October 10, 2017

O Brasil pode perder talentos e sofrer danos irreversíveis


Físicos franceses Claude Cohen-Tannoudji e Serge Haroche assinaram carta a presidente Michel Temer pedindo revisão de cortes de verbas para a ciência




por
/ O GLOBO  

O governo brasileiro cortou 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações este ano, e planeja uma nova tesourada de 15,5% para 2018. Por que o senhor decidiu se manifestar?

CLAUDE COHEN-TANNOUDJI: Muitos cientistas ficaram chocados com o anúncio desse corte. A ciência é internacional, então todos os países se preocupam com os outros.

SERGE HAROCHE: Nós, como vencedores do Nobel, temos o dever de falar em defesa da ciência. O prêmio é um grande prestígio e, consequentemente, o que dizemos costuma ser ouvido. Mas falta saber se esta carta terá algum efeito concreto.


É comum que um país em crise econômica corte financiamento para o setor?

COHEN-TANNOUDJI: Infelizmente, estes casos são frequentes. Os políticos não percebem a importância da ciência e da tecnologia. Não entendem que um corte severo no financiamento pode ter consequências drásticas no longo prazo.

HAROCHE: Claro que, quando o dinheiro se torna escasso, todos os setores financiados pelo governo são impactados. A ciência e a tecnologia não são uma exceção. Tivemos cortes na França após a última crise econômica e os efeitos ainda estão conosco. Se a redução de verbas for de apenas alguns por cento por ano, os cientistas podem lidar com isso. Reduzem suas atividades, contratam menos alunos e esperam por tempos melhores. No entanto, o Brasil fez um corte enorme. A situação é muito mais dramática.


Diante do corte, o senhor acredita que o país passará por uma perda de cérebros?

COHEN-TANNOUDJI: Este é o maior perigo. Quando bons cientistas estão em uma situação em que não podem mais continuar em atividade, são tentados a deixar seus países.

HAROCHE: É muito provável. Por que um jovem brilhante vai querer embarcar em uma carreira científica em um país onde não terá meios de fazê-lo? Sem receber condições melhores de trabalho, ele não terá opção senão cortar seus laços com o Brasil. E também há pessoas que podem ficar, mas decidem dedicar-se a outras atividades, como finanças ou gestão.



O que pode acontecer com um grupo de pesquisas que sofre um grande corte de verbas? É possível que se recupere após a crise?

COHEN-TANNOUDJI: Depois de uma redução como a imposta pelo governo brasileiro, o laboratório perde a sua ordem. Os experimentos são interrompidos e, por isso, torna-se extremamente difícil recuperar bons resultados depois que as finanças forem restabelecidas. Na maioria das vezes, isso pode demorar muitos anos. Em alguns casos, o prejuízo é irreversível.

HAROCHE: Em diversas áreas, a experiência adquirida depois de anos de trabalho é perdida e não pode ser recuperada mais tarde, mesmo que a economia melhore. Na competição internacional, não se pode perder muito terreno. Isso seria especialmente doloroso para o Brasil, que fez grandes avanços nas últimas duas décadas, graças ao aumento do orçamento e às contratações de bons cientistas nas universidades. Na ótica quântica, o meu campo de estudo, há ótimos grupos de pesquisa brasileiros, que publicam artigos em revistas de excelência. O país não deve perder seus esforços por uma decisão irresponsável.


O senhor acredita que os cientistas sabem dialogar com a população?

COHEN-TANNOUDJI: Deveríamos gastar mais tempo explicando aos políticos e ao público em geral a importância da ciência e da tecnologia para resolver os problemas de energia, meio ambiente, saúde, alimentação... Precisamos melhorar o nível cultural da população. Infelizmente, a mídia não dedica muita atenção a estes problemas porque acredita que as pessoas não estão interessadas em assuntos científicos.

HAROCHE: Admito que podemos melhorar. Devemos falar sobre nosso trabalho para a sociedade, que está pagando nossa pesquisa através de impostos, e também para os políticos, responsáveis pela distribuição desse dinheiro. Mas a ciência é sutil e não pode ser explicada em uma ou duas frases, que é o tempo geralmente atribuído a ela nos meios de comunicação. Nossos estudos demoram décadas para atingir resultados. E a política, por sua vez, é um negócio de curto prazo. Por isso, temos dificuldade em sublinhar a importância de um esforço contínuo.


Como podemos comparar o cenário científico brasileiro com o de outros países emergentes?

COHEN-TANNOUDJI: Antes deste corte, o desempenho do Brasil em ciência e tecnologia era comparável ao de outros países em desenvolvimento. Mas alguns emergentes eram melhores. Os investimentos da China no setor são impressionantes.

HAROCHE: Considerando o tamanho de sua população e a quantidade de recursos naturais, o Brasil realiza uma fração muito pequena do que outros países em desenvolvimento estão fazendo.


O Brasil pode ganhar um Prêmio Nobel a curto prazo?
 
COHEN-TANNOUDJI: Se o atual corte não for cancelado, certamente não vencerá. Mas, em condições normais, não vejo empecilhos.

HAROCHE: Na situação atual, é muito difícil esperar um Nobel para o Brasil em um futuro próximo. Isso não significa que não existam bons cientistas no país. Se eles receberem as condições necessárias para trabalhar e treinar estudantes, certamente construirão uma base para um trabalho de qualidade, de onde virá o prêmio. Mas isso levará tempo.
 
O senhor aconselharia um estudante brasileiro a deixar o país?

COHEN-TANNOUDJI: Ficaria muito triste se tivesse que fazê-lo. Espero que o governo entenda que seria dramático desencorajar os jovens que são essenciais para o desenvolvimento nacional.

HAROCHE: Atualmente, eu certamente faria isso. Jovens cientistas precisam de condições para trabalhar, não são responsáveis pelo estado da ciência em seu país e têm tempo limitado para produzir conhecimento. Não poderia aconselhá-los a sacrificar sua paixão. Espero que as condições melhorem e que esta partida não seja necessária.

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