Danilo Santos de Miranda ajudou a moldar não só
as feições do Sesc-SP, mas também a da própria cultura brasileira
ANA PAULA SOUZA
Foi no Sesc Pompeia, onde seu
corpo foi velado na segunda-
-feira 30, que o sociólogo Da-
nilo Santos de Miranda deu
início à sua relação com o
Sesc-São Paulo, instituição na qual traba-
lhou em metade de seus 80 anos de vida.
Em 1982, quando a unidade localiza-
da em uma antiga fábrica paulistana foi
inaugurada, Danilo, como todos sempre
o chamaram, trabalhava no Senac. Mas
era tão frequente sua ida àquele espaço
que recebia as gafieiras de Paulo Moura,
a Orquestra Tabajara, Tim Maia e Jorge
Ben Jor que, um dia, o presidente do Sis-
tema S – que congrega ainda Senai e Sesi
– convidou-o para assumir o Sesc.
Iniciava-se assim uma história que
moldaria as feições não apenas do Sesc,
mas também a da própria cultura brasilei-
ra. Danilo, morto no domingo 30, depois
de quase um mês internado no Hospital
Albert Einstein, em São Paulo, foi uma fi-
gura absolutamente influente na criação
de conceitos e no compartilhamento de ex-
periências sobre o fazer e o viver culturais.
Tornou-se, inclusive, lugar-comum
chamá-lo de “eterno ministro da Cultura”
ou de “o melhor ministro da Cultura que
o Brasil não teve”. Mas sua trajetória, ain-
da que fortemente baseada em um impul-
so individual, deve também ser compre-
endida dentro da estrutura que a forjou.
Tanto quanto de falar sobre música e
artes em geral, Danilo gostava de recor-
dar a origem do Sistema S, criado dentro
de uma perspectiva empresarial da dé-
cada de 1940, que era paternalista e via
o trabalhador como alguém carente, ne-
cessitado de atenção e cuidado.
“A instituição segue nessa perspecti-
va até metade dos anos 1950, mas vai aos
poucos voltando sua visão, especialmen-
te em São Paulo, para o lazer e o tempo
livre”, relembrou ele, em depoimento à
Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura
e Ciência, do Instituto de Estudos Avan-
çados da USP (IEA-USP), em 2017.
“Dizer que o Sesc é uma instituição
cultural é dizer que atuamos de manei-
ra integral, ampla”, prosseguiu ele então,
lembrando que as unidades possuem tam-
bém estrutura para a prática de esportes e
alimentação. “O cultural, para a gente, não
está vinculado apenas ao mundo das artes
e do patrimônio. A questão cultural está
inserida nos campos da atividade física, da
saúde, na convivência entre as pessoas ou
na relação com o meio ambiente. Para nós,
tudo isso tem um componente cultural.”
Ao longo da vida, ele repetiu, feito
mantra, que a cultura e a educação nos
tornam humanos e que deviam, portan-
to, ter um caráter permanente e univer-
sal. O que isso significa? Que não pode-
mos prescindir nem da arte nem da aqui-
sição de informação e conhecimento ao
longo da existência, e que todos devería-
mos ter acesso a essa possibilidade.
Ele foi também um dos pioneiros na
difusão de uma ideia hoje bem absorvi-
da: a da transversalidade da cultura. A
cultura, a seu ver, deveria ser levada em
conta, pelos governos, nas discussões so-
bre assuntos diversos, da educação à área
militar, passando por saúde e trabalho.
Não por acaso, a ideia do acesso o mais
amplo possível em um país trincado pe-
la desigualdade foi sempre constitutiva
do Sesc. Além de as unidades serem aber-
tas a qualquer pessoa – ainda que deter-
minados serviços sejam restritos aos tra-
balhadores credenciados –, as atividades
culturais e artísticas são oferecidas ou a
preços mais baixos que aqueles pratica-
dos pelo mercado ou gratuitamente.
Além disso, a cultura, no Sesc, nunca
foi pensada apenas do ponto de vista da
produção e do acesso, mas também do
ponto de vista do bem-estar e do desen-
volvimento de potencialidades indivi-
duais. Para o próprio Danilo, a cultura foi
isso: uma forma de inserir-se no mundo
e de atuar para transformar esse mundo.
Nascido na cidade de Campos dos
oytacazes, estado do Rio de Janeiro, Da-
nilo passou a infância brincando em ruas
de paralelepípedos. Órfão de mãe desde
os 7 anos, foi criado na casa dos avós. A li-
gação da avó com a igreja conduziu-o pe-
lo caminho da fé. Na adolescência, ele foi
estudar em um seminário dos jesuítas.
No seminário, teve início a formação
humanista que, vida afora, ele lapidou
por meio do estudo, da leitura, da escuta
e do contato com os artistas com quem
sempre gostou de se relacionar. Sua sala,
na sede administrativa do Sesc, no Belen-
zinho, era forrada de livros e CDs, mui-
tos dos quais produzidos pelo Selo Sesc.
Às vésperas de completar 80 anos,
ele me disse, numa entrevista para a
Revista E, do Sesc, que sequer tinha a ex-
pectativa de ter vivido tanto. A longevi-
dade, afinal de contas, tem um compo-
nente genético, e sua mãe morreu jovem,
de nefrite, e seu pai, aos 60 anos. Além de
se considerar sortudo por cruzar a linha
dos 80, mesmo com a saúde já um tanto
fragilizada, ele afirmou, então, conside-
rar-se uma pessoa feliz, especialmente
pela vida que teve:
– Tive uma infância muito ativa e ri-
ca, uma formação razoavelmente sólida,
e uma vida profissional também bastan-
te variada. Minha vida foi sempre diver-
tida. Tive momentos muito efusivos e ti-
ve, como todo mundo, momentos inten-
tado dificuldades em razão das minhas
opções. E eu, sobretudo, acredito no fu-
turo – pessoal, coletivo – e me coloco co-
mo alguém que, dentro do meu pedaço,
batalha por um mundo melhor. Não pre-
tendo fazer nada muito extraordinário
do ponto de vista político, cultural ou so-
cial, mas, a partir das minhas experiên-
cias, espero colaborar para que a gente
melhore as coisas para todo mundo.
Danilo Santos de Miranda deixou a
mulher, Cleo, duas filhas, quatro netos e
um legado que permanecerá na memória
de quem viveu na mesma época que ele e
que constituirá uma parte fundamental
da história da gestão cultural no Brasil.
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