August 31, 2017

Liquidação a preço vil


Aldir Blanc

As Quatro Cavalgaduras do Apocolapso estiveram mentindo no Rio: o pre$ifraude Temereca, Burrico Maia (aquele que liberou, contra a Anvisa, remédios fatais para emagrecer. Quanto cu$tou?), o guarda-co$taS do pre$i-diário, mini da ju$tiça, Torquê$ Baldio, e o minidef, o neocoreano Jung-Jong. Resultado: no dia seguinte, mais mortes, carros da polícia incendiados, aumento no roubo de cargas, tiroteios em toda a cidade, terror no Jacarezinho, crianças sem aula, os muros de uma casa no subúrbio com muito mais buracos de bala do que paredes em Fallujah.

Só a galhofa pode nos salvar.

Pensem em seus filhos e netos, já que o sinistro da fazendola não tem descendentes de sangue nem se preocupa com isso, o que talvez explique um de seus apelidos nas redes sociais, Scherazade, por contar histórias pra friboi dormir. Já foi Boston Boy, vitorioso na proteína animal e, agora, farsante que joga com rombos, os nossos. Quem quiser que dê, mas não botando a Eletrobras, aeroportos (e a Cemig?), sei lá quantas empresas por baixo do pano, a Casa da Moeda, o Instituto Benjamin Constant, farmácias populares, toda a pesquisa médica e científica, uma área tomada aos índios maior que a Dinamarca (por baixo), para mineração a céu aberto, com muito arsênico e venenos outros, catástrofes ambientais — que, como se viu no $amarcal da Vale do Rio Morto, deu em nada, graças à ju$tiça de MG-ND (Minas Gerais-Nenhuma Decência). Só ligo a televisão na esperança de ver a fulgurante e bela (sou bisavô mas não tô morto) Andréia Sadi devastando a farsa temerosa desde que obraram nas casas de $ogra & Filha, imóveis declarados baratinhos no IR, intermediados por Yum-Yune$, até o recente escândalo no serralho do Pala$$ do Jaburanha, no qual recatadas serviçais da Garota Exemplar ganharam apartamentos funcionais, transformadas em a$$e$$oras e$peciai$ da pre$idência, para tratar da “rouparia” e dos diferentes cardápios nutricionais, embora todo mundo ache que a primeira-dama é bem nutrida. Por que não vender o harém do Jaburanha, com suas árvores protegendo a entrada dos Gilmares de Sargaços, Raquéis Impalas, Mineirinhos fungando, além dos futuros réus e condenados cujas penas vão prescrever: Angorá Franco, Lulu “Menopausa” Nunes, Elizeu Quadrilha, o bestalhão do pranejamento, o burro da educação, o imbecil das minas e barangas, toda a corja? Cadê a Drª Cármen Lúcia? Eis a única boa notícia das últimas semanas: a relatora tucana Shéridan afrouxou as regras para acesso aos fundos. A procura, segundo canais deferentes e corpos cavernosos, é enooorme!




Foi aberto inquérito contra o líder Béééézerra, do PSB, pernambucano de Petrolão, desculpem, Petrolina, e Gueddell-Bedel também virou réu, rima suja.


Moribunda, a sociedade brasileira reagiu com veemência aos abusos do tribanal Gilmar, aquele que faz máscaras de raiva e transforma a cara numa espécie de prolapso retal, só que com dentes e óculos. Repito: cadê a Drª Cármen Lúcia que deseja mudar o Brasil.

O globo, qgosto 2017

August 30, 2017

A Síria do Jacarezinho


Após 11 dias acuados por tiroteios, moradores da favela da Zona Norte desabafam. Foram sete mortes durante os confrontos que ameaçaram 90 mil pessoas


No Beco da Síria, como é conhecida a Rua Santa Teresinha, as marcas de tiros estão por todos os lados Foto: Bruno Itan / Olhar Complexo

por
O GLOBO

A Rua Santa Teresinha é uma passagem estreita por onde se chega à parte alta do Jacarezinho. Suas paredes têm incontáveis marcas de tiros. Nas últimas semanas, o lugar fez por merecer o apelido pouco honroso dado por moradores: Beco da Síria. Com pistola na cintura, um soldado do tráfico fica escorado em um poste, no meio da pequena via. Um pouco acima, um policial militar com fuzil protege a esquina do beco com a Rua Darci Vargas, em frente à sede da UPP. Estão separados por uma linha imaginária, a 50 metros de distância: de um lado, o Estado armado na favela; do outro, uma juventude perdida. Moradores que atravessam a passagem cruzam os dois, mas o medo faz muita gente mudar de caminho.

Estranha normalidade

Depois de sete mortes em 11 dias seguidos de tiros, a vida se restabelece com estranha normalidade no Jacarezinho. O comércio está fraco na Rua Comandante Gracindo de Sá, principal acesso à favela, ocupada por umas 200 lojas enfileiradas nas duas calçadas. Pouco a pouco, esses pequenos negócios vão reabrindo depois de quase duas semanas com as portas fechadas, mas a multidão que caminha de um lado ao outro, entrando e saindo do complexo, passa apressada demais para comprar qualquer coisa. São 9h da última quinta-feira, dia em que as escolas da região voltaram a funcionar. O meio-fio continua cheio de óleo escuro, que escorreu dos 32 transformadores explodidos por tiros nos últimos dias, e ainda há muito lixo espalhado pelos becos. Alguns saem de casa pela primeira vez em 15 dias, como a paraibana Luzia Gomes dos Santos, de 69 anos.

— Sair para quê, com aquele tiroteio? Só se for pra morrer. Estava cheia de dores e com hipertensão em casa, mas só hoje pude cuidar disso — disse a senhora na porta da Clínica da Família local, na Avenida Dom Helder Câmara, a poucos metros do acesso ao morro.

A favela tenta se recompor ao mesmo tempo em que contabiliza seus prejuízos, após a caçada vã da Polícia Civil ao assassino do agente Bruno Guimarães Buhler, morto aos 36 anos, com um tiro no pescoço, enquanto dava apoio a uma operação no local, no último dia 11. Após os confrontos diários, que puseram em risco a vida de 90 mil moradores, as incursões da Polícia Civil terminaram com cerca de 50 presos, mas nenhum fuzil apreendido. Agora, os moradores perguntam: de que adiantou?

— São operações que não resultam em nada — acredita o comerciante Sérgio Ricardo, de 54 anos, criado no Jacarezinho. — Minha mulher ficou quase três horas presa dentro da loja essa semana e não quer mais voltar aqui. Seis tiros entraram na loja, um deles acertou a máquina de sorvete. O conserto custa R$ 1,6 mil, não sei como vou pagar — lamenta, antes de contar que assumiu o ponto há apenas dois meses, depois de se mudar de outro que julgava pior.

Ao seu lado, Brenda Araújo Silva, de 21 anos, diz que a loja de roupas onde trabalha chegava a vender R$ 3 mil aos sábados e domingos, e pelo menos R$ 500 nos dias de semana. Sua chefe exigiu que ela abrisse o estabelecimento mesmo debaixo de tiro. Assim como a mulher de Sérgio, Brenda ficava nos fundos da loja, pois as balas não davam trégua. Em uma semana, ela vendeu apenas uma blusa e uma calça. Brenda tem três filhos — o primeiro nasceu quando ela tinha 13. O caçula, de 1 ano e meio, já identifica o som dos disparos.

— Assim que os tiros começam, ele fica repetindo “pou, pou” — afirma Brenda. — Nunca foi tão perigoso viver aqui. Infelizmente, não temos para onde ir.



'Vieram para matar'


Uma moradora se aproxima e pede a palavra. Pamela Rangel, de 36 anos, diz sentir-se “no meio da guerra do Iraque”. Está indignada por “viver como prisioneira” em sua própria casa.

— Sabemos que aqui tem tráfico, fomos criados aqui, estudamos com bandidos na escola. Mas meu marido é mestre de obras e eu sou esteticista. Essa guerra não é nossa, muito menos do meu filho, que tem 2 anos e meio. Os policiais vieram aqui para matar — afirma. — Gostaria de entender por que somos tratados como lixo. É por sermos pobres?

Quatrocentos e trinta e quatro alunos voltaram às aulas naquela quinta-feira no Colégio Salesiano, rede filantrópica de ensino que mantém uma unidade na parte mais alta do Jacarezinho há quase cinco décadas. Com a igreja do colégio lotada de crianças, a diretora Adriana Costa dá as boas-vindas como se elas estivessem voltando de férias. Quando Adriana decreta o reinício das aulas, as turmas ficam de pé e caminham para as salas em pura algazarra. Elas se beijam e se abraçam, algumas cantam, todas sorriem. Só quem vive sob tiros sabe o valor de voltar à escola após tantos dias sem sair de casa.

— Agora é atualizar o calendário e pensar em como repor o conteúdo perdido. Vamos fazer um recreio especial hoje para as crianças. Elas estão felizes por voltar, mas precisam muito de amor — diz Adriana, de 48 anos, que começou a trabalhar na unidade aos 14, como auxiliar de secretaria.

Quem também cuida de seus alunos como se fossem filhos é Adino Estelino Santos, de 40 anos, fundador do Centro de Integração Cultural, Assistencial e Educacional (Cicape), que oferece aulas de judô, jiu-jítsu, muay thai e capoeira para 250 jovens da favela. Ele conversa com a reportagem enquanto monitora cinco funcionários da Cedae, que finalmente puderam voltar ao Jacarezinho para consertar um cano que jorrava esgoto. O Cicape também tinha um pré-vestibular comunitário, mas as aulas foram encerradas por causa da violência: os professores pararam de ir à favela para ensinar.

— Não vou desanimar, não. Cuido deles como meus filhos, e sinto que agora eles precisam de mim como nunca — afirma.

Adino já conseguiu tirar muitos jovens do tráfico de drogas. Jovens iguais a um menino de uns 10 anos de idade, magrelo, sem camisa e que empunhava uma pistola naquela tarde de sol, perto de uma rua chamada Esperança.



Favela de luto


O Jacarezinho está de luto pelos seus mortos, mas não há tempo para chorar. Na Rua Amaro Rangel, uma das principais vias de comércio do complexo, duas meninas, de 13 e 9 anos, trabalham para manter um mercadinho de verduras aberto. Rafaela e Alice são filhas de Sebastião Sabino da Silva, verdureiro que vendia fiado a quem precisasse. Tião, como era conhecido, acordava às 4h todos os dias. Estava em seu quarto casamento e era pai de sete. Enquanto sua mulher cuida de uma barraca, também de verduras, as pequenas tomam conta do mercadinho. Ele morreu com três tiros de fuzil, na terça-feira, dia 15. Contam na favela que foi alvejado por atiradores de um helicóptero, e que policiais não deixaram ele ser socorrido — diziam que era bandido. A Civil garante em nota que seus policiais "jamais deixariam de socorrer vítimas ou impediriam que outras pessoas o fizessem".

— Minhas irmãs ficaram sem aulas e estão o tempo todo ajudando. É muito complicado. Meu pai se endividou um pouquinho, pois precisou comprar uma Kombi. As meninas ainda estão em choque, viviam com ele, mas a vida tem que seguir — afirma a filha Raquel, de 20 anos, que há três meses trocou o Jacarezinho por Água Santa. — Minha filhinha, Laura, completou um mês no dia em que ele morreu — conta, emocionada.

No ponto de mototáxi onde André Luís Medeiros trabalhava, seus colegas estão inconsoláveis. André morreu com três tiros numa perna quando esperava o dono de uma loja de rações, ao lado do ponto, fechar o estabelecimento. O mototaxista o levaria para sua casa, pois um blindado da polícia havia entrado atirando pela linha do trem, no começo da rua, a poucos metros. André não era pedreiro, mas construiu sozinho um quarto para sua filha, de 13 anos, que iria morar com ele. Torcedor fanático do Fluminense, não gostava de beber nem de sair: abria exceção para os jogos do tricolor no Maracanã, quando era possível. Estava juntando dinheiro para levar sua filha à Disney. Agora, a menina só dorme à base de remédios.
— Era muito trabalhador, ele mesmo consertava a moto quando dava defeito, estava com a mesma há dez anos. Quando queria fazer alguma coisa especial, a gente comia uma pizza — conta Julio Cesar Santos da Silva, presidente da cooperativa local de mototaxistas, um grupo de 70 trabalhadores que aguardam há anos uma licença da prefeitura.

Em cada beco, uma lembrança

Enquanto anda pela favela, o presidente da associação de moradores, Leonardo Pimentel, de 30 anos, vai colhendo relatos de dor. Ele diz ter sido procurado por meia dúzia de advogados se oferecendo para abrir uma ação coletiva contra o estado, com um pedido de indenização para os familiares das vítimas, mas a Defensoria Pública já está cuidando disso. Uma liminar obtida pela Defensoria, na tarde de sexta-feira, cassou o mandado de busca e apreensão coletivo – carta branca para agentes da lei entrarem em todas as casas do Jacarezinho. Políticos também entraram em contato, mas Leonardo, querido pelos moradores — a maioria o chama de “presidente” —, rejeita aproximações neste momento.

— A comunidade, infelizmente, está desunida. Não são políticos que vão nos ajudar neste momento, somos nós, aqui dentro, que precisamos nos unir — afirma Leonardo. — Quero ver quem entra aqui no sufoco, quando a população precisa. Quem vem depois é porque quer algo em troca — argumenta, lembrando que 2018 é ano eleitoral.

Ele evita andar em alguns becos onde amigos dos tempos de escola foram mortos. Já perdeu a conta de quantos conhecidos morreram nos embates que se repetem na favela desde antes de ele nascer, quando o dono do Jacarezinho era o traficante Paulo Roberto de Moura Lima, vulgo Meio Quilo, um dos lendários fundadores do Comando Vermelho, morto em 1987 após cair de um helicóptero durante uma tentativa de fuga da prisão. Três mil pessoas foram ao enterro de Meio Quilo e a morte provocou tensão na cidade, o que fez o então governador, Moreira Franco, pedir intervenção das forças federais no Rio — um filme assistido muitas vezes pelos cariocas.

Após a morte de Meio Quilo, o aumento da violência foi perverso para o Jacarezinho: sobrou pouco das mais de 500 fábricas que existiam ao redor da favela até os anos 1990, e que faziam da região o segundo maior polo industrial da cidade — perdia só para São Cristóvão. Foram embora gigantes como General Electric, e o imenso terreno de sua fábrica virou objeto de disputa entre a prefeitura do Rio e a multinacional sediada em Boston, que tem uma dívida com o município da ordem de R$ 40 milhões, segundo uma fonte da Fazenda municipal. O Diário Oficial já publicou a intenção do município de desapropriar a área e construir ali edifícios do Minha Casa Minha Vida — a ideia do prefeito Marcelo Crivella é verticalizar a favela com mais de 5 mil apartamentos, em edifícios de 12 andares. Procurada, a Secretaria de Urbanismo disse que aguarda o processo de desapropriação.


'Alguém vai morrer'

  Bandeiras do Flamengo tremulam ao vento na Rua Darci Vargas, a única onde é possível acreditar que existe uma UPP na região, instalada em janeiro de 2013. Dez policiais patrulham a rua, alguns com o celular na mão. Sabem que só serão atacados se cruzarem a linha invisível. Um deles, entediado, brinca de cutucar um gato com o bico do fuzil. Perto dali, Valda Norberto, de 62 anos, tenta se acostumar à ausência da melhor amiga, Georgina Maria Ferreira, dois anos mais nova. Elas moravam juntas desde 1991.

— Georgina era conhecida dentro e fora do Jacaré. Tinha amizade com muita gente e conseguia emprego para as pessoas da favela. Sua vida era ajudar: não parava em casa, estava sempre levando água para um, consertando a energia de outro — recorda Valda, com os olhos inchados de tanto chorar. — Como ela era grandona e contagiante, as pessoas não sabem que lutava contra a depressão. Por isso, passava o dia ajudando os outros, e os gatos abandonados. Era um anjo.

Quando morre na favela uma pessoa como Georgina, uma rede complexa de conexões se desmancha no ar: como se muitas pessoas fossem atingidas pelo tiro na cabeça que a matou. Georgina morreu fazendo o que mais gostava: tinha ido ajudar a vizinha Dona Penha a fechar seu bar, durante um tiroteio. Era tão querida que, na sexta-feira, foram celebradas três missas e cultos de sétimo dia em sua homenagem. Dalva conta que Georgina “tinha um sexto sentido inexplicável”. Na semana passada, acordou angustiada. “Tive um sonho”, disse para a amiga. “Alguém vai morrer.”

Vai pro Haiti!



antonio prata

 

  Chico Buarque está lançando um disco e o primeiro comentário que leio a respeito, no Facebook, é um elaboradíssimo e original "Vai pra Cuba!".

Curioso. Quando um governo de direta dá errado, a culpa recai sobre o governante. Quando um governo de esquerda dá errado, a esquerda como um todo leva na moleira. (Não interessa aqui se a Dilma fez ou não um governo de esquerda, é assim que o PT se apresenta e assim que é visto por seus detratores).

Posso estar enganado, mas não lembro de, após as presidências do Sarney ou do Collor, pessoas provocarem seus apoiadores com "Vai pro Haiti!", "Vai pra Guatemala!", "Vai pra República Dominicana!" –só pra ficarmos em alguns pesadelos promovidos pela direita centro-americana. Na cabeça dos que gritam "Vai pra Cuba!", a América Central parece ser um oásis de liberdade e bem estar, manchado exclusivamente pela ditadura cubana.

 No discurso de parte da direita brasileira, o Brasil também parece ter sido um oásis de liberdade e bem estar até a chegada do PT ao poder. "Quero o meu Brasil de volta!", exigiam faixas nas manifestações de 2016. Qual Brasil, cara pálida? O da ditadura? O do analfabetismo? O da escravidão?

Impossível fechar os olhos para os erros atrozes e a corrupção vergonhosa que, entre inegáveis acertos, houve durante os governos do PT. É preciso, contudo, separar os males decorrentes das vicissitudes petistas (a crise econômica atual é, sem dúvida, um deles) dos males que nos acompanham desde sempre. Ao se ouvir o que dizem os Bolsonaros, os Felicianos, os Olavos, olavetes e companhia limitada (bem limitada), parece que estamos na Rússia dos anos 1990, comemorando o fim da União Soviética e lutando para reconquistar as liberdades solapadas durante um século de stalinismo.

Na paranoia delirante da "Alt-right" brasileira, a esquerda é hegemônica no país e trama para nos transformar numa Cuba ou numa Venezuela. Está nas escolas, doutrinando nossos filhos, no cinema (bancada pela Lei Rouanet), fazendo a cabeça dos nossos jovens, nas rádios, pela voz de cantores como Chico Buarque, lançando seu veneno ideológico sobre todas as idades.

Se o discurso ficasse circunscrito aos loucos da extrema direita, seria apenas patético, mas ele os extravasa. Atualmente, qualquer pauta minimamente progressista liga a chavinha "Vai pra Cuba!". Se você é contra liberar para mineração um pedaço da Amazônia do tamanho do Espírito Santo: "Vai pra Cuba!". (Dois meses atrás a Noruega –que não é comunista–, indignada com a maneira como o governo vem tratando a Amazônia, cortou pela metade a ajuda financeira que dava no combate ao desmatamento).

Se você é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo: "Vai pra Cuba!" (Casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido nos países capitalistas mais avançados. Gays, aliás, iam para a cadeia em Cuba). Se você é contra a reforma trabalhista da maneira como ela foi proposta: "Vai pra Cuba!". (A Organização Mundial do Trabalho, agência da ONU –que não vem a ser um órgão comunista–, condenou a reforma).

Espalhando a loucura de que há o risco de nos transformarmos em Cuba, a direita hidrófoba nos ajuda a caminhar, cada vez mais rápido, rumo ao Haiti.


FOLHA, AGOSTO 2017

ILUSTRAÇÃO DE ADAMS CARVALHO 

August 29, 2017

Atentado ambiental: Sem uma forte reação, a mineração vai esquartejar a Amazônia



Arnaldo Bloch

Como já foi dito em textos analíticos, a chamada “Constituição Cidadã”, promulgada em 1988, merece, entre outros codinomes, o de “Constituição Ambiental”, tais os avanços no ordenamento jurídico sobre temas como proteção e preservação de florestas, direitos dos povos indígenas, demarcação, deveres da União, biodiversidade, regulamentação das atividades de extração, entre outros. Desde então, com menor ou maior zelo, tais preceitos vinham sendo observados e praticados pelos governantes eleitos democraticamente, quaisquer que fossem suas cores partidárias, seus erros e acertos, seus escândalos.

Mesmo quando iniciativas de alto impacto ambiental estiveram na pauta dos chamados grandes projetos federais ou das propostas de alteração da lei no Congresso, houve debate, diálogo e atenção às manifestações de organismos não governamentais no país e no mundo e de governos estrangeiros associados a investimentos preservacionistas. Chegou-se a temer que a Amazônia caísse na mão dos “gringos”, houve bravatas, mas sempre, de uma forma ou de outra, manteve-se o trilho em equilíbrio.

Quarta-feira passada, Michel Temer descarrilhou o trem na marra, ao ofertar, na base do decreto, uma gigantesca reserva amazônica aos mineradores. “Há quatro grupos estrangeiros interessados”, noticiou-se. Por ironia, essa reserva, extinta por Temer ao estilo militar, foi criada justamente pelo último dos presidentes do ciclo de chumbo, João Figueiredo. Se o medo era de que a gritaria das ONGs e dos governos escondesse intenções nefastas d’além-mar, a objetividade obscena de Temer abriu logo as pernas da floresta para as máquinas entrarem sem muita conversa. Um atentado sem precedentes desde a redemocratização. E um precedente, em si.

O pé fundamentalista desse tipo de terrorismo de Estado está no círculo mais íntimo de Temer. Vem, em especial, da figura do senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o pior está por vir. Sem uma reação forte, a mineração vai esquartejar a Amazônia. Na segunda metade da década de 1980, durante o governo José Sarney, Jucá, na presidência da Funai, celebrizou-se representando o papel de raposa no galinheiro, ao estimular uma selvagem corrida ao ouro nas terras ianomâmi, riquíssimas em reservas minerais.

(Nota pessoal: em minha visita, pelo GLOBO, em parceria com Sebastião Salgado, a aldeias desse povo em 2014, testemunhei que falar o nome de Jucá, principalmente em zonas ainda semi-isoladas, era como evocar um espírito maligno. Vi um velho xamã contar histórias dele como se o político fosse uma criatura mitológica, dentro das narrativas da “fumaça canibal”, alusão às máquinas de garimpo, que, na cosmologia ianomâmi, arrancam da terra o que deve ali permanecer.)

No período em que Jucá reinou, o número de garimpeiros chegou a ser de cinco vezes o de indígenas. Tal época viu uma devastação só comparável à promovida desde os primeiros contatos com a fronteira branca há um século e meio, e dos massacres do período militar. Isso às portas de um Brasil novo.

A virada na História veio quatro anos depois da Constituinte e seis meses antes do ocaso do governo Collor, em 1992, quando foram reconhecidos os 9,6 milhões de hectares dos ianomâmis, maior área contínua demarcada do Brasil, de alta relevância para a proteção da biodiversidade amazônica, e até hoje guardada por tribos que ainda têm pouco contato com a cidade.

Para usar, no sentido inverso, um termo caro ao grupo Temer, em especial a Jucá, criador da expressão, Fernando Collor, quem diria, “estancou a sangria”. E, agora, quando a sangria da Lava-Jato vai estancando lentamente, como previsto na chamada “Solução Temer”, o presidente, após ter comprado a peso de ouro os votos que o livraram de investigação formal do STF, fica livre para baixar seu “pacote de maldades” e descer o pau na Amazônia.

Mas voltemos a Jucá. Mesmo com a demarcação vitoriosa, o bravo senador jamais desistiu. De olho ávido no artigo 176 da Constituição, que libera a exploração com legislação específica (nenhuma constituinte é perfeita...), Jucá propôs o projeto de Lei 1.610, que, felizmente, ficou parado por 16 anos mesmo tendo sido aprovado no Senado. Um substitutivo de 2012 teve por relator o deputado Édio Lopes, do mesmo PMDB-RR de Jucá, historicamente ligado ao garimpo. Até recentemente, estava em fase adiantada de tramitação, sob a mesma relatoria. Enquanto isso, 54,8% da superfície ianomâmi estão requisitados por mineradoras.

Tem mais: a filha de Jucá, Marina, é sócia majoritária da Boa Vista Mineração, que tem 90 mil hectares ali requeridos. Além disso, tramita a PEC 215, determinando a revisão das demarcações em aberto e das homologadas, o que vai contra a Constituição. Mas, no paraíso das PECs, quem se importa? Com Temer no comando e Jucá no leme, e sem uma resistência eloquente, a mineração pode comemorar, pois no Brasil ninguém vai para a rua protestar por causa de floresta. A extinção da atual reserva (que, aliás, tem sete unidades de terras indígenas), na fronteira entre Pará e Amapá (olha o Sarney aí, gente) tem jeito de aperitivo antes de o inferno tomar conta da mata virgem, patrimônio nosso e da Humanidade.

O GLOBO, AGOSTO 2017

August 28, 2017

Indenizações a vítimas de naufrágio encalham na Justiça



por

August 24, 2017

Atropelamentos são metáforas perfeitas para os dias que vivemos


Fred Coelho

1. Ele acorda e sabe que suas vontades serão lei. Ele é a lei. Ou ao menos a lei que só ele e seus pares conhecem. Lei que ignoramos, pois não sabemos dos incisos, das exceções, das brechas. Mesmo com chuva e frio, tudo ocorrerá como se um sol (de eclipse?) brilhasse sob os seus passos. Reuniões poderosas agitam seus fins de semana. Sentados em belo sofás, vivem a sensação rara de saberem que suas decisões alteram destinos nacionais. Como não sucumbir ao devaneio do ego? Como não se sentir acima de tudo? Ele é a lei.

2. Em “A hora da estrela” (1977), Macabéa vive um tempo suspenso. Sem passado que lhe funde e sem presente que lhe signifique, só o futuro ignorado e incerto pode apresentar alguma possibilidade de sobrevivência. Clarice Lispector faz o gran finale de um romance perfeito dando à personagem o direito a um futuro promissor. Na mesa da Cartomante de Olaria, um estrangeiro surge no horizonte, com dinheiro e amor para a pobre mulher que ocupa “o pardo pedaço da vida imunda”. Mas eis que, ao sair rumo ao futuro, é atropelada. O destino estrangeiro se confirma no Mercedes-Benz que se choca contra seu frágil corpo. Macabéa nunca tinha aspirado um futuro, mas sabia que só ele garantia o cotidiano árido da Rua do Acre. Quando ele finalmente se torna promessa, a vida cessa. “Quanto ao futuro”, diz a autora em um dos 13 outros possíveis títulos do romance. Quanto ao futuro, ninguém mais sabe.

3. Ele se senta em sua mesa e envia mensagens. Algumas delas já foram até mesmo vazadas pela imprensa. Mas e daí? Ele é a lei. Sabe que privado e público é uma questão de perspectiva. Com a tenacidade dos donos da verdade, entende a liberdade como direito fraterno, e não se furta em soltar de prisões justamente aqueles que parecem mais enrolados com a lei. Mas, se ele é a lei, quem decide isso? Se não se pode desejar uma sociedade justiceira cuja prisão se torna resposta para tudo, muito menos se pode aceitar uma sociedade em que a prisão é apenas para os que não têm amigos na lei. A injustiça social do país se torna a cada minuto mais destruidora de vidas e gerações. Se já não bastam todas as manchetes políticas girarem ao redor de dinheiro (para campanhas, para emendas parlamentares, para partidos sem voto, para cargos) e todas as manchetes sociais afundarem ao redor de violências (recordes de estupro, linchamentos, mortes por crime ou por inépcia do Estado), lá está ele, envolto em capas e mantos e frases que flutuam em sua força inexplicável.

4. Em 1968, nove anos antes de Clarice parir a vida e morte muda de Macabéa, Gilberto Gil compôs a canção “Ele falava nisso todo dia”. É a história e um rapaz de vinte e cinco anos que só pensava em garantir o futuro de sua família. A sina de uma vida insegura quanto ao porvir simultaneamente espirala outros destinos. Se morresse cedo, “o seguro de vida, o pecúlio” trariam “a certeza do dever cumprido”. Não faltar aos seus, eis a meta. Como Macabéa, só há a possibilidade de futuro com uma morte silenciosa na linha do horizonte. A letra da música diz que “se morresse ainda forte, um bom seguro era uma sorte pra família”. Morrer com um seguro de vida, no final das contas, vira loteria. O futuro que se promete é, novamente, vazio de presença. Na verdade, o rapaz de vinte e cinco anos poderia estar saindo da cartomante em Olaria, já que “hoje ele morreu atropelado em frente à companhia de seguros”. Oh, que futuro.

5. Ele não se importa com o futuro. Os dias que virão serão sempre iguais ao presente que será sempre igual ao passado. Nada se move para a frente. O que se avança, ele sabe que o atraso alcança. Ele é um intervalo de vida. Ele entope a veia de uma possível renovação. Não o conheço, não sei nem exatamente quem é. Mas todo dia ele acorda e dorme com a consciência tranquila de que faz de tudo para salvar seus privilégios. Para selar uma concepção tacanha e mesquinha de país. Ele pode estar em qualquer lugar. Não irá na cartomante, não desejará uma nova chance de porvir, pois ele é a lei. A verdade do tempo e do espaço tem, em seus dedos, boca aberta e caneta ligeira, o ponteiro e o compasso. Não o conheço. Mas sinto o hálito podre dele em todos os lugares.

6. Macabéa e o rapaz de vinte e cinco anos não viram o futuro prometido. Morreram antes das promessas do mundo para si ou para os seus. Para ela, um novo tempo de amor. Para ele, a preservação de uma dignidade pós-morte. Ambos, atropelados, viram seus sonhos frustrados. No caso do rapaz, não sabemos se ele morreu antes ou depois de ter feito o seguro. Fica a dúvida com a ponta de tristeza sobre o fracasso de seus planos. Na hora de sua morte, Macabéa vislumbra o capim. Já o rapaz de vinte e cinco anos vislumbra o instante vazio.

Atropelamentos são metáforas perfeitas para os dias que vivemos. Nem sabemos mais de onde vêm os bólides que passam por cima de nós, todos ao mesmo tempo. Sabemos apenas que, de alguma forma, ele está com uma das mãos no volante.


August 20, 2017

Reabilitando o sono


José Eduardo Agualusa

Na passada terça-feira desembarquei em São Paulo, numa madrugada glacial, zonzo e trôpego como um zumbi, mas ainda com menos vida e menos alma, depois de dez horas fechado na sufocante classe econômica de um avião da TAP. É em alturas assim que percebemos a importância de uma boa noite de sono.

Nos dias de hoje, os aviões são os territórios onde a luta de classes é mais explícita. Há algumas semanas compreendi totalmente o significado da frase, com um sabor já um tanto arcaico, “opção de classe”. Ainda antes do avião decolar fui abordado por uma das aeromoças. O comandante — meu patrício e meu leitor — convidava-me a ascender à classe executiva. Perguntei se a minha namorada poderia ir comigo. Não, pois havia um único lugar vago na executiva. Naturalmente, recusei. A minha opção de classe foi, afinal, uma opção de amor. Confesso que se me encontrasse sozinho, e tendo de enfrentar um voo noturno de dez horas, eu optaria por viajar com a burguesia. O que invejo mais na burguesia é o direito ao espaço. Ah, poder livremente mover os braços! Poder reclinar a cadeira, esticar as pernas, espreguiçar-me como um felino ao sol.

Cheguei exausto a São Paulo, e logo nessa noite tive de enfrentar uma atenta plateia de leitores. Tenho alguma desconfiança, misturada com admiração, por aquelas pessoas que quase não precisam dormir. Tenho ainda mais admiração pelas outras que, precisando muito dormir, como eu, conseguem adormecer em qualquer lado e em qualquer situação. O atual presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirma não precisar de dormir mais de quatro horas por noite, aproveitando o resto do tempo para ler e escrever. Não há como não o invejar. Mas sempre invejei mais um outro presidente português, Mário Soares, que ganhou fama de conseguir adormecer em qualquer circunstância — inclusive enquanto o entrevistavam.

Morrendo de sono, diante dos bravos leitores que haviam atravessado aquela gélida noite paulista para me escutar, lembrei-me de um poeta sul-africano que conheci, há muitos anos, em Berlim. Eram, na verdade, três poetas. Cada um deles estava sentado a uma pequena mesa branca. A sala permanecia na obscuridade, com excepção de três focos, colocados sobre cada uma das pequenas mesas. Uma jornalista alemã apresentava os poetas, numa dissertação longa, árida e monótona, que a mim me fez lembrar as infinitas estradas que atravessam o deserto da Namíbia. Ao fim de quinze imensos minutos, a plateia inteira cabeceava de sono. Eu próprio estava prestes a adormecer quando me dei conta, incrédulo, de que um dos poetas pousara a cabeça nos braços, e roncava. O inédito da situação despertou o público. A apresentadora terminou o seu discurso e dirigiu a primeira pergunta ao poeta adormecido. O poeta retorquiu com um áspero ronco. A jornalista, assustada, muito nervosa, levantou a voz, repetindo a pergunta. Nada. O poeta sonhava, impassível, debruçado sobre o puro esplendor da mesa. Então a mulher ergueu-se e gritou ao ouvido do poeta. Este acordou estremunhado, olhou-a de alto a baixo, e disse: “A essa pergunta, eu não respondo”.

Levantei-me para o aplaudir.

Durante séculos o sono foi visto como uma incompreensível perda de tempo, quase um vício, e os seus cultores mais apaixonados, desprezados como mandriões. Nos últimos anos, felizmente, a ciência vem reabilitando o sono. Ratinhos de laboratório impedidos de dormir morreram, por falência do sistema imunitário, em menos de dez dias. Nada de surpreendente. Não deveria ser preciso assassinar ratinhos para demonstrar algo tão evidente. A tortura do sono é utilizada desde há muito tempo em regimes totalitários e presumíveis democracias, para quebrar os prisioneiros sem deixar marcas físicas.

Num estudo levado a cabo pela Universidade de Chicago, em 2015, um grupo de homens saudáveis, com idades entre 18 e 27 anos, foi impedido de dormir mais de quatro horas durante seis dias. Ao fim desse tempo, o seu organismo estava tão desgastado quanto o de pessoas 40 anos mais velhas. A insulina no sangue descera para níveis semelhantes aos de portadores de diabetes.

Não dormir envelhece. Esta, a principal conclusão de todos os estudos sobre o tema. A outra desventura, ainda que não mencionada em nenhum desses estudos, é que quem não dorme, não sonha. Sendo um grande dorminhoco, eu sonho muito. E sonhar, como tento explicar em entrevistas e nos encontros com os meus leitores, é parte do meu ofício: costumo sonhar com enredos, com personagens, com diálogos e até com os títulos dos meus romances. Privado do sono, privado dos sonhos, não só me arrisco a envelhecer rapidamente e sem glória, como, ainda pior, definharei enquanto escritor.

Ah! Só quero uma boa cama, um travesseiro com plumas de ganso. Deixem-me dormir, dormir, dormir. Deixem-me dormir até chegar o verão.

(o globo, julho 2017)


August 19, 2017

Chico e os nazistas: o papo nas redes tem feito pouco sentido


sérgio rodrigues


Haverá algo em comum entre a polêmica em torno de um verso do Chico Buarque e a discussão sobre o nazismo ser ou não ser "de esquerda"? Digo, algo além do fato de serem tais tópicos ervas daninhas cognitivas que vicejaram recentemente na internet, esse imenso jardim botânico de mato?

É difícil falar do contemporâneo, do agora. Às vezes gosto de fazer um exercício de imaginação: que elementos destacaria um escritor do futuro que quisesse reconstituir a atmosfera cultural do nosso tempo?

A maior mágica da ficção é a capacidade de criar um universo com três varetas, dois palmos de tecido e um pedaço de barbante. Mais do que possível ou desejável, essa miniaturização é obrigatória.

O uso de poucos elementos escolhidos com arte está na base da criação de mundos imaginários. O mundo real é vasto e tumultuoso demais para fazer sentido.

Ao ser tratado como "de época", o presente absurdo em que estamos mergulhados, com o nariz grudado demais na tela para discernir o plano geral da obra, pode revelar linhas de força interessantes.

Desconfio que uma delas, segundo aquele ficcionista ficcional que escreve seu romance histórico em, digamos, 2117, seja a alarmante perda de foco que a comunicação em rede trouxe aos nossos papos.

Não se trata de fazer o elogio nostálgico da velha comunicação de massa, com sua via de mão única entre emissor e receptor, vista hoje –com razão– como pouco democrática.

No entanto, passou da hora de dar por encerrado o oba-oba que marcou os primeiros anos do século 21, com sua crença ingênua no voluntarismo amador como produtor dos conteúdos necessários ao aprimoramento da vida no planeta.

É importante reconhecer que a passagem do vertical para o horizontal, do concerto estruturado de vozes "eleitas" para o zunzum indistinto das multidões, trouxe novos problemas e desafios cascudos.

A discussão pautada por redes sociais e caixas de comentários tende a ser filistina e infantil. Pegou a deixa dos estudos culturais e, barateando um pouco mais o que nunca foi tão caro, acha que a arte se resume ao conteúdo sociológico excretado involuntariamente por um "lugar de fala".

Essa é a parte do filistinismo, da insensibilidade ao que a arte tem de propriamente artístico. O infantilismo aparece nas "lacrações" que vêm em seguida. E tome de "ai, que decepção, Chico!"

Além de filistina e infantil, a discussão pautada por redes sociais e caixas de comentários sabe ser bizantina e desonesta. Dá importância descabida a filigranas tiradas de seu contexto histórico –"oh, a palavra socialismo está embutida na palavra nazismo!"– em nome de um "debate ideológico" que de debate não tem nada.

Nosso escritor do século 22 é um artista sério e não quer atribuir nenhum desses problemas à falta de caráter ou de inteligência deste ou daquele personagem. Por temperamento, acha que a maioria da humanidade tem as melhores intenções.

Sabe, porém, que o tal Zeitgeist, o poderoso Espírito do Tempo, leva tudo de roldão. Não faz ideia de como um país esfolado, rachado, exausto e desprovido de um mínimo projeto de nação vai chegar a um acordo consigo mesmo em meio a uma barulheira dessas.

Tentará pensar em algo quando for a hora de escrever esse capítulo.


‘Game of Thrones’ used to be all about the journey. Now it’s about the destination.






The boats and horses on “Game of Thrones” are moving faster than ever. On Sunday night’s episode, Daenerys dispatched Tyrion and Davos to King’s Landing and, moments later, the men were rowing to its shores. But that was just the start of Davos pinballing around Westeros. During the same episode, he wandered around Flea Bottom, returned to Dragonstone and, most preposterously, made it all the way north to Eastwatch and beyond.


“Game of Thrones” has always taken liberties with the passage of time, but the itinerary Davos followed was still laughably efficient. This kind of voyage used to take characters a season or two to complete, and the journeys were harrowing, riddled with enemies and obstacles. Now Jon Snow can snap his fingers in Dragonstone and end up next to his old pal Tormund at the Wall moments later. (The White Walkers, meanwhile, are total lollygaggers, in no apparent hurry to annihilate mankind.)


In past seasons, journeys facilitated disarmingly funny or poignant moments. For every Battle of the Blackwater, there was a lot of aimless meandering that led unexpectedly to exciting adventures or meaningful alliances: Arya and Gendry bonding while sneaking away from King’s Landing or Jon Snow searching for Benjen but meeting a spunky redhead named Ygritte instead.

During the final episodes of any action-packed series, the pace inevitably quickens. But we lose something when the story becomes entirely goal-oriented. This season, journeys have been interrupted only to introduce more action — the battle of the Greyjoys, the Loot Train rout — or throw in a prominent stunt cameo.


But in past seasons, the wandering has delivered much more. Here’s a look at some of the standout trips and what they added to the show.

Arya and the Hound hit the road

The foul-mouthed fighter and his impish captive/sidekick were on the road together for multiple seasons. First they were headed to the Twins so the Hound could ransom Arya to her brother, Robb. But, after stumbling onto the Red Wedding, the Hound had to rethink his plan. So it was off to the Eyrie to unload the girl on her aunt. But the pair’s timing was never very good: Lysa Arryn had just died, too. After everything, Arya’s response to the news of the death was understandable.


The Arya-and-Hound Show became like a buddy comedy within the larger drama. It wasn’t moving the plot forward much, but it did add layers, making Joffrey’s former bodyguard more sympathetic while showing Arya’s growing thirst for vengeance. The companions found action along the way, killing some of the king’s men — and giving Arya the chance to cross a name off her list — but mostly they supplied entertainment, as they debated the merits of sword naming and water dancing, and the Hound came up with more and more inventive ways to employ the mother of all bad words.

Their journey ended in an unexpectedly poignant moment when the Hound, horribly wounded by Brienne of Tarth, begged Arya to put him out of his misery and kill him. Instead, she walked away. Was her decision cold-hearted or kind? It’s hard to say, though her intentions might become clearer if the two ever meet again. (And, considering Arya can now best Brienne in a sword fight, he might want to watch his back.)

Brienne and Jaime become hostages — and friends

Going into season two, Jaime didn’t have a great reputation. As far as the audience knew, he was just an incestuous kingslayer who tried to kill a little boy. But his travels in season two, when he and Brienne were captured by Locke and Bolton’s men, changed that. If you didn’t feel bad for him after Locke chopped off his hand — just after saving Brienne from getting gang-raped — then you at least had to admit he became more likable once he explained why he murdered King Aerys. He did it to save not just his father, but the whole city, which the Mad King wanted to set ablaze with wildfire.

Jaime further redeemed himself by rescuing Brienne from certain death in the bear pit at Harrenhal. It was always clear that Brienne was an honorable person who kept her promises, but it wasn’t until she and Jaime were tied up together on a single horse that his sense of moral duty came into focus.


Daniel Portman as Podrick Payne and Gwendoline Christie as Brienne of Tarth in HBO’s “Game of Thrones.” Foto de: Helen Sloan/HBO


Brienne and Podrick search for the Stark girls

Brienne and Podrick’s relationship is like a less foul-mouthed version of the Arya-Hound bond: There’s a lot of great one-liners, a bit of killing and the occasional heart-to-heart — but with fewer four-letter words. In such a dark universe, where characters will stop at nothing for a bit of power, the Lady and her squire are a glimmer of light. Their mission is clear and, although Brienne gives Podrick a hard time, they have a sweet bond that’s evolved over time. Podrick started out as the hapless helper of an ice queen, but she’s taught him to be a better fighter and even opened up about her vulnerabilities along the way. The pair have also stumbled onto some major action, first when they caught up with Arya and the Hound, and then when they rescued Sansa and Theon from Ramsay Bolton’s men and dogs.

Ned and Robert head to King’s Landing

The first big journey of the show took place at the beginning of the first season when King Robert persuaded Ned Stark to leave Winterfell and become Hand of the King. On the way to King’s Landing, the men took a break so Robert could have a feast, and the old friends had a lengthy conversation that not only set the stage for many plot points to come but also gave the audience a sense of what an upstanding guy Ned was.

When Robert brought up the identity of Jon Snow’s mother, Ned’s jovial demeanor suddenly shifted.

“She must have been a rare wench to make Lord Eddard Stark forget his honor,” Robert said. “You never told me what she looked like.”

“Nor will I,” Ned responded.

Of course, now we know Jon Snow isn’t really Ned’s at all, but the son of his sister and Rhaegar Targaryen. Ned would never forget his honor.


When Robert shifts the conversation to doing away with Daenerys Targaryen, who has just wed Khal Drogo, Ned says, “Tell me we’re not speaking of this.” But Robert is still set on revenge against whatever Targaryens he can find ever since Rhaegar supposedly stole away his betrothed, Lyanna Stark.

The scene ends on an ominous note that predicts the inevitable darkness to come.

“There’s a war coming, Ned,” Robert says. “I don’t know when. I don’t know who we’ll be fighting, but it’s coming.”

Sam and Gilly escape the North

Sometimes a journey — especially one north of the Wall — means crossing paths with a White Walker. That’s what happened to Sam, who defended Gilly with a dragonglass dagger. As it turned out, Sam’s a pretty heroic guy. But more importantly: Dragonglass kills White Walkers? Well, that’s useful information.

August 18, 2017

Porto Maravilha, a caixa-preta bilionária


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August 8, 2017

Rio de Janeiro: Sacrifícios aos deues da guerra


Ignacio Cano, O Globo

Desde 2016, o Rio de Janeiro sofre um crescimento significativo da violência, que tem sido acompanhado por um aumento drástico das mortes em intervenções policiais e da vitimização policial.

O cenário continuou se agravando em 2017, com cidadãos sendo atingidos por balas perdidas em escolas, nas suas casas e em espaços públicos.

Nos primeiros cinco meses de 2017, os mortos em ações policiais aumentaram 47% em relação aos mesmos meses do ano anterior, e os policiais feridos em serviço cresceram 38%.

Paralelamente, a política de segurança, que oscilou nos últimos anos entre o modelo da redução dos confrontos associado à UPP e o modelo tradicional da guerra ao tráfico, parece se inclinar cada vez mais na direção deste último, em parte pelo contexto cada vez mais violento e em parte pela tendência tradicional dos gestores fluminenses para, em tempos de crise, voltarem aos velhos e fracassados costumes.

Nada simboliza essa evolução melhor do que o Complexo do Alemão, onde os confrontos têm sido constantes, enquanto a Polícia Militar optou pela construção de torres blindadas, algumas das quais já custaram a vida de vários moradores e policiais. Tudo isso para poder manter a ocupação do território por parte de uma UPP que, supostamente, deveria estar desenvolvendo uma polícia de proximidade.

Essas operações geram um alto custo social para as comunidades, tornando a vida cotidiana um inferno. Parte da literatura que aborda a violência policial se refere aos moradores de favelas como “matáveis”, considerados, no melhor dos casos, como baixas colaterais aceitáveis numa “guerra” sem fim.

Entretanto, quando mandos policiais consideram a morte de vários policiais um custo aceitável para instalar uma torre, está na hora de que esses mesmos autores incluam também os policiais nessa categoria de “matáveis”.

De fato, os estudos mostram que os policiais nesses contextos sentem que suas vidas não possuem valor, de forma que, mortos são, como os traficantes, simplesmente substituídos sem maior comoção social ou institucional.

Inclusive desde uma ótica estritamente militar, que infelizmente parece ainda predominante, essas operações se revelam um erro grosseiro, pois trocam pequenas vantagens táticas, como manter a presença em determinados locais, pelas vidas de policiais e moradores e por grandes perdas estratégicas, como alienar as populações às quais se deseja, supostamente, proteger e cuja colaboração é essencial para o trabalho policial.

Daqui a alguns anos, o fato de a polícia ter permanecido alguns meses a mais nessas vielas será absolutamente negligenciável do ponto de vista estratégico para a segurança dos cidadãos, mas as famílias de moradores e policiais continuarão chorando sua perda.

A continuidade de confrontos policiais no entorno das escolas constitui outro exemplo dessa trágica incapacidade de calcular relações de custo-benefício socialmente razoáveis.

Por outro lado, algo começa a se mexer no sistema de justiça criminal. A sentença judicial obrigando a um plano de redução de danos nas operações policiais na Maré, a nova postura do MP em relação às intervenções no Alemão e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determina um plano de redução da letalidade nutrem a esperança de que o poder público possa um dia parar essa insanidade e instaurar uma política que preze pela proteção dos cidadãos e não pelo seu sacrifício no altar dos deuses da guerra.

Polícia Militar do Rio de Janeiro (Foto: Wania Corredo / Agência O Globo)]
(Foto: Wania Corredo / Agência O Globo)

Ignacio Cano é coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj


August 5, 2017

Redução da tarifa não é populismo

Pablo Ortellado




Em junho de 2013, milhares de paulistanos saíram às ruas exigindo a revogação dos aumentos nas tarifas de transporte. Os protestos se nacionalizaram, ampliaram a pauta e reorganizaram a vida política do país. Mas, passados quatro anos, sua reivindicação original permanece órfã.

O prefeito de São Paulo, João Doria, anunciou que vai limitar o passe livre estudantil, um benefício concedido por Haddad em 2014, ainda sob o impacto dos protestos, e ampliado depois, em 2016. Desmobilizados pelas férias escolares e divididos entre partidários e autônomos, os secundaristas tentam resistir.

Parece intrigante que a reivindicação mais explícita das manifestações de junho não tenha sido ainda incorporada pelos partidos brasileiros. Alguns motivos explicam essa estranha situação.

O fato de protestos contra a tarifa terem dado início ao terremoto de 2013 é ainda, para grande parte dos analistas, um enigma. O motivo é que passou despercebido, para a imprensa e para a academia, os dez anos de revoltas de transporte que começam com a Revolta do Buzu, em Salvador, em 2003, e passam pelas duas Revoltas da Catraca, em Florianópolis, em 2004 e 2005, e pelas revoltas de 2005, 2011 e 2012 em Vitória. Se colocarmos junho de 2013 nessa longa sequência de revoltas de transporte deflagradas por protestos de jovens, sua gênese não é estranha.

Além disso, o tema foi muito estigmatizado pela esquerda institucional que atribui às manifestações de 2013 a derrota eleitoral de Haddad e o "despertar" da direita que contribuiu para a queda de Dilma.
Com a incompreensão da amplitude da reivindicação pela redução das tarifas e com a má vontade do principal partido da esquerda, o aumento do subsídio ao transporte público quase desapareceu da agenda. Nas últimas eleições foi o candidato liberal, João Doria, quem se comprometeu a não aumentar a tarifa e ampliar o subsídio, o que vem revertendo de maneira disfarçada, com aumentos em modalidades de tarifas compostas e a limitação de benefícios como o passe livre.

Poucas políticas podem ser menos heterodoxas do que aumentar o subsídio ao transporte público. A população vem sistematicamente exigindo a redução da tarifa, e nosso nível de subsídio é bem abaixo do padrão europeu e mesmo de países latino-americanos. Há também um consenso cada vez maior no urbanismo sobre o papel do transporte como direito-meio, que permite o acesso à educação, à cultura e ao trabalho.

Os partidos em geral ignoram e a imprensa trata o tema como populismo, mas já está na hora de romper esse consenso mal-informado e incorporar a mobilidade urbana como um direito da cidadania.


FOLHA DE SÃO PAULO