December 25, 2018

Malandragem, dá um tempo

Leo Aversa Foto: OGlobo
Leo Aversa

 Não entendi muito bem por que o meu sogro quis trocar de carro comigo no fim de semana. Talvez para fingir de proletário em algum compromisso social, talvez para carregar alguma tralha sem sujar o seu carro novo. Melhor nem perguntar, às vezes saber só torna as coisas mais constrangedoras. No sábado até deixei o carro dele na garagem, como manda o bom senso, mas no domingo tive que ir até a Barra para uma sessão de fotos, então chutei o balde. Trabalho é sempre uma boa justificativa. Deu tudo certo, a sessão foi ótima e no final, quando eu estava indo embora, o ator que eu tinha fotografado me pediu carona. Legal, vou tirar onda com o carro do sogrão, pensei, naquela ingenuidade leviana que sempre antecede um desastre. 

Ele perguntou se podia fumar. Claro, disse eu, cigarro não me incomoda. Tirou então do bolso não um cigarro de tabaco, mas sim um baseado XXXG, quase um charuto, daqueles dignos do Fidel Castro, ou melhor, do Bob Marley. Metade do PIB do Paraguai devia estar enrolada ali. Esse fumo é especial, comentou com orgulho, vem do Afeganistão, uma erva que queima lentamente, com notas terrosas e efeito suave e prolongado. O cara não só consumia em escala industrial como era um sommelier da marofa: falava com gosto de safras, plantações, teor de THC e ainda explicava como harmonizar as diferentes sedas com os respectivos bagulhos. Um especialista.

Não fumo maconha, mas sou a favor da liberação. Como também não bebo — sim, a minha vida é melancólica —, tenho autoridade para afirmar: um bêbado perturba muito mais que um chapado. Se querem o bem da Humanidade, proíbam a venda de álcool para os chatos, que isso, sim, é uma catástrofe.

Mas naquele momento, com uma chaminé jamaicana funcionando ao meu lado, a minha preocupação era mais imediata: não ser parado pela polícia. As autoridades não iam querer saber a minha opinião sobre as drogas ou me parabenizar por ser abstêmio. Se nos pegassem só eu ia dançar: enquanto um guarda ia pedir autógrafo e tirar selfies com o meu carona famoso, o outro me levaria para “a sala de massagens” da delegacia. Pablo Escobar feelings. Dei sorte, chegamos à Zona Sul incólumes, quer dizer, mais ou menos.

Como estava chovendo, não abri as janelas do carro e liguei o ar condicionado à toda. Um erro primário, soube depois por um amigo junkie. A fumaça impregna o filtro do ar e não sai nem com um pé de cabra. O carro parecia o Circo Voador depois de um show do D2.
Agora, sim, eu tinha um problema: como entregar um carro cheirando a maconha para o sogro? Nem o Keith Richards admitiria essa desfeita do genro.
Na manhã seguinte fiquei dando voltas na Lagoa com todos os vidros abertos. Foi inútil. Tentei confiar na sorte: talvez ele não reconheça o cheiro, se eu sou do século passado, ele é do retrasado, vai ver a maconha ainda não tinha sido inventada naquela época. No desespero a gente acredita em qualquer coisa.
Trocamos os carros. Nem um comentário.
Fiquei bolado. Perguntei para a minha mulher se ele não tinha reclamado de alguma coisa.
— ’Magina, ele anda com um humor ótimo.
Efeito suave e prolongado. O cara era mesmo um especialista.

 

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