February 27, 2018

O risco ao contrário: Os ideólogos da intervenção pensam em política e deixaram o Exército com o risco Janio de Freitas

Janio de Freitas

 A intervenção federal no Rio, como está feita, é mais contra o Exército do que contra os delinquentes a serem combatidos. E, não constando que os ideólogos da intervenção Moreira Franco, Raul Jungmann e o general Sergio Etchegoyen tenham descoberto novas formas de ação anticriminalidade, não há por que supor ao menos redução da mortandade, tão logo acabe a usual retração dos delinquentes quando há novidade na repressão.

Mais necessária é a intervenção na chefia da Polícia Federal. Mas nos dois casos Michel Temer faz prevalecerem os seus interesses. Contra sustar as boas interferências na PF para sua condição de suspeito e acusado; e a favor de uma medida extrema e controversa que lhe traz muitas vantagens políticas. O país e os Estados são capítulos à parte.

 O Exército está em operações no Rio desde julho de 2017. Se, passados sete meses, quem assinou aquele envio da tropa assina, agora, a intervenção para a mesma garantia da ordem, não é preciso recorrer a números para concluir pelo insucesso do Exército.

Isso pode ficar debitado ao seu despreparo para ações fora de sua finalidade. A intervenção elimina tal álibi, ao estabelecer que todo o sistema de polícia e segurança do Rio passe à responsabilidade do Exército na pessoa de um general. Assim como todas as respectivas atividades.

No nível a que chegou o poder de ação do crime organizado, a repressão não conta com outra tática que não o enfrentamento direto. Do qual, pelo que se conhece, o esperável está em duas hipóteses: ou mortes a granel ou resultados muito aquém do desejado (e necessário).

A primeira ocorrência deixaria o Exército sob repulsa interna e externa, com possíveis consequências internacionais para o país. A segunda ocorrência será a derrota, que é o inferno dos militares. E não será menos do que isso para o Exército.

A única novidade da intervenção é a intervenção. Feita em cima das pernas. Nada foi estudado da situação atual, que já difere da vigente há um mês, nem discutido sobre um modo de agir diferente dos pouco ou mal sucedidos de até agora.

Os ideólogos da intervenção pensaram em política. E deixaram o Exército, que tem se mantido exemplar no Estado de Direito, com todo o risco.

A criação do Ministério da Segurança, pretendida por Temer, vem do mesmo tipo de propósitos pessoais, compartilhados no Planalto por muitos pendurados em acusações e inquéritos.

Esse ministério não teria utilidade: o que conteria já existe. Dar maior autonomia à Polícia Federal, já existente, é um objetivo falso. O pretendido é o oposto: juntar todos os setores ligados a investigações e processos sob um mesmo comando, para facilitar manipulações sem conflito de orientação entre eles. Vem daí a crise que começa a formar-se na PF.

Inicia-se uma fase nova de ação do Planalto, para servir aos interesses de defesas pessoais e ataques à decência.

February 26, 2018

Após “fichamento” de pobre, militares deveriam fichar sonegador rico no Rio


Leonardo Sakamoto

 
 
Homem é fotografado junto com identidade. Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

Moradores de comunidades pobres da Zona Oeste do Rio de Janeiro foram ''fichados'' por militares nesta sexta (23). Parados pelos militares de forma aleatória (aleatoriedade do tipo porta giratória de agência bancária), eles foram fotografados com seus documentos e tinham que aguardar enquanto um a Polícia Civil, à distância, checava os antecedentes criminais.

A apresentação de documentos é prevista em lei. Mas fotografar e reter a pessoa é uma bizarrice sem tamanho. As Forças Armadas, que estão à frente da intervenção federal de Michel Temer no Rio, disseram que contam com amparo para tanto no decreto que autorizou o uso de militares na cidade. Pena que não se possa decretar bom senso.

Teoricamente, qualquer pessoa que se sentiu constrangida por conta disso pode mover uma ação contra o Estado. Na prática, contudo, os moradores sabem que fazer isso é pedir levantar a ira de quem calça coturno. E como são militares e não defensores públicos que estão ocupando esses territórios, melhor ficar quieto, engolir seco e tocar adiante, buscando algum conforto na lembrança do tempo em que éramos uma democracia.

O ideal seria que as Forças Armadas parassem de fazer esse tipo de abordagem. Mas considerando que não adianta pedir com educação, pois vão continuar fazendo fichando pobre, poderíamos pedir para estenderem o sistema às ruas da Zona Sul da capital carioca e da Barra da Tijuca.

Imaginem bloquear a passagem de nobres senhores e senhoras ao saírem da garagem pela manhã com fuzis, tirar uma foto deles e enviar para a Receita Federal e só liberar após checar se há algo contra eles por sonegação de impostos, tanto no montante da pessoa física quanto dos recursos devidos por suas empresas. Encontrado esse ''antecedente'', eles seria conduzido para esclarecimentos até o escritório da Receita mais próxima. Exagero? Não, reciprocidade.

Não importa que milhões em dívidas já foram renegociadas no último Refis, abençoado por Temer enquanto ele angariava votos na Câmara dos Deputados para salvar seu pescoço da guilhotina da Lava Jato. Se as forças de segurança sempre consideraram que um antecedente criminal marca para sempre a pessoa, mesmo que ela tenha cumprido sua dívida para com a sociedade, o mesmo deveria valer para quem sonega milhões que deveriam ter ido para custear hospitais e pagar professores.
O mesmo poderia ser estendido para quem não paga dívidas trabalhistas. Nesse caso, talvez falte efetivo, sendo necessário chamar reservistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Comparações alucinadas à parte, a desigualdade é nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração.

Ao mesmo tempo, há a percepção (correta) de que o poder público existe para controlar os mais pobres e servir aos mais abonados. Ou seja, usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do segundo grupo (que desfrutam do que a Constituição Federal tem de melhor em direitos para oferecer), usando violência contra o primeiro, se necessário for.

Dizer que isso é um ataque frontal às liberdades individuais é chutar um cachorro morto chamado democracia.

February 22, 2018

Whatever Trump Is Hiding Is Hurting All of Us Now




Our democracy is in serious danger.

President Trump is either totally compromised by the Russians or is a towering fool, or both, but either way he has shown himself unwilling or unable to defend America against a Russian campaign to divide and undermine our democracy.

That is, either Trump’s real estate empire has taken large amounts of money from shady oligarchs linked to the Kremlin — so much that they literally own him; or rumors are true that he engaged in sexual misbehavior while he was in Moscow running the Miss Universe contest, which Russian intelligence has on tape and he doesn’t want released; or Trump actually believes Russian President Vladimir Putin when he says he is innocent of intervening in our elections — over the explicit findings of Trump’s own C.I.A., N.S.A. and F.B.I. chiefs.

In sum, Trump is either hiding something so threatening to himself, or he’s criminally incompetent to be commander in chief. It is impossible yet to say which explanation for his behavior is true, but it seems highly likely that one of these scenarios explains Trump’s refusal to respond to Russia’s direct attack on our system — a quiescence that is simply unprecedented for any U.S. president in history. Russia is not our friend. It has acted in a hostile manner. And Trump keeps ignoring it all.

Up to now, Trump has been flouting the norms of the presidency. Now Trump’s behavior amounts to a refusal to carry out his oath of office — to protect and defend the Constitution. Here’s an imperfect but close analogy: It’s as if George W. Bush had said after 9/11: “No big deal. I am going golfing over the weekend in Florida and blogging about how it’s all the Democrats’ fault — no need to hold a National Security Council meeting.”

At a time when the special prosecutor Robert Mueller — leveraging several years of intelligence gathering by the F.B.I., C.I.A. and N.S.A. — has brought indictments against 13 Russian nationals and three Russian groups — all linked in some way to the Kremlin — for interfering with the 2016 U.S. elections, America needs a president who will lead our nation’s defense against this attack on the integrity of our electoral democracy.

What would that look like? He would educate the public on the scale of the problem; he would bring together all the stakeholders — state and local election authorities, the federal government, both parties and all the owners of social networks that the Russians used to carry out their interference — to mount an effective defense; and he would bring together our intelligence and military experts to mount an effective offense against Putin — the best defense of all.

What we have instead is a president vulgarly tweeting that the Russians are “laughing their asses off in Moscow” for how we’ve been investigating their interventions — and exploiting the terrible school shooting in Florida — and the failure of the F.B.I. to properly forward to its Miami field office a tip on the killer — to throw the entire F.B.I. under the bus and create a new excuse to shut down the Mueller investigation.

Think for a moment how demented was Trump’s Saturday night tweet: “Very sad that the FBI missed all of the many signals sent out by the Florida school shooter. This is not acceptable. They are spending too much time trying to prove Russian collusion with the Trump campaign — there is no collusion. Get back to the basics and make us all proud!”

To the contrary. Our F.B.I., C.I.A. and N.S.A., working with the special counsel, have done us amazingly proud. They’ve uncovered a Russian program to divide Americans and tilt our last election toward Trump — i.e., to undermine the very core of our democracy — and Trump is telling them to get back to important things like tracking would-be school shooters. Yes, the F.B.I. made a mistake in Florida. But it acted heroically on Russia. What is more basic than protecting American democracy?
It is so obvious what Trump is up to: Again, he is either a total sucker for Putin or, more likely, he is hiding something that he knows the Russians have on him, and he knows that the longer Mueller’s investigation goes on, the more likely he will be to find and expose it.

Donald, if you are so innocent, why do you go to such extraordinary lengths to try to shut Mueller down? And if you are really the president — not still head of the Trump Organization, who moonlights as president, which is how you so often behave — why don’t you actually lead — lead not only a proper cyberdefense of our elections, but also an offense against Putin.

Putin used cyberwarfare to poison American politics, to spread fake news, to help elect a chaos candidate, all in order to weaken our democracy. We should be using our cyber-capabilities to spread the truth about Putin — just how much money he has stolen, just how many lies he has spread, just how many rivals he has jailed or made disappear — all to weaken his autocracy. That is what a real president would be doing right now.

My guess is what Trump is hiding has to do with money. It’s something about his financial ties to business elites tied to the Kremlin. They may own a big stake in him. Who can forget that quote from his son Donald Trump Jr. from back in 2008: “Russians make up a pretty disproportionate cross section of a lot of our assets.” They may own our president.

But whatever it is, Trump is either trying so hard to hide it or is so naïve about Russia that he is ready to not only resist mounting a proper defense of our democracy, he’s actually ready to undermine some of our most important institutions, the F.B.I. and Justice Department, to keep his compromised status hidden.

That must not be tolerated. This is code red. The biggest threat to the integrity of our democracy today is in the Oval Office.

February 19, 2018

Inside a 3-Year Russian Campaign to Influence U.S. Voters


By Scott Shane, Mark Mazzetti, www.nytimes.co

 

In September, as the first detailed evidence surfaced of Russia’s hijacking of social media in the 2016 election, Irina V. Kaverzina, one of about 80 Russians working on the project in St. Petersburg, emailed a family member with some news.
“We had a slight crisis here at work: the F.B.I. busted our activity (not a joke),” she wrote of the project in Russia. “So, I got preoccupied with covering tracks together with the colleagues.” She added, “I created all these pictures and posts, and the Americans believed that it was written by their people.”

A 37-page indictment, handed up on Friday by a Washington grand jury and charging Ms. Kaverzina and 12 other people with an elaborate conspiracy, showed that she and her colleagues did not, in fact, hide their tracks so well from United States investigators. The charges, brought by Robert S. Mueller III, the special counsel, introduced hard facts to a polarized political debate over Russia’s intervention in American democracy, while not yet implicating President Trump or his associates.

The indictment presented in astonishing detail a carefully planned, three-year Russian scheme to incite political discord in the United States, damage Hillary Clinton’s presidential campaign and later bolster the candidacy of Donald J. Trump, along with those of Bernie Sanders and Jill Stein. The precise description of the operation suggested that F.B.I. investigators had intercepted communications, found a cooperating insider or both.

The Russians overseeing the operation, which they named the Translator Project, had a goal to “spread distrust toward the candidates and the political system in general.” They used a cluster of companies linked to one called the Internet Research Agency, and called their campaign “information warfare.”

The field research to guide the attack appears to have begun in earnest in June 2014. Two Russian women, Aleksandra Y. Krylova and Anna V. Bogacheva, obtained visas for what turned out to be a three-week reconnaissance tour of the United States, including to key electoral states like Colorado, Michigan, Nevada and New Mexico. The visa application of a third Russian, Robert S. Bovda, was rejected.

The two women bought cameras, SIM cards and disposable cellphones for the trip and devised “evacuation scenarios” in case their real purpose was detected. In all, they visited nine states — California, Illinois, Louisiana, New York and Texas, in addition to the others — “to gather intelligence” on American politics, the indictment says. Ms. Krylova sent a report about their findings to one of her bosses in St. Petersburg.

Another Russian operative visited Atlanta in November 2014 on a similar mission, the indictment says. It does not name that operative, a possible indication that he or she is cooperating with the investigation, legal experts said.

President Vladimir V. Putin of Russia has repeatedly denied any government role in hacking and disinformation aimed at the United States. Credit Maxim Shemetov/Reuters Foto de: Maxim Shemetov/Reuters
 
The operation also included the creation of hundreds of email, PayPal and bank accounts and even fraudulent drivers’ licenses issued to fictitious Americans. The Russians also used the identities of real Americans from stolen Social Security numbers.

At the height of the 2016 campaign, the effort employed more than 80 people, who used secure virtual private network connections to computer servers leased in the United States to hide the fact that they were in Russia. From there, they posed as American activists, emailing, advising and making payments to real Americans who were duped into believing that they were part of the same cause.

The playing field was mainly social media, where the Russians splashed catchy memes and hash tags. Facebook has estimated that the fraudulent Russian posts reached 126 million Americans on its platforms alone.

The Russian operatives contacted, among others, a real Texas activist who, evidently assuming they were Americans, advised them to focus on “purple states like Colorado, Virginia & Florida.” After that, F.B.I. agents found that the phrase “purple states” became a mantra for the Russian operation.
Clinton Watts, a former F.B.I. agent who has tracked the Russian campaign closely, said that he had no doubt that President Vladimir V. Putin of Russia was behind the effort, which was carried out by companies controlled by his friend and ally, Yevgeny V. Prigozhin. But he noted that the so-called trolls employed by Mr. Prigozhin took elaborate steps to obscure their identities and locations and to avoid leaving government fingerprints.

“From the beginning, they built this so it could be plausibly denied,” Mr. Watts said. Mr. Putin has repeatedly denied any government role in hacking and disinformation aimed at the United States, while coyly allowing that patriotic Russians may have carried out such attacks on their own.
Andrew S. Weiss, a Russia specialist at the Carnegie Endowment for International Peace, called the reported origin of the effort in April 2014 “crucially important.”

“That’s a little more than a month after the annexation of Crimea and the launch of Russia’s covert war in eastern Ukraine,” Mr. Weiss said. The resulting crisis “vaporized U.S.-Russian relations overnight,” he said, setting off multiple Russian efforts “to undermine the United States, both in terms of our leading role in the world, but also via our own domestic political vulnerabilities.”
Mr. Weiss said the fact that private companies conducted the social media campaign simply made it cheaper and more difficult to trace.

Mr. Putin has been angry with Mrs. Clinton since at least 2011, when she was secretary of state and he accused her of inciting unrest in Russia as he faced large-scale political protests. Mrs. Clinton, he said, had sent “a signal” to “some actors in our country” after elections that were condemned as fraudulent by both international and Russian observers.

Mr. Mueller’s indictment does not present evidence that the campaign overseen by Mr. Prigozhin was ordered by Mr. Putin. American officials have traced other elements of the Russian meddling, notably the hacking and leaking of leading Democrats’ emails, to Russian intelligence agencies carrying out Mr. Putin’s orders.

While the indictment certainly undermines Mr. Trump’s blanket assertions that the Russian interference is a political “hoax,” it does not accuse anyone from his campaign or any other American of knowingly aiding in the effort.

By the beginning of 2016, the Russian strategy was in place, and the conspirators began their campaign to sow conflict. An internal message circulated through the Internet Research Agency telling operatives to post content online that focused on “politics in the USA.”
“Use any opportunity to criticize Hillary and the rest (except Sanders and Trump—we support them),” the message read.

The scope of the operation was sweeping. The Russians assumed their fake identifies to communicate with campaign volunteers for Mr. Trump and grass-roots groups supporting his candidacy. They bought pro-Trump and anti-Clinton political advertisements on Facebook and other social media. They used an Instagram account to try to suppress turnout of minority voters and campaign for Ms. Stein, the Green Party candidate.

Applying nearly two years’ worth of political research, the Russians used all of these tactics to target voters in swing states, notably Florida, according to the indictment.

The Internet Research Agency, in St. Petersburg, Russia, was said to be the hub of the operation. Credit Dmitry Lovetsky/Associated Press Foto de: Dmitry Lovetsky/Associated Press
 
By summer 2016, the Russian operatives were mobilizing efforts for coming “Florida Goes Trump” rallies across the state, all planned for Aug. 20. Using false identities, they contacted Trump campaign staff in Florida to offer their services. One operative sent a message to a campaign official saying that the group Being Patriotic was organizing a statewide rally “to support Mr. Trump.”
“You know, simple yelling on the internet is not enough,” the message read, according to the indictment. “There should be real action. We organized rallies in New York before. Now we’re focusing on purple states such as Florida.”

Taking to Facebook, the Russians used the pseudonym Matt Skiber to advertise the rally. “If we lose Florida, we lose America. We can’t let it happen, right? What about organizing a YUGE pro-Trump flash mob in every Florida town?” the message read, using one of Mr. Trump’s favorite verbal flourishes.

They reached out to local organizations to build momentum for the coming rallies and assign specific tasks.

They paid one unwitting Trump supporter to build a cage on a flatbed truck that housed another person wearing a costume that portrayed Mrs. Clinton in a prison uniform.
After the rallies in Florida, the group applied similar tactics to organize rallies in Pennsylvania, New York and elsewhere.

Weeks before the election, the Russians ratcheted up social media activity aimed at dampening support for Mrs. Clinton.

In mid-October, Woke Blacks, an Instagram account run by the Internet Research Agency, carried the message “hatred for Trump is misleading the people and forcing Blacks to vote Killary. We cannot resort to the lesser of two devils. Then we’d surely be better off without voting AT ALL.”
Then, just days before Americans went to the polls, another Instagram account controlled by the Russians — called Blacktivist — urged its followers to “choose peace” and vote for Ms. Stein, who was expected to siphon support from Mrs. Clinton’s campaign.

“Trust me,” the message read, “it’s not a wasted vote.”

Uma intervenção injustificável


DO ESTADÃO>

Não há razão objetiva que justifique a intervenção federal, restrita à segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer. A situação daquele Estado no que diz respeito ao crime organizado e à violência urbana não se tornou calamitosa de um dia para o outro, a ponto de demandar uma medida tão drástica exatamente agora, a poucos dias da esperada votação da reforma da Previdência, que, por força de determinação constitucional, não poderá ser realizada em razão da intervenção. Temer garante que os efeitos do decreto serão suspensos apenas para a votação, mas essa manobra certamente receberá inúmeras contestações judiciais e são imensas as possibilidades de o feitiço voltar-se contra o feiticeiro.

Ainda que se concluísse que a intervenção era mesmo necessária, é difícil compreender por que não se poderia esperar até depois da votação daquela reforma, pois não há notícia de ameaça iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas. E se dizemos que a violência é rotineira é porque o desgoverno do Rio e a corrupção que corrói o aparelho do Estado de alto a baixo fizeram do horror o cotidiano daquela população.

Essa violência é intolerável, mas não será a intervenção federal que resolverá o problema. A segurança não é uma questão isolada, e sua degradação no caso do Rio é resultado de uma combinação de muitos fatores – irresponsabilidade administrativa, conivência com o crime organizado, corrupção generalizada, franqueamento do Estado a delinquentes de toda espécie e apatia social. Logo, intervir só na segurança pública até 31 de dezembro deste ano, como estabelece o decreto, tocará apenas na superfície do problema. Pode-se até alcançar alguma forma de trégua com o crime organizado nesse período, mas será algo apenas ilusório, pois todos os demais elementos que conduziram a esse estado de coisas permanecerão intocados. Desde o infeliz governo de Chagas Freitas há tréguas periódicas com os bandidos e o resultado é um só: quando os bandidos voltam a ser bandidos – pois mocinhos parece que lá não há –, o nível de violência aumenta, sempre acima do anteriormente registrado.

Para ter eficácia, a intervenção deveria atingir todos os setores da administração do Estado, mas esse enorme ônus político o presidente Temer não parece disposto a assumir. Mesmo limitada à segurança pública, a intervenção fará o quê? Depurará a própria polícia, tomada pelo crime organizado? Formará e treinará policiais honestos para substituir a súcia que se associou ao crime e hoje é sua linha auxiliar? Resolverá tudo isso em dez meses?

Há também o risco de que militares destacados para a missão no Rio se envolvam com o crime organizado. Esse é um risco sempre lembrado. Muitos deles são moradores dos morros do Rio em que deverão atuar e podem ser aliciados pelos narcotraficantes, como já advertiram autoridades. Ademais, o próprio uso das Forças Armadas para realizar a segurança pública é “desgastante, perigoso e inócuo”, como disse o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no ano passado. Não houve um único caso de sucesso desse tipo de ação, e não há razão para acreditar que agora será diferente.

É improvável que ninguém no governo tenha levantado pelo menos uma dessas objeções nas discussões que desembocaram no decreto de intervenção. Sendo assim, é lícito perguntar quais os reais motivos por trás da decisão de Temer.

A primeira conclusão a que se pode chegar, considerando o timing, é que o presidente precisava criar condições para abandonar a reforma da Previdência, em razão das dificuldades evidentes de aprová-la. Com o imbróglio jurídico que o decreto certamente causará, Temer não teria o desgaste de um revés no Congresso. Há mesmo quem fale – e fala-se de tudo – que o presidente pode ter pretendido transformar a derrota em vitória política, talvez com vista à reeleição.

O fato é que, ao explorar um dos temas mais caros aos brasileiros – a segurança pública – e ao adotar um tom de comício na assinatura do decreto, dizendo que “nossos presídios não serão mais escritórios de bandidos nem nossas praças serão salões de festa do crime organizado”, o presidente dá margem a que se desconfie que, em ano eleitoral, o governante que pretendia ser reconhecido como reformista deixou-se seduzir por um atalho sombreado.

February 17, 2018

Sobre a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro


Rafael Alcadipani, Professor do Departamento de Administração da FGVSP e membro do Forum Brasileiro de Segurança Pública
Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do departamento de Gestão Pública da FGVSP.
 
 Diante do crescimento da violência que ganhou mais visibilidade durante o carnaval e após a desastrosa entrevista do governador alegando que não estava preparado para enfrenta-la, o Governo Temer decidiu adotar uma solução nunca antes implementada no país, apesar de guardar semelhança com o problema no Espírito Santo em 2002 que não se traduziu em intervenção federal: decretar a intervenção federal na área Segurança Pública do Rio de Janeiro. Diante do ineditismo desta decisão pouco ainda se sabe como a medida será operacionalizada no cotidiano. Até o momento o que está claro é que um general passará a comandar a Segurança Pública carioca, chefiando as polícias civil e militar, além do corpo de bombeiros. Do ponto de vista político, esta parece ter sido uma solução astuta para que se enterre de vez a proposta de Reforma da Previdência sem muito alarde ao colocar o pedido de Intervenção como foco do Congresso Nacional e do governo federal. O pedido de intervenção federal passa a ter preferência de pauta sobre qualquer outro assunto que esteja na fila de votação. Como a medida é polêmica e certamente vai gerar muita controvérsia, a Reforma da Previdência certamente será esquecida até o período eleitoral pelo menos. Ou seja, nesse momento o governo perdeu esse embate sem ter que mostrar publicamente que foi derrotado.
Por outro lado, o Presidente Temer fornece uma resposta popular ao problema de Segurança num estado em que ele tem seus piores índices de impopularidade e onde Jair Bolsonaro surfa na crise com a retórica da violência para ganhar votos. Afinal parte da população acredita que para se resolver o problema é preciso combater o crime organizado com armas e que o Exército teria este potencial. Esse é um jogo de alto risco para a democracia e que deve alimentar os sonhos de grupos minoritários que já defendem publicamente o intervencionismo militar em outras áreas, inclusive na política.

Porém, do ponto de vista da segurança pública o tiro pode sair pela culatra. Primeiro, generais não são preparados e não estão acostumados a lidar com problemas de Segurança Pública. O próprio Comandante do Exército, General Vilas Boas, já declarou inúmeras vezes que esta não é a função do Exército e vê com preocupação o crescente emprego das tropas federais para lidar com o problema. Os casos do México e da Colômbia nos mostram que quando as tropas militares federais vão para as ruas cuidar de Segurança Pública a chance de se corromperem e não conseguirem resolver a situação é significativa. Aliás, o emprego das Forças Armadas para lidar com a questão da segurança no Rio de Janeiro já acontece há anos sem que tenha havido qualquer melhoria. Ademais, a presença de um general no comando da Secretaria de Segurança é um grande desprestígio para forças policiais militares e civis que padecem com falta de pagamento de salários em dia, péssimas condições de trabalho, diminuição de efetivo e tantos outros problemas. As condições de trabalho das polícias do Rio de Janeiro foram deterioradas drasticamente nos últimos anos. Apesar de todos os dramas, existem excelentes quadros das policias cariocas que podem se sentir completamente desmotivados e desrespeitados com esta medida. Além disso, a presença dos Militares pode desestabilizar o tênue equilíbrio de forças que mantem uma precaríssima paz social no Rio de Janeiro, levando a mais confrontos entre traficantes, policiais e exército e deixando a população a mercê desta guerra.

Problemas de Segurança Pública se resolvem com inteligência. É preciso sufocar economicamente o crime organizado a ponto de eliminar alguma influencia que ele tenha junto aos poderes do Estado. O Rio de Janeiro é a prova viva de que a Guerra contra as Drogas nos moldes até o momento existentes fracassou. É urgente que o Brasil pense de forma ousada e regulamente o mercado das drogas. O Rio de Janeiro poderia ser um laboratório para este experimento. É fundamental, ainda, melhorar as condições de trabalho dos policiais valorizando as suas carreiras. Afora essas questões, é preciso agir para melhorar a educação e demais serviços públicos nas áreas vulneráveis para que o crime deixe de ser uma opção tão fácil para tantas pessoas. Onde os serviços públicos estão deteriorados tais grupos agem para promover algum bem-estar, como ocorreu recentemente em episódios de vacinação contra a febre amarela. A intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro pode se tornar uma medida tão drástica quanto inócua. Não será na força que iremos resolver o problema de Segurança Pública. Isso só acontecerá quando considerarmos a Segurança como um problema de várias esferas do Estado e dos Poderes da República e que precisa ser lidado mais com inteligência.

ESTADÃO

Rio dá o pretexto que faltava para fim da reforma da Previdência


Ranier Bragon
Brasília 
 
O governo de Michel Temer não conseguiria votar a reforma da Previdência nem na semana que vem nem em qualquer outra semana deste ano, tivesse ou não uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
O coordenador político do governo, ministro Carlos Marun
O coordenador político do governo, ministro Carlos Marun - Pedro Ladeira/Folhapress
Há meses o Palácio do Planalto e seus articuladores políticos no Congresso sabem que faltam dezenas de votos para que se chegue ao mínimo necessário à aprovação de uma emenda à Constituição (308 de 513 deputados).

Esse cenário não mudou durante o recesso parlamentar, não mudou no Carnaval e não havia nenhum sinal objetivo de que mudaria nos próximos dias ou semanas. Líderes e deputados dos principais partidos governistas nem se preocuparam em antecipar a volta a Brasília. Apenas o ministro Carlos Marun, articulador político do governo, mantinha o quixotesco discurso de esperança, afinal de contas, cumpria o seu papel.

Logo, cada um dos atores políticos envolvidos já preparava nos bastidores um discurso que buscasse minimizar ao máximo os danos com o fracasso. A intervenção no Rio é um pretexto que ajuda a embalar o discurso, mas só isso.

 A reforma da Previdência era a principal meta legislativa do governo federal e o seu fracasso é mais uma evidência do estado de decomposição da atual gestão.

Respinga em intensidade variada também nos principais políticos que disputam a candidatura de centro, governista, todos eles de uma forma ou de outra envolvidos no discurso público em defesa da reforma —Rodrigo Maia (DEM), Henrique Meirelles (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB).

Temer deve se concentrar na fala de que fez todos os esforços ao seu alcance para conseguir aprovar a medida. Se seu governo já patinava, sem essa meta principal tende a se resumir, nos 10 meses restantes, a ações esparsas e desconexas, como a agora anunciada.

Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia também não deve aceitar pacificamente o discurso de que a culpa é do Congresso. Já tem dito e deve reforçar o argumento de que se há um culpado é o governo, que não conseguiu reunir forças suficientes.

O principal afetado, porém, deve ser Meirelles, que conduz a economia do governo e vê sua já combalida pretensão de concorrer ao Planalto mais esvaziada ainda. A construção de uma candidatura à Presidência pressupõe força política. Abaixo de Temer, que tem chances quase nulas de conseguir se reeleger, Meirelles é o nome responsável pela reforma. Não conseguiu. O mundo político costuma cobrar caro esses fiascos. 
 
 FOLHA DE SÃO PAULO

February 11, 2018

Carnaval de corpos em disputa


Luiz Antonio Simas

A História que pesquiso, escrevo e me apaixona é ancorada em um princípio: malucos, crianças, mulheres, bichas, sambistas, funkeiros, amantes desesperados, fracassados em geral, a vizinha do lado, o fantasma, a iaô, a prostituta, a beata, a minha mãe, a passista da Mangueira, a filha de Deus e o filho do diabo, o pierrô, a colombina, o pirata de araque, o bicheiro, o empurrador de carro alegórico, a assombração, o macumbeiro, o portuga do botequim, o Rei Momo, o Menino Jesus do teatrinho da quermesse e a rezadeira suburbana não são objetos da História. São sujeitos dela.

Partindo desta premissa — e particularmente interessado em falar da cidade do Rio de Janeiro — me confesso fascinado pelo espírito do carnaval e do alcance que a festa tem para a nossa gente. O carnaval é perigoso. O controle dos corpos sempre foi parte do projeto de desqualificação das camadas historicamente subalternizadas como produtoras de cultura. Esse projeto de desqualificação da cultura é base da repressão aos elementos lúdicos e sagrados do cotidiano dos pobres, dos descendentes dos escravizados e de tudo aquilo que resiste ao confinamento dos corpos e cria potência de vida. O corpo carnavalizado, sambado, disfarçado, revelado, suado, sapateado, sincopado, dono de si, é aquele que escapa, subindo no salto da passista, ao confinamento da existência como projeto de desencanto e mera espera da morte certa.

A relação aparentemente amorosa entre o Rio de Janeiro e o carnaval quase nunca foi aceita como um destino sentimental, como certo discurso identitário e falsamente consensual de invenção do carioca quer fazer crer. O carnaval, pelo contrário, se inscreve na história da cidade como um aguçador de tensões. Cariocas amam o carnaval e cariocas odeiam o carnaval. A ideia do que deve ser a festa sintetiza a disputa entre a cidade preta, rueira, subterrânea, pecadora, e a cidade que se quis europeia, civilizada, enquadrada nos ditames da ordem e da redenção pelas luzes, pelo cifrão, pelo terno e pela cruz. A última, para seus defensores, deveria exterminar ou domesticar a primeira para existir. Esse embate entre o corpo em transe e o corpo em pecado está especialmente aguçado em 2018.

Um discurso fácil dos que detestam a folia é aquele que vincula o carnaval ao “Brasil dos vagabundos”, como se ninguém trabalhasse nos dias de Momo. Eu fico imaginando o que é que essa turma pensa dos vendedores ambulantes, dos funcionários dos barracões de escolas de samba, dos músicos, cantoras e cantores, garis, porteiros, motoristas de ônibus, trocadores, condutores de trens e metrôs, cozinheiros, garçons, jornalistas, arrumadeiras e faxineiras de hotéis, costureiras de fantasias, motoristas de carros de som etc. A festa, e aqui me perdoem por falar o óbvio, bota muito feijão na mesa da gente mais simples da aldeia.

A festa em tempos de crise é mais necessária que nunca. A gente não brinca, canso de repetir isso, e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura. Sem o repouso nas alegrias, cá pra nós, ninguém segura o rojão. Não dou a mínima para quem acha que não devemos ter carnaval e, ao mesmo tempo, não embarco nos discursos que justificam o carnaval exclusivamente pelo argumento de que a festa é lucrativa e vai gerar bilhões para a cidade. É ótimo que isso aconteça e que o dinheiro entre, mas vou botar água nesse chope: desde quando carnaval existe apenas para dar lucro? Desde quando isso é o critério fundamental para que tenhamos festa?

Do ponto de vista pessoal, encaro a rua no carnaval como um espaço para o esquecimento necessário. Por isso mesmo, acho que a tarefa carnavalesca dos próximos anos é das mais difíceis. É na rua que os amantes do carnaval andam tendo que driblar multidões coreografadas, materiais de propaganda de empresas que acham que o carnaval é apenas um momento da cultura do evento, celebridades duvidosas que usam a festa como forma de promoção e fortões compradores de abadás, péssimos bebedores, que serão usados em futuras sessões de musculação.

Entre a repressão e a grana, prefiro a quizomba de Momo que, dentre outras coisas, guarda sentidos bem mais profundos, como aqueles que se situam no campo da cultura e são como o feixe de luz que entra pela brecha da porta que alguém tenta fechar, desnorteando o breu. O carnaval é uma experiência de invenção constante, precária e sublime, da vida dos brasileiros. O Brasil, afinal, é a minha circunstância bonita, heroica, fracassada, maldita, amorosa, desgraçada, desesperadora e, feito o baticum do samba que me arrebata, incontornáve

Terra de ninguém


Cora Rónai

A Aliança Francesa fica na Duvivier, nós morávamos no Bairro Peixoto. Para quem não conhece Copacabana: uns oito quarteirões de distância, segundo o Google menos de dois quilômetros que se cobrem a pé em vinte e poucos minutos. Eu tinha aula às quartas-feiras, no fim da tarde. Voltava para casa já de noite, um pouco antes do jantar. Às vezes pegava a Avenida Copacabana, às vezes resolvia voltar pela praia, andando descalça na areia. Não era a única garota na rua: indo ou vindo, cruzava com várias outras crianças, uniformizadas ou não, sozinhas ou em grupos, a caminho da escola ou de casa.

— Não converse com estranhos, não aceite balinhas de ninguém! — advertiam os adultos.

Ainda me lembro de inúmeras vezes me preparar psicologicamente para recusar as balinhas que, afinal, nunca me foram oferecidas. Por “estranhos” entendiam-se os mais velhos, claro; com gente da minha idade eu conversava com frequência. Vida normal.

Mais tarde, já adulta, gostava de pegar ônibus que não sabia onde iam dar, e seguir até o ponto final, só assim, por nada; ainda faço isso quando viajo. Às vezes descia e andava pelas ruas, explorando o bairro, às vezes voltava no mesmo carro. Volta e meia os trocadores me mandavam descer, não gostavam que ninguém esperasse dentro do veículo, provavelmente para não correr o risco de alguém fazer duas viagens com uma única passagem.

Também gostava de passear pelo Centro — pela “cidade”, como se dizia — e embarafustar pelas ruas pequenas. Sempre achava uma novidade, um prédio que não conhecia, uma loja, um detalhe interessante. Aí já não valiam os sábios conselhos dos meus pais e, eventualmente, eu conversava com estranhos quando parava para tomar um café ou um refresco.

As ruas eram para isso, para serem andadas.

A cidade era para ser usada.

A cidade era nossa, a cidade era minha.

Não sei quando perdemos o Rio, quando começamos a andar na defensiva, desconfiados de todos, atentos à menor movimentação. Sei que já não há um único dia em que não me lembre da violência, da hora de me vestir e de escolher um brinco às tantas ocasiões em que aperto o passo — quando, na verdade, tudo o que queria era me deter e apreciar o caminho. Tudo se normaliza, da correntinha de ouro que fica na gaveta por precaução às caminhadas que substituímos por corridas de táxi minúsculas. Já não me lembro como é andar sem pressentimento; mesmo quando estou viajando levo a minha guarda carioca, as minhas orelhas em pé.

Tenho a exata noção da sorte que tenho e do privilégio de morar num bairro onde (ainda) não se escutam tiros dia e noite, onde balas perdidas são raras, onde nem traficantes nem polícia usam a minha casa como proteção ou passagem; mas uma cidade é toda ela, ou não é.

Ruas fechadas, inocentes baleados, crianças mortas a tiros: não há como aceitar isso, não há como achar que a situação pela qual passa o Rio de Janeiro é minimamente “normal”.

Não há como aceitar a omissão de um governador que se surpreende com a violência, que age como se a desconstrução da cidade não fosse sua responsabilidade. Pezão está no governo do estado há onze anos, em carreira solo ou em dupla com o presidiário Sérgio Cabral, e descobre, agora, que “essa não é a cidade que todos nós queremos”.

Não diga, governador: então o senhor percebeu.

O prefeito ainda acha que vai tudo bem, que a desordem urbana que compõe o caos é assim mesmo. Vive num mundo paralelo onde o importante é rezar e não beber demais.
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Há um buraco no asfalto em frente à minha casa. Uma tubulação qualquer se rompeu há mais de um ano e faz água. O buraco cresce. A água se acumula na sarjeta. Carros caem no buraco, moradores levam banho dos carros que passam rente. Às vezes alguns operários vêm fazer de conta que as autoridades estão tomando providências e tapam o buraco, mas três dias depois ele renasce em todo o seu esplendor. A gente percebe que alguma coisa foi feita porque ora o vazamento é de esgoto puro, ora é de água tratada: estamos, felizmente, na temporada da água tratada.

Olho para o buraco e penso como ele é emblemático dessa administração incompetente, incapaz de resolver o mais simples dos problemas urbanos.

February 8, 2018

Enquanto ações contra criminosos se multiplicam, investimento na polícia investigativa vai na contramão


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February 5, 2018

Museus levam Benim a discutir papel na escravidão


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Presença. Homem passa por uma das estátuas em homenagem a Francisco Félix de Souza (abaixo), na Praça do Chachá: brasileiro se tornou um mercador de escravos ao chegar em Uidá, Benim. Praça agora pode mudar de nome - Jane Hahn / Jane Hahn/The Washington Post



UIDÁ, BENIM - A menos de um quilômetro de onde já funcionou o maior porto de embarque de escravos do Oeste africano, de onde mais de 1 milhão de pessoas partiram acorrentadas, encontra-se uma estátua de Francisco Félix de Souza, considerado "o pai" da cidade.

Há um museu e uma praça em sua homenagem. A cada década, seus descendentes conferem a um parente o apelido de Souza, Chachá, tornando-o, então, o novo patriarca da família. Mas há um detalhe raramente mencionado. Depois de deixar o Brasil no final dos anos 1700, e ao chegar a Uidá, Francisco se tornou um dos maiores comerciantes de escravos da História.

POPULAÇÃO DIVIDIDA

Em Benim, o governo pretende construir dois museus sobre a escravidão em parceria com o Smithsonian Institute. O tema é, no entanto, polêmico: minimizado por parentes dos traficantes e criticado por descendentes dos escravos.

Benim e outras nações africanas discutem seu papel nas antigas práticas escravagistas. Por mais de 200 anos, reis locais capturaram e venderam escravos a mercadores portugueses, franceses e britânicos. Eram, na maioria, homens, mulheres e crianças de tribos rivais - amordaçados e levados a Brasil, Haiti e Estados Unidos em navios lotados.

No fim do século XIX, o tráfico de escravos chegou ao fim, mas Benim nunca refletiu profundamente sobre o assunto. Os reinos que capturavam e comercializavam ainda existem como comunidades tribais, assim como os grupos aprisionados. Os descendentes dos mercadores estão entre as pessoas mais influentes do país.
Visitantes tiram fotos no lugar onde escravos eram enviados à América de Uidá, Benim - Jane Hahn / The Washington Post
Com os novos museus, o país terá que decidir sobre como contará o seu papel na escravidão.
- As tensões ainda existem. No passado, o país teve dificuldades em contar a história das vítimas do tráfico. Muitas ações enalteceram aqueles que escravizaram - contou Ana Lúcia Araújo, brasileira que leciona no Departamento de História da Universidade de Howard, em Washington, e passou anos pesquisando o papel de Benim.

Diferentemente de outros países africanos, Benim reconheceu publicamente o seu papel. Em 1992, foi palco de uma conferência promovida pela Unesco sobre os locais e a forma como os escravos eram comercializados. Em 1999, o então presidente Mathieu Kérékou, chefe de governo por quase 30 anos, visitou uma igreja em Baltimore, nos EUA, e pediu perdão durante uma cerimônia em homenagem aos americanos de origem africana.

Porém, faltou uma conscientização sobre as divisões internas. O arrependimento de Kérekou não foi o suficiente para os cidadãos que ainda se deparam com monumentos em homenagem a Francisco espalhados por Uidá.

- As pessoas não conhecem a História. Francisco era uma pessoa terrível e é tratado como se fosse um herói - ressalta Remi Segonlou, gerente de uma empresa de turismo local.

Em 2016, durante as eleições, um dos candidatos, Lionel Zinsou, acusou o adversário Patrice Talon, atual presidente, de ser descendente de mercadores de escravos.

- A raiva que temos das famílias responsáveis por comercializar os nossos ancestrais só passará quando o mundo acabar - admitiu Placide Ogoutade, empresário na cidade de Ketou (onde milhares de pessoas foram vendidas nos séculos XVIII e XIX), que proibiu os filhos de se casarem com descendentes dos mercadores.

FAMÍLIA TEME POR REPUTAÇÃO
Martine de Souza (à esquerda), de 52 anos, é descendente de Francisco Félix de Souza; ao seu lado, a sua mãe, Dagba Eulalie, de 70 anos - Jane Hahn / The Washington Post
Alguns dos maiores acadêmicos do país lutam contra a relutância em questionar o passado.
- Este ainda é um país dividido. A elite não quer discutir o que ocorreu - diz Olabiyi Babalola Joseph Yai, professor de História e Linguística, que lecionou na Universidade da Flórida e trabalhou na Unesco.

O governo indicou especialistas para garantir a credibilidade do que virá a ser exibido nos museus. Ainda assim, Yai questiona o quanto as autoridades estariam dispostas a mostrar os fatos.

Há diversas razões para que a história da escravidão em Benim tenha sido má representada. Após a independência em 1960, líderes da ex-colônia francesa incentivaram uma identidade nacional. Desde 1991, quando o país deixou de ser uma ditadura, a escravidão tem sido utilizada como um meio de atrair turistas.

- As pessoas aqui tentam encontrar emprego, ter o que comer. Ficam surpresas ao verem turistas interessados em sua cultura - argumenta José Pliya, conselheiro presidencial de Turismo, que monitora a instalação dos dois museus.

Uma dessas instituições deve ser inaugurada em 2019 com foco na história de Uidá. Já a outra funcionará em Allada, sobre o papel do país na escravidão, e deve abrir as portas em 2020. Devem custar US$ 24 milhões (cerca de R$ 75 milhões) ao todo.

Em Uidá, o governo também planeja reconstruir os fortes onde os mercadores viviam, além das celas nas quais mantinham os escravos. Conselheiros do presidente afirmam que ele planeja renomear a Praça do Chachá, em Uidá, onde os escravos eram leiloados e que hoje abriga a estátua de Souza.
- Ele ajudou a modernizar a nossa nação - afirmou Judicael de Souza, descendente de Chachá, sobre o papel que ele teria tido na expansão agrícola.

A guia turística Martine de Souza apela para a família refletir sobre a própria história.
- Está na hora de aceitarmos a realidade - comentou.

No ano passado, a família escolheu como mais novo patriarca, o Chachá, Moise de Souza, um engenheiro civil de pele mais clara - motivo de orgulho da família que cita sua ligação com os colonizadores.

- Sabemos que é doloroso, e tudo que posso fazer é me desculpar - disse o atual patriarca, oposto à ideia de que Francisco seja retratado como um comerciante de escravos no novo museu. - É a reputação da nossa família. Não queremos ficar conhecidos por essa atrocidade.


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Alberto da Costa e Silva relata como Francisco Félix de Souza construiu seu império


 
 
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