por Antonio Engelke
Pergunte a cariocas de classe média ou alta o que pensam da proposta
de dar armas a professores como forma combater os massacres em escolas
americanas, e eles dirão que se trata de um absurdo. Pergunte sobre a
proposta de intervir militarmente nas favelas, e cerca de 70% dos
cariocas responderão que a apoiam. Evidentemente, são dois problemas
diferentes, com causas e características específicas. Mas a lógica que
rege ambas as propostas, como forma de lidar com os respectivos
problemas, é a mesma.
Que lógica é essa? É a de “dobrar a aposta” no tipo de política utilizada para lidar com a questão. Por conta de uma interpretação torta da Segunda Emenda da Constituição dos EUA, e também pelo lobby da National Rifle Association, americanos podem comprar fuzis e munição quase como quem compra manteiga e pão. De acordo com o argumento conservador, o problema não está no fato de que pessoas demais tenham acesso a armamentos pesados, mas justo o contrário: os massacres poderiam ser evitados, ou interrompidos precocemente, se funcionários de escolas e universidades estivessem todos também armados. É uma ideia tão contrária a todas as evidências científicas, que é difícil acreditar que alguém possa levá-la a sério.
Antes de apontar o dedo para o vizinho, vejamos se não estamos cometendo o mesmo erro dentro de casa. Nosso projeto de segurança pública foi desde sempre baseado na ideia de que o sucesso do combate ao crime depende da força bélica. Outras medidas, largamente estabelecidas na literatura científica como fatores de redução dos índices de violência — inteligência na investigação, policiamento comunitário, investimento na rede de proteção social, por exemplo —, foram e continuam sendo deixadas de lado. Portanto, intervenção militar não é quebra de paradigma, ou novo caminho, no combate ao crime. É “dobrar a aposta”: radicaliza a política de segurança pública que nos trouxe até a situação atual. Quem a apoia deveria se perguntar se faz sentido agir sempre do mesmo modo, mas esperar obter um resultado diferente.
Uma população estressada pela violência é presa fácil de soluções que prometam alívio imediato. Mas foi justamente a aposta nesse tipo de solução — “choques” de enfrentamento intensos, de curta duração — que agravou o problema da segurança pública a ponto de fazer uma intervenção militar parecer a única resposta possível. Que essa contradição não seja percebida nos dá a medida do quão pouco esclarecido é o debate público sobre o assunto. Não ajuda, é claro, que os jornais adotem uma retórica triunfalista toda vez que a polícia dá uma demonstração de força.
De acordo com pesquisa feita pelo Observatório da Intervenção, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, em dois meses de intervenção no Rio mais de 40 mil homens foram empregados para apreender 42 fuzis, 77 pistolas, 20 revólveres e uma espingarda. A pesquisa compara ainda os índices da violência nos dois meses pré (dezembro e janeiro) e pós (fevereiro e março) intervenção. Antes da chegada do Exército, o Rio registrou 1.299 tiroteios, com 262 mortos e 270 feridos; com as tropas nas ruas, foram 1.502 tiroteios, com 284 mortos e 193 feridos.
Os custos da política de espasmos militaristas são bem conhecidos. Mais do que os bilhões historicamente gastos enxugando gelo, sobressai a violência imposta à parcela mais pobre da população: suspensão do direito de ir e vir, balas perdidas que encontram destinos trágicos, revistas humilhantes, crianças impedidas de ir à escola. Quanto aos benefícios, essa política já se provou muito eficiente para a manutenção do poder de quem governa, mas péssima para a segurança de quem vota.
Antonio Engelke é sociólogo
Que lógica é essa? É a de “dobrar a aposta” no tipo de política utilizada para lidar com a questão. Por conta de uma interpretação torta da Segunda Emenda da Constituição dos EUA, e também pelo lobby da National Rifle Association, americanos podem comprar fuzis e munição quase como quem compra manteiga e pão. De acordo com o argumento conservador, o problema não está no fato de que pessoas demais tenham acesso a armamentos pesados, mas justo o contrário: os massacres poderiam ser evitados, ou interrompidos precocemente, se funcionários de escolas e universidades estivessem todos também armados. É uma ideia tão contrária a todas as evidências científicas, que é difícil acreditar que alguém possa levá-la a sério.
Antes de apontar o dedo para o vizinho, vejamos se não estamos cometendo o mesmo erro dentro de casa. Nosso projeto de segurança pública foi desde sempre baseado na ideia de que o sucesso do combate ao crime depende da força bélica. Outras medidas, largamente estabelecidas na literatura científica como fatores de redução dos índices de violência — inteligência na investigação, policiamento comunitário, investimento na rede de proteção social, por exemplo —, foram e continuam sendo deixadas de lado. Portanto, intervenção militar não é quebra de paradigma, ou novo caminho, no combate ao crime. É “dobrar a aposta”: radicaliza a política de segurança pública que nos trouxe até a situação atual. Quem a apoia deveria se perguntar se faz sentido agir sempre do mesmo modo, mas esperar obter um resultado diferente.
Uma população estressada pela violência é presa fácil de soluções que prometam alívio imediato. Mas foi justamente a aposta nesse tipo de solução — “choques” de enfrentamento intensos, de curta duração — que agravou o problema da segurança pública a ponto de fazer uma intervenção militar parecer a única resposta possível. Que essa contradição não seja percebida nos dá a medida do quão pouco esclarecido é o debate público sobre o assunto. Não ajuda, é claro, que os jornais adotem uma retórica triunfalista toda vez que a polícia dá uma demonstração de força.
De acordo com pesquisa feita pelo Observatório da Intervenção, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, em dois meses de intervenção no Rio mais de 40 mil homens foram empregados para apreender 42 fuzis, 77 pistolas, 20 revólveres e uma espingarda. A pesquisa compara ainda os índices da violência nos dois meses pré (dezembro e janeiro) e pós (fevereiro e março) intervenção. Antes da chegada do Exército, o Rio registrou 1.299 tiroteios, com 262 mortos e 270 feridos; com as tropas nas ruas, foram 1.502 tiroteios, com 284 mortos e 193 feridos.
Os custos da política de espasmos militaristas são bem conhecidos. Mais do que os bilhões historicamente gastos enxugando gelo, sobressai a violência imposta à parcela mais pobre da população: suspensão do direito de ir e vir, balas perdidas que encontram destinos trágicos, revistas humilhantes, crianças impedidas de ir à escola. Quanto aos benefícios, essa política já se provou muito eficiente para a manutenção do poder de quem governa, mas péssima para a segurança de quem vota.
Antonio Engelke é sociólogo
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