégia de segurança.
Embora o tráfico seja responsável por pelo menos 70% dos homicídios
do estado, o efetivo da Polícia Civil encarregado de investigá-lo também
é reduzido. Atualmente, a Delegacia de Combate às Drogas conta com 50
agentes para desbaratar quadrilhas que atuam nas cerca de 500
comunidades da capital. Antes chamada de Delegacia de Repressão a
Entorpecentes, ela chegou a ter
aproximadamente 300 homens nos anos
2000.
A situação da Desarme, que combate o tráfico de armas, é ainda pior:
tem apenas 20 investigadores, segundo o Sindicato dos Delegados de
Polícia do Rio de Janeiro (Sindelpol). Ela foi criada em 2017, após o
estado passar seis anos sem uma delegacia especializada nesse tipo de
crime. Quando foi extinta, em 2011, a Delegacia de Repressão a Armas e
Explosivos trabalhava com uma equipe de aproximadamente cem homens.
A promotora Andrea Amin, coordenadora do Grupo Especializado em
Segurança Pública do Ministério Público estadual, diz que, devido à
falta de pessoal nas delegacias, o órgão está sendo obrigado a assumir
tarefas da Polícia Civil, como fazer notificações, ouvir depoimento de
testemunhas e até investigar crimes:
— Segurança pública envolve inteligência. Realizar operações não
garante a redução da criminalidade. A Polícia Civil vem perdendo sua
capacidade de trabalhar, seu quadro está muito deficitário.
Hoje, a corporação tem 9.654 servidores, e um terço recebe o chamado
abono permanência: isso significa que cerca de 3 mil já podem pedir a
aposentadoria. Em 2001, quando a lei de reestruturação da Polícia Civil
foi criada, apenas 92 servidores deixaram o serviço. Desde 2014, mais de
700 pediram as contas.
Em um estado que registrou 6.731 mortes violentas no ano passado, uma
das maiores necessidades da Polícia Civil é a contratação de peritos
legistas, fundamentais para a investigação dos homicídios. Hoje, a
corporação tem 284 peritos, e, pelos cálculos do Sindelpol, precisa
preencher 215 vagas. A promotora Andrea Amin se reuniu no mês passado
com representantes da Casa Civil e pediu a realização de um concurso, em
caráter de urgência, para a convocação de pelo menos cem.
TAMBÉM FALTAM EQUIPAMENTOS
Além de agentes, a
Polícia Civil precisa de equipamentos. Tem apenas dois helicópteros (o
mais novo foi adquirido nove anos atrás). A Coordenadoria de Recursos
Especiais conta com dois veículos blindados, e ambos estão parados por
problemas mecânicos.
O presidente do Sindelpol, Rafael Barcia, lembra que, no ano passado,
o sistema de informática que reúne todas as informações da Polícia
Civil quase entrou em colapso por falta de pagamento a técnicos e falhas
de manutenção:
— O crime organizado investe em tecnologia; a Polícia Civil, não.
Bandidos já usam drones durante invasões de favelas, nós não temos
nenhum, precisamos pegar emprestado. Criminosos só se comunicam pelo
WhatsApp, há programas que permitem a interceptação de trocas de
mensagens e de áudio, mas também não os temos.
Barcia destaca que o Exército tem avançados equipamentos de
inteligência, que vêm sendo usados de forma pontual nas operações
conjuntas. Ele defende uma integração maior das Forças Armadas com as
polícias Civil e Militar, inclusive com o compartilhamento desses
aparelhos.
Em nota, a Polícia Civil informa que, “assim como todos os órgãos do
estado”, aguarda “a total recuperação fiscal do governo para que seja
equacionada esta escassez de recursos, tanto de insumos como o pagamento
do 13° salário de 2017, das gratificações, contratação de concursados,
abertura de novas vagas e demais pendências financeiras com funcionários
e empresas terceirizadas”.
Presença. Homem passa por uma das estátuas em homenagem a Francisco Félix de Souza (abaixo), na Praça do Chachá: brasileiro se tornou um mercador de escravos ao chegar em Uidá, Benim. Praça agora pode mudar de nome - Jane Hahn / Jane Hahn/The Washington Post
UIDÁ,
BENIM - A menos de um quilômetro de onde já funcionou o maior porto de
embarque de escravos do Oeste africano, de onde mais de 1 milhão de
pessoas partiram acorrentadas, encontra-se uma estátua de Francisco
Félix de Souza, considerado "o pai" da cidade.
Há um museu e uma praça em sua homenagem. A cada década, seus
descendentes conferem a um parente o apelido de Souza, Chachá,
tornando-o, então, o novo patriarca da família. Mas há um detalhe
raramente mencionado. Depois de deixar o Brasil no final dos anos 1700, e
ao chegar a Uidá, Francisco se tornou um dos maiores comerciantes de
escravos da História.
POPULAÇÃO DIVIDIDA
Em Benim, o governo pretende construir dois museus sobre a escravidão
em parceria com o Smithsonian Institute. O tema é, no entanto,
polêmico: minimizado por parentes dos traficantes e criticado por
descendentes dos escravos.
Benim e outras nações africanas discutem seu papel nas antigas
práticas escravagistas. Por mais de 200 anos, reis locais capturaram e
venderam escravos a mercadores portugueses, franceses e britânicos.
Eram, na maioria, homens, mulheres e crianças de tribos rivais -
amordaçados e levados a Brasil, Haiti e Estados Unidos em navios
lotados.
No fim do século XIX, o tráfico de escravos chegou ao fim, mas Benim
nunca refletiu profundamente sobre o assunto. Os reinos que capturavam e
comercializavam ainda existem como comunidades tribais, assim como os
grupos aprisionados. Os descendentes dos mercadores estão entre as
pessoas mais influentes do país.
Com os novos museus, o país terá que decidir sobre como contará o seu papel na escravidão.
- As tensões ainda existem. No passado, o país teve dificuldades em
contar a história das vítimas do tráfico. Muitas ações enalteceram
aqueles que escravizaram - contou Ana Lúcia Araújo, brasileira que
leciona no Departamento de História da Universidade de Howard, em
Washington, e passou anos pesquisando o papel de Benim.
Diferentemente de outros países africanos, Benim reconheceu
publicamente o seu papel. Em 1992, foi palco de uma conferência
promovida pela Unesco sobre os locais e a forma como os escravos eram
comercializados. Em 1999, o então presidente Mathieu Kérékou, chefe de
governo por quase 30 anos, visitou uma igreja em Baltimore, nos EUA, e
pediu perdão durante uma cerimônia em homenagem aos americanos de origem
africana.
Porém, faltou uma conscientização sobre as divisões internas. O
arrependimento de Kérekou não foi o suficiente para os cidadãos que
ainda se deparam com monumentos em homenagem a Francisco espalhados por
Uidá.
- As pessoas não conhecem a História. Francisco era uma pessoa
terrível e é tratado como se fosse um herói - ressalta Remi Segonlou,
gerente de uma empresa de turismo local.
Em 2016, durante as eleições, um dos candidatos, Lionel Zinsou,
acusou o adversário Patrice Talon, atual presidente, de ser descendente
de mercadores de escravos.
- A raiva que temos das famílias responsáveis por comercializar os
nossos ancestrais só passará quando o mundo acabar - admitiu Placide
Ogoutade, empresário na cidade de Ketou (onde milhares de pessoas foram
vendidas nos séculos XVIII e XIX), que proibiu os filhos de se casarem
com descendentes dos mercadores.
FAMÍLIA TEME POR REPUTAÇÃO
Alguns dos maiores acadêmicos do país lutam contra a relutância em questionar o passado.
- Este ainda é um país dividido. A elite não quer discutir o que
ocorreu - diz Olabiyi Babalola Joseph Yai, professor de História e
Linguística, que lecionou na Universidade da Flórida e trabalhou na
Unesco.
O governo indicou especialistas para garantir a credibilidade do que
virá a ser exibido nos museus. Ainda assim, Yai questiona o quanto as
autoridades estariam dispostas a mostrar os fatos.
Há diversas razões para que a história da escravidão em Benim tenha
sido má representada. Após a independência em 1960, líderes da
ex-colônia francesa incentivaram uma identidade nacional. Desde 1991,
quando o país deixou de ser uma ditadura, a escravidão tem sido
utilizada como um meio de atrair turistas.
- As pessoas aqui tentam encontrar emprego, ter o que comer. Ficam
surpresas ao verem turistas interessados em sua cultura - argumenta José
Pliya, conselheiro presidencial de Turismo, que monitora a instalação
dos dois museus.
Uma dessas instituições deve ser inaugurada em 2019 com foco na
história de Uidá. Já a outra funcionará em Allada, sobre o papel do país
na escravidão, e deve abrir as portas em 2020. Devem custar US$ 24
milhões (cerca de R$ 75 milhões) ao todo.
Em Uidá, o governo também planeja reconstruir os fortes onde os
mercadores viviam, além das celas nas quais mantinham os escravos.
Conselheiros do presidente afirmam que ele planeja renomear a Praça do
Chachá, em Uidá, onde os escravos eram leiloados e que hoje abriga a
estátua de Souza.
- Ele ajudou a modernizar a nossa nação - afirmou Judicael de Souza,
descendente de Chachá, sobre o papel que ele teria tido na expansão
agrícola.
A guia turística Martine de Souza apela para a família refletir sobre a própria história.
- Está na hora de aceitarmos a realidade - comentou.
No ano passado, a família escolheu como mais novo patriarca, o
Chachá, Moise de Souza, um engenheiro civil de pele mais clara - motivo
de orgulho da família que cita sua ligação com os colonizadores.
- Sabemos que é doloroso, e tudo que posso fazer é me desculpar -
disse o atual patriarca, oposto à ideia de que Francisco seja retratado
como um comerciante de escravos no novo museu. - É a reputação da nossa
família. Não queremos ficar conhecidos por essa atrocidade.
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Alberto da Costa e Silva relata como Francisco Félix de Souza construiu seu império
por Renato Grandelle
Na biografia “Francisco Félix de Souza, mercador de escravos”, o acadêmico Alberto da Costa e Silva relata a vida do brasileiro que se tornou mercador de escravos de Benim e entrou para a História do país africano. O pesquisador explica que a sua poderosa figura dividiu opiniões no século XIX. Leia a sua entrevista ao GLOBO.
Como Francisco Félix de Souza se tornou tão importante para a História de Benim?
Desde sua chegada à África, Francisco quis tornar-se uma lenda. Ainda não se sabe o que o levou ao continente. Há quem diga que ele viajou como um funcionário real para proteger um forte português. Outros afirmam que ele era um foragido da polícia. Independentemente de qual história é verdadeira, sabemos que ele queria ser um milionário negociando mão de obra forçada, e conseguiu tornar-se o maior mercador de escravos da História contemporânea.
Foi, então, um personagem odiado?
Ele dividiu opiniões. Curiosamente, além de levar escravos para o Brasil, também recebeu aqueles que haviam sido libertos e queriam retornar ao continente de origem. Eram conhecidos como “agudás”. Muitos não sabiam onde ficava sua terra natal, porque o nome das aldeias era conhecido somente em regiões vizinhas. Francisco os ajudou a se restabelecer em uma grande porção da costa africana, que se estendia de Gana até a fronteira da Nigéria com Camarões. O tamanho dessa comunidade aumentou sua influência política no reino de Daomé, onde agora é Benim.
De que forma ele usava seu capital político?
Francisco tinha um poder incontestável — nem sequer precisava assinar ordens para vê-las cumpridas. Em 1818, forneceu armas que proporcionaram um golpe de Estado no reino, dando o trono ao seu amigo, o príncipe Gapê, que adotou o nome Guezo. Em troca, ele conseguiu o monopólio do comércio de escravos.
Muitos “agudás” devem ter ido para o Brasil por meios orquestrados por Francisco. Eles não se ressentiam disso?
Não. A escravidão era um fenômeno natural e aceito na comunidade. Quando era liberto, a primeira medida de um ex-escravo era comprar o seu próprio escravo. Não é de se surpreender que hoje Francisco seja homenageado com uma estátua e tenha sua trajetória explicada em museus.