ANA PAULA SOUSA
Roteiristas e diretores brigam pelo direito de ser remunerados a cada vez que suas obras forem exibidas
Ao longo da última semana,
diretores e roteiristas de
mais de 50 países reuni-
ram-se no Hotel Sheraton,
no Rio de Janeiro, para
participar do Congresso da Confederação
Internacional de Autores Audiovisuais
(Avaci, do inglês Audiovisual Authors
International Confederation).
Na véspera da abertura do Congresso,
os direitos dos criadores haviam entrado
em discussão também no Congresso Na-
cional, em Brasília, durante a sessão que
tratou do Projeto de Lei nº 2630, o PL das
Fake News.
A pauta que une os dois eventos para-
lelos tem como protagonistas diretores,
roteiristas e até mesmo atores de filmes
e séries que pedem a regulamentação de
um novo direito: a remuneração adicio-
nal a cada exibição pública das obras das
quais participaram.
O caminho mais curto para a compre-
ensão dessa demanda é olhar para a mú-
sica. A execução pública garante a com-
positores, intérpretes, músicos, editores e
produtores fonográficos certa remunera-
ção. Cabe ao Escritório Central de Arreca-
dação e Distribuição (Ecad), que foi cria-
do em 1973 e reúne sete entidades, reali-
zar a cobrança e o repasse desses direitos.
No caso de roteiristas e diretores de
obras audiovisuais, o direito autoral, ga-
rantido pela Lei 9.610, de 1998, refere-se
apenas à criação, ou seja, não contempla
a remuneração pela exploração comer-
cial posterior. “Como roteirista, você re-
cebe um cachê pelo trabalho, mas depois
não tem qualquer recompensa financei-
ra pelo sucesso da obra”, resume Thiago
Dottori, roteirista da série Psi e dos lon-
gas-metragens da Turma da Mônica.
Dottori foi um dos fundadores da en-
tidade de Gestão de Direitos de Autores
Roteiristas (Gedar), integrante da Avaci e
uma das principais defensoras dessa pau-
ta no País. Paula Vergueiro, advogada da
Gedar, foi a Brasília para conversar com as
lideranças dos partidos e pedir a inserção
do assunto no PL das Fake News. Com ela
estavam os roteiristas Marcos Berstein,
de Central do Brasil (1998), e Carolina
Kotscho, de Dois Filhos de Francisco (2005).
“A indústria sempre foi a voz dominan-
te e vitoriosa nessa discussão sobre dire-
tos autorais”, diz Paula. “Estando do la-
do dos criadores, minha sensação era a de
que íamos sempre perder, até por sermos
a parte economicamente mais frágil da
cadeia. Mas isso parece estar mudando.”
Em países como Argentina, Chile, Co-
lômbia, França e Espanha, esse tipo de re-
muneração está regulamentado, com os
repasses sendo feitos para as entidades
responsáveis pela gestão coletiva de direi-
tos – caso do Ecad e da ainda novata Gedar.
O fato de o Brasil não ter uma regula-
mentação que estabeleça como se daria,
no audiovisual, a arrecadação e a distri-
buição desses valores, impede, por exem-
plo, que os autores sejam remunerados
pela exibição de suas obras em outros
países. “Fomos mostrando aos nossos co-
legas da América Latina que, ao terem so-
ciedades de arrecadação, eles passariam
a poder receber os seus direitos”, expli-
ca Horácio Maldonado, coordenador do
Conselho Executivo da Avaci e diretor da
entidade dos Diretores Argentinos Cine-
matográficos (DAC).
Uma pergunta que tal movimentação
suscita é: por que, depois de décadas e dé-
cadas de certo padrão de direitos auto-
rais seguido na produção de filmes e sé-
ries, pede-se essa mudança? A resposta
varia conforme o interlocutor, mas pas-
sa, invariavelmente, pela nova configu-
ração do mercado imposta pela trans-
missão de conteúdo pelo streaming.
“A conexão que faço é que o modelo
que as plataformas de streaming adota-
ram no Brasil é o de ‘obra por encomenda’,
no qual elas são as donas das obras audio-
visuais que financiam, incluindo toda a
sua propriedade intelectual”, diz Rodrigo
Chacon, gerente da área de entretenimen-
to no escritório Cesnik, Quintino, Sa-
linas, Fittipaldi e Valerio Advogados.
“O que os criadores e produtores têm
percebido é a importância de proteger suas
criações, seja mantendo parte dos seus di-
reitos, seja criando mecanismos para que
possam lucrar novamente, caso aquela
criação se mostre um sucesso”, prosse-
gue Chacon. “Além disso, em um merca-
do que proporciona diversas explorações
para uma mesma propriedade – um livro
é adaptado para filme e, posteriormen-
te, para um jogo, por exemplo – as pro-
priedades intelectuais têm se valorizado.”
Dottori, por sua vez, chama atenção
para o fato de que, com o ambiente digi-
tal, as negociações, antes locais, passa-
ram a ser globais e que, embora o mer-
cado tenha crescido, “a remuneração dos
criadores tem diminuído”.
A julgar pelo que se viu na última
sessão sobre o PL nº 2630, a batalha se-
rá dura. A referência à remuneração dos
criadores chegou a ser inserida no tex-
to na tarde da terça-feira 2, mas, à noi-
te, já havia um destaque pronto para re-
tirá-la. Entre os pontos sensíveis do tex-
to estava a previsão de que apenas plata
ormas com mais de 10 milhões de usu-
ários tivessem de pagar a remuneração.
As plataformas de streaming e as tele-
visões argumentam, em suas conversas
com as lideranças dos partidos no Con-
gresso, que essa nova forma de distribui-
ção de direitos implica custos que devem
impactar suas operações e, por conse-
quência, levar a aumentos no valor dos
serviços oferecidos ao consumidor final.
“A relação entre os criadores e os distri-
buidores de conteúdo é bastante desequi-
librada economicamente”, reforça Paula.
“E a gestão coletiva vem para dar algum
equilíbrio a esta relação.” •
carta capital
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