O ministro da Justiça, Sergio Moro, requisitou a abertura de inquérito contra quatro artistas de um coletivo de rock de Belém. Organizadores de um evento de punk chamado Facada Fest, eles são investigados por supostos crimes contra a honra do presidente Jair Bolsonaro, além de apologia ao homicídio.
Membros de bandas como THC, Delinquentes, Filhux Ezkrotuz e produtores do evento, o grupo de artistas foi interrogado nesta quinta-feira (27), pela Polícia Federal, em Belém.
Em nota, o ministério da Justiça diz que a sua consultoria jurídica apontou a necessidade de investigação. E que cabe agora ao Ministério Público e à Polícia Federal a “elucidação dos fatos e, se for o caso, oferecer ação penal”.
No centro da investigação estão os cartazes usados pelo festival, que ocorre na capital paraense desde 2017. Num deles, divulgado para a edição do ano passado, Bolsonaro é representado pelo palhaço Bozo, que é empalado por um lápis.
Em seu despacho requisitando a abertura de investigação, Moro afirma que nos cartazes e postagens de redes sociais do coletivo há “elementos que indicam a prática, em tese, de crime contra a honra do Sr. Presidente da República”.
Sobre o Bozo atravessado por um lápis, o ministro destaca um trecho da representação inicial que diz ser a imagem “clara apologia ao atentado criminoso sofrido por Jair Messias Bolsonaro durante a campanha eleitoral, que quase tirou a sua vida”.
“A gente estava no meio do desmonte da Educação, de problemas com os ministros [Ricardo] Vélez e [Abraham] Weintraub”, diz Magno. “Por isso me deram essa ideia de fazer o lápis, que representa a educação, derrotando essa palhaçada. É por isso que é um palhaço, porque representa essa ignorância.”
Para o ilustrador, que nunca havia passado por caso semelhante, não há incitação a crime de homicídio. “Não tem nada ver com apologia ao crime ter feito uma coisa tão caricata daquele jeito, né? Não tem incitação de matar ninguém. Não passamos a ideia de fuzilar oposição.”
O coletivo Facada já usava esse nome desde 2017, quando foi criado. Já Bolsonaro foi vítima da facada durante a campanha eleitoral de 2018.
“Queríamos algo simples e roqueiro”, diz Josy Lobato, baterista das bandas Klitores Kaos e THC, fundadora do coletivo e autora do nome Facada. “Não é algo que incite violência. É o meio do rock, do metal, um tipo de comunicação que não leva em consideração essa moral cristã.”
O despacho do ministro da Justiça marca uma série de embates entre o coletivo paraense e a militância bolsonarista. Em junho do ano passado, Carlos Bolsonaro protestou contra a imagem em sua conta no Twitter.
“Tá valendo tudo nesse país da putaria da esquerda. Está na hora de agir antes que seja tarde, porque eles já mostraram ao que vieram e não têm mais vergonha alguma de esconder isso”, escreveu ele sobre o Bozo empalado.
“Foi um deputado [federal] aqui do Pará, o ex-delegado de polícia, Éder Mauro [do PSD], que compartilhou o cartaz na rede social dele”, conta Josy Lobato, baterista das bandas Klitores Kaos e THC, e integrante fundadora do coletivo.
O festival estava marcado para julho do ano passado —com grupos como Delinquentes, Makina, Surto e Ovo Goro—, mas não aconteceu. Diante da repercussão do tuíte de Carlos, os organizadores temeram que o encontro pudesse gerar confusão com apoiadores do presidente, já que, como costume, aconteceria em lugar público —em frente ao Mercado de São Brás, região abandonada de Belém.
Remarcado para um bar fechado, O Facada Fest 3 não aconteceu de novo. “Meia hora antes de começar, chegou a polícia. Foram conversar com os donos do estabelecimento e constataram que estava vencido um dos alvarás”, diz Josy.
O novo cancelamento abrupto levou a uma comoção tanto entre parlamentares de esquerda quanto em movimentos sociais da cidade, que passaram a apoiar o Facada. A terceira edição do evento, enfim, foi realizada dois meses depois da data original.
Vista como censura por militantes de esquerda locais, a história acabou gerando interesse nas cenas de rock underground de outras cidades, que queriam também realizar o festival. Até hoje, o Facada Fest já aconteceu em Campinas, Curitiba e Marabá.
A notícia da existência do festival percorreu um longo caminho até chegar ao ministro da Justiça. Os roqueiros viraram algo da polícia graças ao presidente do Instituto Conservador, Edson Salomão. Ele fez ao Ministério Público Federal de São Paulo uma representação criminal, pedindo a investigação dos organizadores do Facada Fest e apontando uma relação dos cartazes e postagens com o atentado sofrido por Bolsonaro em setembro de 2018 —procurado, ele não respondeu às tentativas de contato da Folha.
O MPF paulista encaminhou a representação para seus pares no Pará, que, por sua vez, levara o assunto à Procuradoria-Geral da República para que esta consultasse o Ministério da Justiça. Como a vítima do suposto crime é o presidente da República, é a pasta que precisa solicitar a abertura do inquérito. Tanto o MPF do Pará quanto a PGR dizem, via suas assessorias de comunicação, que não fizeram nenhuma análise sobre o mérito da representação.
O presidente Jair Bolsonaro, aliás, já foi alvo de sátiras em outros cartazes de shows punk no Brasil. Primeiro, de maneira indireta, com o grupo punk americano Dead Kennedys. Mais recentemente, com o coletivo russo Pussy Riot.
“Achávamos que as autoridades já tinham entendido que se tratava de uma manifestação cultural”, diz Josy. “Ficamos surpresos, mas não vamos parar por conta disso. O Facada nasceu na periferia, já sofremos violência todos os dias. Se incomoda é porque estamos fazendo barulho.”
No comments:
Post a Comment