Seis anos depois da facada, o que restou de Bolsonaro e do bolsonarismo
P O R M A R TA M E N D ES DA R O C H A , I A N
A LV ES F E R R EI R A E M AT E U S R O D R I G U ES J O R G E*
A“festa” teve Michelle Bolso-
naro, Flávio Bolsonaro e
Nikolas Ferreira. Teve
também culto, parabéns pa-
ra você e bolo de aniversá-
rio. Foi assim a visita de Jair Bolsonaro à
mineira Juiz de Fora em 6 de setembro.
Seis anos depois, o ex-presidente voltou ao
mesmo ponto onde levou uma facada,
evento que marcou a eleição de 2018 e ala-
vancou a candidatura do então candidato
do PSL à Presidência. A comemoração do
“6º aniversário do renascimento” de
Bolsonaro encerrou uma série de ativida-
des de campanha que o ex-presidente
realizou em Minas Gerais no início do mês.
Diferentemente de 2020, quando
anunciou, na condição de presidente, que
não se envolveria nas eleições municipais,
neste ano ele tem se empenhado para ala-
vancar a candidatura de aliados. Mas, nas
quatro cidades visitadas no estado, os no-
mes apoiados por Bolsonaro ainda não
conseguiram decolar. Em Santa Luzia, na
região metropolitana de Belo Horizonte,
Fábia Lima (PL) é apenas a quarta colo-
cada nas pesquisas, com 4% das intenções
de voto e bastante distante dos primeiros
colocados. Em Contagem, terceiro maior
colégio eleitoral mineiro, a atual prefei-
ta, Marília Campos (PT), tem 64,6% das
intenções de voto, bem à frente do bolso-
narista Junio Amaral (PL), com apenas
9,8%. Na capital, a disputa está mais acir-
rada. O candidato de Bolsonaro aparece
em terceiro lugar, muito próximo da se-
gunda colocação. Em Juiz de Fora, o ex-
-capitão apoia Charlles Evangelista (PL)
que, segundo a pesquisa mais recente, do
Instituto MDA, aparece em terceiro lugar,
com 11,1% das intenções de voto, distan-
te da atual prefeita, Margarida Salomão,
isolada na dianteira com 45,8% dos votos.
A “comemoração”
em Juiz de Fora
revela mais a
fraqueza do que
a força política
do ex-capitão
Em seu discurso em Juiz de Fora, o ex-
-presidente fez uma breve reflexão sobre
o atentado e recorreu às suas estratégias
discursivas de sempre: repetiu a cantile-
na populista de opor o povo e a elite po-
lítica corrupta, questionou a integrida-
de do sistema eleitoral e reafirmou sua
postura negacionista ao falar da “falta
de comprovação científica” das vacinas
contra a Covid-19. Declarou a necessida-
de imediata de um presidente de direita e
conservador, referiu-se múltiplas vezes
às ações do ministro do Supremo Tribu-
nal Federal, Alexandre de Moraes, eleva-
do à posição de principal antagonista, e
declarou seu apoio a Donald Trump nos
Estados Unidos.
A ritualística característica dos even-
tos com o ex-presidente, com a forte car-
ga emocional e disruptiva dos discursos,
o ataque raivoso aos oponentes, a simbo-
logia expressa nas cores e nas bandeiras, a
reação do público beirando a histeria cole-
tiva, se outrora eram tomados como sinal
da força de Bolsonaro e do bolsonarismo,
dessa vez pareciam indicar justamente o
contrário. Em 2024, a coreografia, além
de produzir material para as redes sociais
e bolhas da ultradireita, soou, em alguns
momentos, como tentativa desesperada de
salvar o que sobrou de seu capital político.
A derrota nas urnas, em 2022, foi segui-
da de uma série de logros. Primeiro, a ine-
legibilidade, em junho de 2023, por abuso
de poder político e uso indevido dos meios
de comunicação durante reunião realiza-
da com embaixadores no Palácio da Alvo-
rada. Em seguida, em julho de 2024, o in-
diciamento devido à apropriação indevida
de joias recebidas na condição de chefe de
Estado. O desafio mais recente se deu no
contexto da ascensão da candidatura do
coach e influenciador digital Pablo Marçal
(PRTB) à prefeitura de São Paulo. Pela pri-
meira vez, o campo da ultradireita brasi-
leira viu emergir uma liderança com for-
te presença digital que se beneficiou do
terreno preparado por Bolsonaro, mas
que não dependeu dele para se projetar
nacionalmente. E pela primeira vez, em
um conflito público entre o clã Bolsona-
ro e outra figura da ultradireita, os se-
guidores se colocaram a favor do último.
O próprio empenho de Bolsonaro na
eleição de aliados nos municípios suge-
re uma mudança na correlação de forças.
Ele sabe que qualquer possibilidade, ain-
da que remota, de uma possível anistia
pelos crimes cometidos por ele dependem
de da eleição do maior número de alia-
dos em 2024, visando as eleições de 2026.
Segundo um levantamento recente, can-
didatos bolsonaristas lideram as pesqui-
sas em dez capitais. Mas é difícil saber o
quanto disso se deve ao apoio de Bolso-
naro. Em São Paulo, o ex-presidente de-
morou a entrar na campanha de Ricar-
do Nunes, segundo os analistas, por te-
mor de apostar num perdedor. Candida-
tos que em 2020 ou 2022 receberam seu
apoio ou fizeram uma campanha estrei-
tamente ligada ao bolsonarismo, como
Capitão Wagner, em Fortaleza, e Bruno
Reis, em Salvador, agora defendem suas
pautas de direita e ultradireita, mas bus-
cam se afastar de Bolsonaro. E a conside-
rar pelas pesquisas, essa parece uma ati-
tude acertada em vários contextos. Mes-
mo em capitais onde Bolsonaro teve mais
votos do que Lula no segundo turno em
2022, como Belo Horizonte e Rio de Ja-
neiro, a maioria dos eleitores, respecti-
vamente 53% e 56%, afirmam que não
votariam em um candidato apoiado pelo
ex-capitão. Em São Paulo, a rejeição a um
candidato ligado a ele é ainda maior, 63%.
As eleições de 2024 têm muito a di-
zer sobre a força da ultradireita e do bol-
sonarismo no País. O enfraquecimento
daquele que até agora deu o tom do campo
não significa, contudo, o enfraquecimen-
to dos atores e das pautas econômicas e
morais da ultradireira, apenas que eles
possam ter se autonomizado de Bolsona-
ro, como sugere pesquisa recente de Ca-
mila Rocha, Esther Solano e Thais Pavez.
A liderança carismática depende da
crença dos liderados nas capacidades ex-
traordinárias do líder. Essa crença, por
sua vez, depende de que o líder seja capaz
de realizar grandes feitos. Nesta eleição,
para provar ser o ungido, o escolhido pa-
ra fazer avançar o projeto da ultradirei-
ta no Brasil, Bolsonaro terá que fazer po-
lítica, algo que, aparentemente, ele faz a
muito contragosto. •
*Marta Mendes da Rocha é doutora em Ciência
Política, professora do Departamento de
Ciências Sociais da UFJF, pesquisadora do
CNPq e coordenadora do Nepol/UFJF. Ian
Alves Ferreira e Mateus Rodrigues Jorge são
cientistas sociais e mestrandos em Ciências
Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Ambos são pesquisadores do Nepol/UFJF.
Este artigo foi elaborado no âmbito do
projeto Observatório das Eleições 2024,
uma iniciativa do Instituto da Democracia
e Democratização da Comunicação.
Sediado na UFMG, conta com a participação
de grupos de pesquisa de várias universidades
brasileiras. Para mais informações,
ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.
CARTA CAPITAL
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