Flávia Oliveira
‘13 reasons why’ força o debate sobre o-que-se-passa-com-nossa-juventude e famílias desconhecem
Poucas cenas de cinema ou TV foram, simultaneamente, mais tristes, perturbadoras, dolorosas, inconvenientes e pedagógicas que a sequência do suicídio de Hannah Baker, papel de Katherine Langford na série “13 reasons why”. Assunto da vez do Netflix, a produção se baseia no best-seller “Os 13 porquês”, de Jay Asher, obra carregada das dores da adolescência e seus efeitos numa jovem que ninguém do círculo de convivência quis ou foi capaz de reconhecer como frágil, solitária e/ou mentalmente transtornada. A narrativa é escancarada. Enfileira episódios de bullying, violação de privacidade, violência de gênero, LGBTfobia, estupro cometidos por alunos de uma escola de nível médio dos EUA. Assim, força o debate sobre o-que-se-passa-com-nossa-juventude e pais, amigos, educadores desconhecem.
“13 reasons why” é série para ser vista e discutida na mesa de jantar e na sala de aula. É útil porque explicita situações que adolescentes de todas as gerações já experimentaram como vítimas ou algozes. Não por acaso, os personagens do século XXI desfilam com referências do passado: jaqueta de couro, fita cassete, gilete. É difícil que alguém no planeta tenha chegado à vida adulta sem enfrentar, testemunhar ou tomar conhecimento de ao menos uma das situações apresentadas nos 13 episódios. No Brasil, 15% dos meninos e meninas de 15 a 17 anos estão fora da escola. A convivência hostil com os colegas pode estar entre os motivos.
Embora o Netflix tenha preferido abordar o bullying na ação de lançamento no Brasil, foi o suicídio de Hannah que dividiu audiência e especialistas, tanto aqui quanto nos Estados Unidos. Lá é a terceira causa de morte de jovens. Adolescentes são grupo de risco, porque transtornos como depressão, bipolaridade, esquizofrenia ou uso abusivo de drogas costumam se manifestar nessa época da vida, explica o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, professor da UFRJ: “É um período de alta vulnerabilidade. O melhor a fazer é debater abertamente”.
Houve quem criticasse a série pelo efeito contágio, com base em casos emblemáticos da literatura (“Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, é o exemplo mais famoso) e do mundo das celebridades (Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Robin Williams), que, mal abordados, desencadearam outros atentados contra a própria vida. Alguns denunciaram difusão do método, apologia ou idealização do ato. Semanas atrás, num curso on-line para jornalistas, a Organização Pan-Americana de Saúde apresentou um rol de recomendações à cobertura midiática de suicídios. Não tratar como heroísmo, não detalhar método ou local, não romantizar estão entre as sugestões.
A crueza com que o suicídio de Hannah é exibido — a quem conseguiu ficar de olhos abertos durante a cena — não tem como ser interpretada como apologia. A dor física e o sofrimento mental da jovem são evidentes; a reação dos pais, devastadora. Não à toa, as ligações para o CVV (número 141) dispararam no país desde a estreia da série. “13 reasons why” acerta ao apresentar a agonia dos que ficam. Um suicídio afeta pelo menos outras seis pessoas de convívio direto com o autor. Quem se mata não sabe disso; quem pensa em se matar deve saber. “O trauma é insuperável. A compreensão do sofrimento da família costuma ajudar na prevenção”, completa o psiquiatra Nardi.
“13 reasons why” peca por não tratar explicitamente da depressão aguda da protagonista; em 97% dos casos os suicidas tinham quadro psiquiátrico diagnosticado, informa Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (Apal) e diretor-tesoureiro da Associação Brasileira de Psquiatria (ABP). Não traz diálogos sobre como o desfecho pode ser evitado, tampouco informa que raramente a morte vem na primeira tentativa. Assim, a rede de proteção costuma ter tempo para agir. A sociedade foi preparada para identificar e atender males físicos — ao menor sinal de febre, a escola aciona a família — mas não aprendeu a lidar com as dores da alma. Se a série abrir as janelas desse ensinamento, terá valido a pena.
“13 reasons why” é série para ser vista e discutida na mesa de jantar e na sala de aula. É útil porque explicita situações que adolescentes de todas as gerações já experimentaram como vítimas ou algozes. Não por acaso, os personagens do século XXI desfilam com referências do passado: jaqueta de couro, fita cassete, gilete. É difícil que alguém no planeta tenha chegado à vida adulta sem enfrentar, testemunhar ou tomar conhecimento de ao menos uma das situações apresentadas nos 13 episódios. No Brasil, 15% dos meninos e meninas de 15 a 17 anos estão fora da escola. A convivência hostil com os colegas pode estar entre os motivos.
Embora o Netflix tenha preferido abordar o bullying na ação de lançamento no Brasil, foi o suicídio de Hannah que dividiu audiência e especialistas, tanto aqui quanto nos Estados Unidos. Lá é a terceira causa de morte de jovens. Adolescentes são grupo de risco, porque transtornos como depressão, bipolaridade, esquizofrenia ou uso abusivo de drogas costumam se manifestar nessa época da vida, explica o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, professor da UFRJ: “É um período de alta vulnerabilidade. O melhor a fazer é debater abertamente”.
Houve quem criticasse a série pelo efeito contágio, com base em casos emblemáticos da literatura (“Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, é o exemplo mais famoso) e do mundo das celebridades (Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Robin Williams), que, mal abordados, desencadearam outros atentados contra a própria vida. Alguns denunciaram difusão do método, apologia ou idealização do ato. Semanas atrás, num curso on-line para jornalistas, a Organização Pan-Americana de Saúde apresentou um rol de recomendações à cobertura midiática de suicídios. Não tratar como heroísmo, não detalhar método ou local, não romantizar estão entre as sugestões.
A crueza com que o suicídio de Hannah é exibido — a quem conseguiu ficar de olhos abertos durante a cena — não tem como ser interpretada como apologia. A dor física e o sofrimento mental da jovem são evidentes; a reação dos pais, devastadora. Não à toa, as ligações para o CVV (número 141) dispararam no país desde a estreia da série. “13 reasons why” acerta ao apresentar a agonia dos que ficam. Um suicídio afeta pelo menos outras seis pessoas de convívio direto com o autor. Quem se mata não sabe disso; quem pensa em se matar deve saber. “O trauma é insuperável. A compreensão do sofrimento da família costuma ajudar na prevenção”, completa o psiquiatra Nardi.
“13 reasons why” peca por não tratar explicitamente da depressão aguda da protagonista; em 97% dos casos os suicidas tinham quadro psiquiátrico diagnosticado, informa Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (Apal) e diretor-tesoureiro da Associação Brasileira de Psquiatria (ABP). Não traz diálogos sobre como o desfecho pode ser evitado, tampouco informa que raramente a morte vem na primeira tentativa. Assim, a rede de proteção costuma ter tempo para agir. A sociedade foi preparada para identificar e atender males físicos — ao menor sinal de febre, a escola aciona a família — mas não aprendeu a lidar com as dores da alma. Se a série abrir as janelas desse ensinamento, terá valido a pena.
No comments:
Post a Comment