]A aliança entre Lula e o Centrão de Lira inaugura
nova fase na “governabilidade” e isola o bolsonarismo
P O R M AU R Í C I O T H U S WO HL
Com sua expulsão anuncia-
da pelo PL após “fazer o L”
durante um evento em
companhia de ministros
petistas, imagem que va-
zou nas redes sociais, o deputado federal
cearense Yuri do Paredão sintetizou, sem
qualquer intenção, o atual momento po-
lítico em Brasília. A aliança entre parti-
dos do Centrão, sob as bênçãos de Arthur
Lira, presidente da Câmara dos Deputa-
dos, e o governo Lula, que deverá se con-
cretizar nos próximos dias com o anún-
cio de uma dança das cadeiras no primei-
ro escalão e a entrada de PP e Republica-
nos na equipe ministerial, promete im-
primir uma nova dinâmica à “frente am-
pla”. Na análise de parlamentares gover-
nistas, a composição permitirá ao Palá-
cio do Planalto firmar uma base perma-
nente e em número suficiente para apro-
var as principais matérias de seu interes-
se. O presidente da República precisará,
no entanto, administrar a insatisfação de
aliados de primeira hora, obrigados a ce-
der espaço aos “neolulistas”.
A grande dúvida é saber quem fez o L:
Lula ou Lira? Segundo parlamentares e
especialistas, a adesão de legendas antes
na oposição não surpreende, dado o fun-
cionamento do presidencialismo de coa-
lizão que conduz a política nacional des-
de o fim da ditadura. “A partir da entra-
da desses partidos no governo, a ultra-
direita se perde. Isso estava em debate
no segundo turno das eleições, quando
foi dito claramente que precisávamos de
uma frente ampla para derrotar o neo-
ascismo no Brasil. Essa frente ampla faz
parte do L, e o Centrão faz o L do gover-
no Lula no seu aspecto de ampliação do
isolamento do bolsonarismo”, aposta o
deputado Rogério Correia, do PT de Mi-
nas Gerais. O ministro da Justiça, Flávio
Dino, lembra a força do atual Congresso
e sua composição majoritariamente re-
acionária antes de afirmar a importân-
cia da ampliação da base de apoio. Dino
cita o alemão Max Weber e seu conceito
de “ética do resultado” para justificar as
mudanças no primeiro escalão.
Em princípio, segundo as tratativas en-
tre Lira, lideranças dos partidos envolvi-
dos e o ministro das Relações Institucio-
nais, Alexandre Padilha, os deputados fe-
derais Silvio Costa Filho, do Republica-
nos, e André Fufuca, do PP, serão minis-
tros, só não sabe ainda de quais pastas.
Os dois vão se juntar a Celso Sabino, do
União Brasil, acomodado no Ministério
do Turismo no lugar da deputada fede-
ral Daniela Carneiro e, espera-se, trarão a
prometida tranquilidade na Câmara. Pe-
los cálculos do líder do governo, deputado
José Guimarães, do PT do Ceará, a nome-
ação dos dois novos ministros garantirá
ao menos 30 votos fiéis em cada uma das
legendas. Guimarães contabiliza ain-
da 50 votos no União Brasil. “Não é um
apoio programático, mas é o que temos
para hoje. Se Lula não fizer isso, não tem
voto no Congresso e, pior, pode come-
çar a ter todas as suas propostas derru-
badas. Nessa hora, o governo precisa ser
pragmático e dançar conforme a música”,
avalia o cientista político Cláudio Couto,
colunista do site de CartaCapital. O Cen-
trão, lembra Couto, apoiou todos os go-
vernos desde o fim da ditadura. “Não há
nada de novo ou surpreendente. Obter o
apoio dos partidos de adesão é uma carac-
terística do próprio presidencialismo de
coalizão. Eles apoiam qualquer governo,
desde que haja algum tipo de retribuição.
É assim que operam e sem isso o governo
Lula não teria maioria.”
O cientista político João Feres Jr., co-
ordenador do Laboratório de Estudos de
Mídia e Esfera Pública da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, ressalta que
“os dois Ls são muito diferentes” entre si:
“O L de Lula é um projeto de país, uma
concepção de governo e de Estado voltado
para a inclusão. Já o L de Lira é somente o
poder do presidente da Câmara dentro da
Câmara, sobre os outros deputados e par-
tidos. Lira não tem um projeto de país, é
levemente conservador, privatista e neo-
liberal, mas sem muita convicção”. Feres
questiona se os partidos do Centrão dei-
xarão de apoiar Bolsonaro após o acordo.
“Esta é uma questão em aberto, mas é ine-
gável reconhecer que a lógica da reeleição
prevalece na massa de representantes co-
nhecidos como baixo clero. É uma ques-
tão até conceitual: para ser baixo clero,
não dá para ser muito ideológico. Assim,
a maior parte desses deputados, na bus-
ca por sobrevivência, tende a estar aber-
ta à influência de quem controla o orça-
mento, ou seja, o Executivo.”
O martelo sobre as mudanças no minis-
tério só será batido após uma reunião en-
tre Lula e o presidente da Câmara, que, se-
gundo Guimarães, deve acontecer “a qual-
quer momento”. Segundo Lira, a decisão
sobre a reforma ministerial “é prerroga-
tiva do presidente da República” e não dos
partidos. “Não é só o PP. É o governo que
tem de discutir quem, quando e de que for-
ma. Eu penso que esse assunto está sendo,
de certa forma, atropelado, o que não aju-
da a governabilidade.” Lira promete “fun-
cionar como um facilitador” das discus-
sões. “Quanto mais o governo tiver facili-
dade no plenário, melhor para eles e me-
lhor para mim.” Lula, em sua entrevis-
ta semanal realizada na terça-feira 25,
afirmou não existir uma conversa com o
Centrão enquanto organização. “Eu quero
conversar com o PP, com o Republicanos,
com o PSD, com o União Brasil. É assim
que a gente conversa.” Para o presidente,
é normal que as legendas negociem apoio
em troca de participação no governo. “Vo-
cê tenta arrumar um lugar para colocar,
para dar tranquilidade ao governo nas vo-
tações que nós precisamos para melhorar
e aprimorar o funcionamento do Brasil. É
exatamente isso que vai acontecer.”
Além das conversas com Lira e de-
mais líderes do Centrão, o petista deve-
rá dedicar-se a aplainar a insatisfação dos
partidos de esquerda que provavelmen-
te perderão espaço na Esplanada dos Mi-
nistérios. Presidente do PT, a deputada
Gleisi Hoffmann diz que a legenda não
gostaria de ver diminuído o seu quinhão,
mas, “se for necessário à governabilidade,
não faltará ao presidente”. A mesma boa
vontade não foi demonstrada pelo líder
do PSB, Carlos Siqueira. “Discordo com-
pletamente da ideia de se fazer um acordo
através de ministérios com o Centrão. Se
Lula ceder espaço àqueles que apoiaram
Bolsonaro nas últimas eleições, quem
perde é o Brasil.” O PSB corre o risco de
ficar sem o Ministério dos Portos e Aero-
portos, ocupado por Márcio França, que
seria remanejado para outro posto. Ou-
tra possibilidade é abrir mão do Ministé-
rio do Desenvolvimento, Indústria e Co-
mércio, que tem no comando o vice-pre-
sidente Geraldo Alckmin. Flávio Dino,
também do PSB, é da cota pessoal de Lula.
Para o deputado federal Orlando Silva,
do PCdoB de São Paulo, o governo acer-
ta ao atrair novos apoios: “A base no Con-
gresso vai se consolidar aos poucos e exi-
girá o engajamento de todo o governo”.
Haverá o sacrifício dos aliados de sem-
pre? Silva não sabe, mas filosofa: “O cer-
to é que, na política, como na física, dois
corpos não ocupam o mesmo espaço ao
mesmo tempo. Penso que a presença no
governo deve refletir o tamanho das ban-
cadas no Congresso, além de outros fato-
res políticos. Não me parece lógico haver
lugar intocável nem ministro ‘imexível’”.
Nas atuais negociações, o PCdoB pode
perder o Ministério da Ciência, Tecno-
logia e Inovação, chefiado pela ex-pre-
sidente do partido, Luciana Santos, que
também seria remanejada a outro posto.
Coordenador do Laboratório de Estu-
dos sobre Estado e Ideologia da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Edu-
ardo Motta afirma que o crescimento do
Centrão reflete aquilo que o pensador
marxista grego Nicos Poulantzas aler-
tava no fim dos anos 1970 sobre o declí-
nio do Parlamento, que progressivamente
deixa de tratar de questões amplas e leis
nacionais para cuidar de aspectos locais
ou interesses particulares. “O Centrão
expressa os interesses do bloco do poder,
do conjunto das frações de classe que de-
têm o poder econômico e têm interfe-
rência no campo político, sejam indus-
triais, banqueiros, empresários, religio-
sos, agronegócio ou grandes corporações
São aqueles que financiam as campanhas
dos deputados. O Centrão é a expressão do
clientelismo que se constituiu com mui-
ta força a partir do período da ditadura.”
Os deputados do bloco, acrescenta
Motta, têm uma visão pragmática em re-
lação aos governos e a convivência com
esse setor será imprescindível enquan-
to as forças políticas progressistas não fo-
rem majoritárias no Congresso. “A ade-
são de União Brasil, PP e Republicanos é
parte do problema que temos com o pre-
sidencialismo de coalizão. A esquerda no
Brasil nunca conseguiu ser majoritária.
Mesmo no segundo governo Lula, com a
eleição de uma grande bancada, não ha-
via maioria suficiente para controlar o
Parlamento.” A estratégia do presiden-
te, avalia o especialista, pode ser repetir
o feito de Leonel Brizola, quando eleito
govenador do Rio de Janeiro em 1982. “O
governo Brizola, no Rio, nunca teve maio-
ria na Assembleia Legislativa. Mas, com
muita habilidade, conseguiu costurar
um conjunto de alianças que atenderam
os interesses dos deputados clientelis-
tas. Contudo, eles nunca obtinham car-
gos decisivos ou estratégicos no Executi-
vo. O PT agora busca seguir isso à risca.”
Nas definições nos próximos dias es-
tarão sobre a mesa e podem ser ofereci-
dos ao Centrão cerca de 400 cargos de se-
gundo e terceiro escalões. Entre os ór-
gãos especulados como moeda de tro-
ca estão a Caixa Econômica Federal e os
Correios. Para Correia, não existe, po-
rém, risco de a “espinha dorsal” do Exe-
cutivo se envergar. “Há áreas muito im-
portantes para se garantir o programa de
divisão de renda, combate à fome e aces-
so à educação e à saúde pública, entre eles
o Bolsa Família na assistência social e os
postos relativos às questões econômicas.
Aí, mais que partidos, é preciso ter gente
da confiança do presidente para tocar as
questões, como tem feito o ministro Fer-
nando Haddad. Nas demais áreas, é pos-
sível negociar com o Centrão desde que o
programa de governo seja respeitado..
CARTA CAPITAL
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