November 15, 2024

Estranho no Ninho da FAPERJ

 

 


Cientistas mobilizam-se contra a
troca de presidente da agência de fomento
à pesquisa por um político bolsonarista

MAURICIO THUSWOHL

 A aversão bolsonarista à ci-
ência é conhecida pelos
brasileiros. Durante os
quatro anos em que Bolso-
naro foi presidente, ela sig-
nificou a adoção de discursos terrapla-
nistas em diversos setores do governo, o
sucateamento de universidades e insti-
tuições de pesquisa e, sobretudo, a mor-
te de 700 mil brasileiros na pandemia de
Covid-19, tratada à base de negociações
nada republicanas para a fabricação e
venda da ineficaz cloroquina pelo Exér-
cito e o Ministério da Saúde.

 
Naquele período sombrio, uma das
poucas instituições a manter a ciência co-
mo norte foi a Fundação Carlos Chagas
de Amparo à Pesquisa do Rio de Janei-
ro (Faperj). Isso se deu, reconhece a co-
munidade científica, pelo pulso firme de
Jerson Lima Silva, presidente desde ja-
neiro de 2019 da fundação estadual que
atualmente concede 6 mil bolsas, apoia 9
mil pesquisadores e conta com um orça-
mento de 627 milhões de reais em 2024.

 
O prestígio do médico e biofísico, no-
me destacado nas pesquisas oncológicas
e autor de mais de 200 trabalhos científi-
cos publicados, não foi suficiente, porém,
para evitar que o governador bolsonaris-
ta Cláudio Castro, ávido por se viabilizar
politicamente nos últimos dois anos de
seu mandato, oferecesse a cabeça de Li-
ma Silva para atender a interesses políti-
cos de deputados da sua base governista.

 
Era para a substituição ter sido sacra-
mentada esta semana. O nome escolhido
para a presidência da Faperj, em princípio,
é o ex-deputado federal Alexandre Valle,
do PL, empresário do ramo de seguros que
em outubro foi derrotado na disputa pela
prefeitura de Itaguaí e é um dos cada vez
mais raros apoiadores de Castro. A indi-
cação tem o aval de Anderson Moraes, se-
cretário estadual de Ciência, Tecnologia
e Inovação. Quando deputado, Moraes
apresentou projetos contra a obrigatorie-
dade da vacina de Covid-19 e a favor da ex-
tinção da Uerj. Felizmente, não vingaram.

 
O governador mexeu em um vespeiro
na comunidade científica, que o obrigou
a adiar a decisão. Após o lançamento de
uma carta aberta contrária à troca e assi-
nada pelos presidentes da Academia Bra-
sileira de Ciências (ABC), Helena Nader,
e da Sociedade Brasileira para o Progres-
so da Ciência (SBPC), Renato Janine Ri-
beiro, diversas outras instituições já se
manifestaram da mesma forma, como a
Academia Nacional de Medicina e a So-
ciedade Brasileira de Virologia. Em pa-
ralelo, uma petição em repúdio à saída de
Lima e Silva contava com 24 mil assina-
turas até a terça-feira 29.

 
Na carta, as entidades manifestam “a
preocupação que assola a comunidade
científica” com a possibilidade de troca
no comando na Faperj e apelam ao gover-
nador para que “não faça da direção um
cargo de indicação partidária”. O docu-
mento afirma que as agências de apoio à
pesquisa estaduais e federais “desenvol-
vem melhor o seu trabalho quando são
dirigidas por pessoas que têm o conhe-
cimento do que é a ciência”.

 
Para Janine Ribeiro, não interessa qual
o partido do novo nomeado para a presi-
dência da Faperj: “O fato é que em nenhum
âmbito deveríamos ter a entrega de seto-
res cruciais para o futuro do Brasil a agre-
miações partidárias no esquema de por-
ta fechada”. O ex-ministro da Educação de
Dilma Rousseff afirma que “um bom go-
verno” deve procurar os mais qualifica-
dos do ponto de vista científico. “Mesmo
os partidos têm, geralmente, vários qua-
dros que podem assumir um cargo como
esse. Não estamos contestando o direito
de o governador nomear seus funcioná-
rios, mas estamos discutindo os critérios.”
Presidente do Instituto Serrapilheira,
organização que também repudiou publi-
camente a troca no comando da Faperj,

 
Hugo Aguilaniu afirma que o risco de
ter um comando somente político é des-
viar a Faperj de seu objetivo inicial, que
é promover a ciência no estado do Rio
de Janeiro. “São investimentos de lon-
go prazo, que nem sempre dão retorno
imediato. Tem de tomar muito cuidado
para não desvirtuar a função pública”,
alerta. Ph.D. em genética molecular pe-
la Universidade de Chalmers, na Suécia,

 
Aguilaniu reconhece tratar-se de um car-

go de confiança do governador, mas pede
bom senso a Castro: “Há um componen-
te político inevitável, mas sempre se res-
peitou a regra de ter alguém que entende
de ciência e tecnologia. Não estou dizen-
do que nunca pode ser um político, mas
não se pode esquecer a função primária
de uma fundação de amparo à pesquisa”.

 
Na terça-feira 29, reitores das univer-
sidades fluminenses, presidentes de ins-
titutos científicos e servidores da Faperj
foram recebidos por deputados de opo-
sição na Assembleia Legislativa do Rio,
mas a reunião foi encerrada por ordem
do presidente da Alerj, deputado Rodri-
go Bacellar, do União Brasil. Uma audi-
ência pública sobre a Faperj está marca-
da para sexta 1º e promete mobilizar no-
vamente a comunidade científica, que na
semana passada já fez uma manifestação
com centenas de pessoas em frente à sede
da Secretaria de Ciência e Tecnologia do
governo estadual: “Trocar o presidente é
uma prerrogativa do governador, mas a
pessoa tem de ter um currículo minima-
mente compatível”, afirmou Luciana Lo-
pes, presidente da associação de funcio-
nários da Faperj, durante o ato.

Um servidor que prefere não ser iden-
tificado diz que o maior medo na Faperj
é que a troca do presidente por uma in-
dicação política represente um retroces-
so no trabalho que a atual gestão tem fei-
to: “Estamos temerosos porque já vimos
ações semelhantes aqui dentro, em ou-
tros momentos políticos. Houve mudan-
ças que implicaram o redirecionamento
de editais e o resultado de projetos. Tam-
bém tememos que a Faperj seja alvo de
ações e interesses político-partidários
por conta do seu grande orçamento”.

 
Para Helena Nader, o loteamento po-
lítico nas fundações de apoio à pesquisa
e em outras instituições ligadas à ciência
“terá um grande impacto negativo no de-
sempenho do Brasil em relação à CT & I


Ela lamenta que seja essa a realidade bra-
sileira: “Nos EUA são dois partidos, mas,
independentemente de quem está no po-
der, a ciência tem sempre a visão total. Isso
é dado pela Câmara dos Deputados, pelos
senadores e em cada um dos estados, o que
explica a liderança do país nessa seara”.

 
Procurado pela reportagem, Lima Silva
disse preferir não se manifestar neste mo-
mento. Já o governador Cláudio Castro e o
secretário Anderson Moraes não respon-
deram até o fechamento desta edição.

CARTA CAPITAL  

 


 

 

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