June 29, 2009

Desconstruindo musicalmente Michael Jackson

Luiz Romanholi

Duas ou três coisas que sei de Michael Jackson.

Se tiverem saco de ler...

A parada é a seguinte. Michael Jackson era um menino quando começou a carreira. Eles gravaram por selos independentes antes de estourar na Motown. Quando o Jackson 5 foi lançado pela Motown, as quatro primeiras músicas lançadas em compacto chegaram ao topo da parada americana. Numa enfiada só. De uma hora pra outra, aos 11 anos, ele era um "femônemo", aparecendo direto na TV. Ora, como um moleque de 11 anos faria arranjos e dirigiria a concepção musical da própria carreira. Ainda mais na Motown, que era uma linha de produção inspirada na Ford e onde quem decidia tudo eram os arranjadores e produtores? Stevie Wonder e Marvin Gaye levaram anos para ter autonomia lá dentro.

Quando o Jackson 5, já como The Jacksons foi pra Epic (selo da CBS), foi gravar com Gamble & Huff, da gravadora Philadelphia International, àquela altura responsável pelo som "novo" do momento, um estilo que daria na disco music. Foi por ali que ele começou a fuçar com produção e entendeu que precisaria ser dono do próprio nariz (coisa que ele levaria a um extremo infeliz).

Em 1979, ele lançou "Off the wall". O disco levou o MJ para um novo patamar de popularidade. Ele ficou satisfeito com o resultado, prinicipalmente musical, mas decidiu que queria ser mais, queria ser um ícone. Queria ser igual aos Beatles e a Elvis. A conclusão foi que ele precisaria "se fabricar". Entre "Off" e "Thriller" (82), ele passou por uma reformulação. Fez plástica. Passou a ter aulas de dança com o Jeffrey Daniels, cantor e dançarino do Shalamar. Daniels fez parte do Electric Boogaloos, grupo de dança de rua que ficou famoso no começo da cultura hip-hop e do break dance. Foi o Daniels que ensinou o "moon walk" pro MJ. Aliás, ele conta que "moon walk" era o nome que batizava outro passo de dança. O nome correto do passo era "slide". O MJ rebatizou. Daniels conta que o MJ ficava horas praticando e filmava suas coreografias, aperfeiçoando cada movimento. Paralelamente a isso, ele mudou o visual. Notem que ele pegou emprestado o visual de dois caras que estavam bombando no momento: Prince e Rick James. Some-se a isso os movimentos do break reempacotados e o movimento de perna de Elvis adaptados e temos uma coisa absolutamente nova. E, claro, amarrado dentro do conceito dos clipes.

Do ponto de vista musical, "Thriller" bebeu muito de Prince, Rick James e Junior ("Mamma used to say" é citada por ele em "Billy Jean", se não me falha a memória). Esses três misturavam funk com rock. Aqui vale um parênteses. Michael Jackson era um cantor de funk, não de soul. Sua divisão rítmica é de funk. É um estilo mais agressivo, menos suave, sem arestas aparadas. Ele canta baladas muito bem, mas arrebenta mesmo cantando funk. The Jacksons era um grupo de funk. Assim como a sua dança: ele dançava "dentro" da música, como se fosse um instrumento a mais, resultado de James Brown + break dance. Junte a isso tudo o talento do cara para compor hits, a genialidade do Quincy Jones e uma estratégia de marketing perfeita e temos algo comparável, sim, a Beatles e Elvis. Não à toa, ele comprou os direitos das músicas do primeiro e casou com a filha do segundo. Sintomático. Michael "Thriller" = Beatles + Elvis + James Brown + Motown + Jackie Wilson + new wave.

Uma historinha que amarra mais ainda essa relação entre ele e Elvis e Beatles. Esses dois foram protagonistas de momentos marcantes na história da televisão, da música e da cultura pop: suas aparições no Ed Sullivan Show pararam e chocaram (no caso de Elvis) o país. Michael também teve o seu momento. Foi no show de 25 anos da Motown, em 1983. Ele já era da Epic e a Motown pediu para liberá-lo para o show, transmitido pela NBC (se não me engano) e visto por 47 milhões de pessoas. A CBS respondeu: só se ele puder cantar uma música do disco novo. A Motown topou. O que se viu foi um espanto: pela primeira vez a coreografia de "Billy Jean", com direito a "moon walk", luvinha branca, calça pescando e todos os passinhos. Ninguém tinha visto porque o clipe não tinha saído ainda. O primeiro compacto de "Thriller" foi "The girl is mine", cujo clipe não tinha nada de dancinha. Ele e a gravadora esperaram o momento certo para lançar. No dia seguinte a apresentação foi notícia nos EUA.

Por último: para entender Michael Jackson, James Brown, Beyoncé, Prince, aquela presepada no palco, é preciso entender o circuito chitlin americano e a tradição dos shows de vaudeville dos negros do começo do século XX. É só assistir a "Cotton club". Tá tudo lá, com uma música diferente.


June 27, 2009

O grande fracasso do ídolo

por Arthur Dapieve

Michael Jackson fracassou.

Não como artista, claro.

Ele conseguiu alcançar algo que outros grandes da música negra, como Sam Cooke, Otis Redding, Marvin Gaye, James Brown e Aretha Franklin — todos, diga-se de passagem, melhores cantores, o que apenas valoriza o feito de Jacko — só vislumbraram vez ou outra na vida: ser tão ou mais querido e apreciado nos bairros brancos do que nos guetos de origem. Ele não fracassou como negociante, é óbvio. Com seus discos e shows, Jacko fez, e ainda fará, ninguém duvida, muitos milhões de dólares, embora os altíssimos gastos — com o sítio Neverland, os tratamentos de saúde e os acordos para evitar que novas acusações de pedofilia chegassem aos tribunais — recentemente o tenham levado até a leiloar itens de seu guarda-roupa.

Michael Jackson fracassou naquilo que todos nós fracassaremos, cedo ou tarde.

Fracassou justo naquilo que a sociedade ocidental contemporânea tanto se empenha.

Fracassou foi em parar o relógio. É também por causa do terror que sentimos da morte que supervalorizamos as belezas da mocidade, esticando-a com plásticas, implantes, próteses, injeções, musculação, dietas, vitaminas, namoradas ou namorados jovens.

Jacko só tinha (bem) mais dinheiro. Pôde dormir na câmara hiperbárica, pôde ser reconstruído na mesa de cirurgia.

Jacko só tinha (muito) mais visibilidade. Sua pele era ridicularizada por ter embranquecido e não por ter rejuvenescido, o que, afinal, é nosso objetivo. Seu narizinho destacável não se parecia com o do Peter Pan das histórias da Disney à toa. Seu videoclipe memorável não era estrelado por mortos-vivos à toa. Agora, porém, o thriller acabou.

Consumada ou não consumada carnalmente, a sua pedofilia sofria daquele mesmo senso de desproporção. Não se trata de absolvê-la. A pedofilia é abjeta por fantasiar uma igualdade entre desiguais — não dois adultos, seja lá de que sexo forem, mas um adulto e uma criança — e não pode ser relativizada pela habitual pieguice que tudo perdoa num defunto fresco.

Trata-se, isso sim, de admitir que em menor grau toda nossa sociedade manifesta tendência à pedofilia com suas crianças hipererotizadas, adolescentes cheias de caras e bocas, modelos retas e mulheres maduras raspadas, como se nem tivessem entrado na puberdade. Em particular, a cultura pop da qual Jacko foi nobre é chegadíssima a se autoconsumir na juventude, conforme cria e descarta caras novas. Nada mais típico do que os Menudos, cujos membros não envelheciam nunca, eram para sempre miúdos.

Michael Jackson fracassou por isso. Ele não tinha como trocar de pele eternamente com outros Jackos crianças, não tinha como virar uma franquia de si próprio e ainda assim permanecer ele mesmo, pessoal e intransferível com o passado de abusos paternos e de inegáveis méritos artísticos.

Como intérprete, aliás, ele foi literal e metaforicamente da jovem guarda da Motown, a célebre gravadora de música negra de Detroit, que flertava às claras com o público branco, majoritário nos EUA (em contraposição à Stax, de Memphis, na qual o soul era “de raiz” e quem quisesse que gostasse). Jacko aprendeu com toda a black music. Pegou o figurino esdrúxulo de Little Richard aqui, o jeito de dançar de James Brown ali, adicionou seu próprio carisma...

No entanto, Michael Jackson fracassou porque não aprendeu a tempo que a única maneira de ser jovem para sempre é morrer cedo.

O Globo, 27 de junho de 2009


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June 26, 2009

Cantor morria à medida que perdia sua cor

Obra-prima, "Thriller" custou a vida de Michael

Tudo o que Michael Jackson fez depois deixou a desejar

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

ABC, easy as 1,2,3, a NBC confirma, a CNN não confirma, mas segundo a TMZ... nesse festival de siglas, intrigas e mistérios, a dura e nua verdade é que Michael Jackson já estava morto há muito tempo.

Da mesma forma metafórica que Elvis morreu quando entrou para o Exército, segundo os puristas do rock"n"roll, aquele negro querubim que conquistou corações e mentes de todo o mundo, de certa forma foi se deteriorando como um antigo fax, à medida em que perdia a cor. Talvez Michael esteja agora em alguma cidade fantasma imaginária conversando com Elvis e Hitler.
Contudo, esta informação ainda não está confirmada!

Meu primeiro contato com Mr. M foi por meio do desenho animado que ele e seus irmãos do Jackson 5 estrelaram no começo dos anos 70. E eu me perguntava qual seria o efeito, na cabeça de uma criança, ao assistir seu desenho favorito... o de si mesmo. Devastador, mostrariam os capítulos seguintes.

Aquela miniatura de James Brown, com voz de Diana Ross, estava só no começo de sua escalada até se intitular King of Pop.

Mas não sei se vocês, leitores, sentiram a estupefação que senti ao vê-lo fantasiado de Billy Idol, com sua voz de contratenor gritando "I"m bad", enquanto segurava suas partes num gesto quase obsceno.

O que se seguiu foi um festival de delírios totalitários fascistas, trajes reais, salpicados de cristais Swarowski, e muita, muita bizarrice enquanto Michael tentava se metamorfosear em Elizabeth Taylor. Tudo isso servido com uma suave redução de pedofilia light.

Mas paralelamente, sua música deixava cada vez mais a desejar. Até porque qualquer novo trabalho de Jacko Wacko seria impiedosamente julgado pelo mais cruel dos parâmetros: a inigualável obra-prima "Thriller".

Disco mais vendido da história da humanidade, este trabalho revolucionou o entretenimento de uma maneira sem igual, Fred Astaire, Beatles, Stones, MTV, Walt Disney, Quincy Jones, Eddie Van Halen, enfim, uma síntese sem precedentes para um sucesso mortal, e que praticamente custou a vida de seu artífice.

Os fãs de hoje são os linchadores de amanhã, já dizia Millôr. Nunca me senti atraído por essas imolações em praça pública da recente cultura de celebridades. Sentia sim, muita falta daquele jovem negro lindo de black-tie na capa de "Off the Wall", daquele R & B melódico, dançante, daquela voz sem igual. Agora vamos nos sentar e nos preparar para o macabro espetáculo midiático que se seguirá à morte de Michael.

Só nos resta refletir que, talvez, um pouco como Jesus Cristo, um pouco como John Kennedy, como disse Mick Jagger, quem matou Michael Jackson, it was you and me.

PAULO RICARDO é cantor e compositor.

Folha, 26 de junho de 2009

Survival tips for those who are protesting in Iran

" This is a document that a friend of mine who is an Iranian-American police officer has put together. He is the member of the SWAT team and he's an expert on anti riot tactics. he has been watching and studying the videos and the tactics that basij has been using and he put the document together. It would be great to spread this document and pass it on to the kids in Iran. It might save their lives. -- SB


Anti riot attacks

Once caught by security forces, the best way to break free is by swinging relentlessly in all directions. Keep in mind that security forces have to hold on to you, which means they only can use one hand to deflect the blows. Brass Knuckle is extremely effective when trying to break loose from the grip of security forces. Wooden brass knuckle is strong and simple to make. The image above is a sample of a basic wooden brass knuckle that can be made with a piece of wood, a cutter and a drill. It should not take more than 30 minutes to make a wooden brass knuckle. Wooden brass knuckle is extremely strong, light weight and versatile. Make sure that the top edges are sharp and round.

Motorcycle attacks

Iranian Basij motorcycle units use attack and retrieve tactics which is meant to create fear more than anything else. The same tactic was used by US police forces on horsebacks when confronting the civil right protestors. The advantage of utilizing motorcycles in urban environment is obvious: motorcycles can go places that cars can’t. However, motorcycles have disadvantages which can handicap the force that uses them.

The most effective way of disabling motorcycles is using tire spikes. Though made of carbon cratnor material, the Basij motorcycle tires cannot withstand multiple punctures. The easiest way to spike Basiji’s tires is by using a simple tire spike system called Iron Caltrop. This simple device can be made in a matter of minutes by wrapping two pieces of nail together in a 65 degree angle. By dropping a handful of Iron Caltrop on the ground, you can deflate the tires of Basijis’ motorcycles in a matter of minutes. If you ride, you know how difficult it is to steer a motorcycle with two flat tires.

Tear gas

A fabric socked in vinegar can very well protect you against tear gas. Cover your nose and mouth with the fabric and keep plenty of water around to wash your eyes if you come in direct contact with tear gas. Urban Legend: burning tires will reduce the effect of tear gas. Not true, it actually increases the effect and it smells bad too.

Batons

Riot police is trained to use batons. They understand that it’s easy to hit a stationary target and much easier to hit a target that is running away. Hitting somebody with baton is a matter of timing. The worst thing you can do is to run away from baton whirling security guards because it allows them to time the strike perfectly. The most effective way to counter a security guard with baton is to throw off his timing by going directly at him. That’s right. Run away and turn and go directly at him. When you go directly at the guard and close the distance, you completely screw up his timing. A boxer cannot hit a person that is standing 2 inches away from his face. That’s why boxer bounce around. A baton whirling guard is just like a boxer, he needs to time his strikes. By going directly at the guard and closing distance you mess-up his timing and might even be able to take him down.

Riot formation

Basij and police security guardsmen perform best when crowd disperses and becomes separated. The worst scenario for the riot police is when the crowd is together and inseparable. South Korean labor protestors in the 90s were the best organized units in history of rioting. Thousands of them held on to each other (locked arms) and no matter what, they did not let go. It made it impossible for the riot police to disperse them.

Just a few tips. Please translate and send it back to the youth in Iran. This can save their lives. "
http://www.iranian.com/main/node/69429

June 22, 2009

Ecad enfrenta as fogueiras juninas

Escritório de Arrecadação dos Direitos Autorais cria polêmica ao cobrar por trilhas executadas durante as quadrilhas

Pedro Venceslau

No último dia 6, um moço sem chapéu de palha apareceu na tradicional festa junina do Colégio Jabaquara, em São Paulo, com uma notícia para a diretora, Mercia Romar. "Pelas minhas contas, há umas 150 pessoas aqui. A sra. deve, portanto, pagar uns R$ 100. Acho que isso está bom." Mercia disse que não daria nem um tostão e terminou a festa recebendo uma ameaça: sua escola será cobrada judicialmente por não pagar os direitos autorais das músicas tocadas durante a quadrilha.

A visita indesejada foi de um fiscal do Ecad, o temido Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, entidade responsável pela arrecadação e a distribuição de direitos autorais no Brasil. Cabe ao Ecad, entre outras coisas, ranquear as músicas mais tocadas no rádio e TV para, depois, cobrar por elas. Em alguns casos, a forma de atuação do "Escritório" é controversa. Recentemente, um dentista de Angra dos Reis foi autuado por deixar a TV ligada na sala de espera. Motivo: ele estaria tirando proveito econômico por proporcionar aos "clientes" uma forma de relaxar.

Nas escolas, entretanto, houve forte reação. "Em 2008, pagamos R$ 150 antes da festa, mas este ano recebi email do Sindicato (dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo) orientando a não pagar nada", conta a diretora Mercia. O episódio no Colégio Jabaquara ilustra o principal foco de resistência ao trabalho do Ecad. "Essa cobrança é ilegal. A Lei 9610, de 1998, autoriza a execução de música sem pagamento de direitos autorais em eventos educacionais", diz Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato e diretor do Colégio Albert Einstein, em Interlagos. "Festas juninas não têm finalidade didática. As escolas cobram ingresso e vendem bebida, então há uma relação comercial clara. O dono da música precisa receber por isso", rebate Márcio Fernandes, gerente de arrecadação do Ecad.

O trabalho de fiscalização é bastante complexo, especialmente em São Paulo, onde só há 23 técnicos de arrecadação treinados e credenciados. Eles escolhem as escolas por amostragem e vão até lá com equipamento de captação sonora. Depois, degravam tudo e fazem um ranking (veja box) com as mais executadas para definir quanto cada artista (ou banda) deve receber. Essa política divide os músicos. Para a banda Fala Mansa, campeã de execuções, o dinheiro recebido com a cobrança de direitos autorais no período de festas juninas é fundamental para fechar o orçamento no fim do ano. "Esse dinheiro é importante para a vida da banda. Agora, por exemplo, estamos atrás de verba para gravar nosso DVD. Não somos ricos. Vendemos nossos CDs de mão em mão. Trabalhamos para sobreviver ao dia seguinte", diz Tato Cruz, vocalista da banda.

Ele reclama que devia receber bem mais de direitos autorais, já que "junho bomba" com as músicas do Fala Mansa. "Mas por mais que se fiscalize, sempre tem gente burlando." Já o sanfoneiro Waldonis, um dos mais requisitados nas festas juninas do Ceará, pensa diferente. "Não recebo nada do Ecad. Isso é meio chato, um negócio desorganizado. Quando fazemos show, eles caem matando em cima do dono da casa, que acaba reclamando conosco. Não acho que as escolas devam pagar. Só ganha quem está com a música estourando nas paradas. Para mim, sempre dizem: não rodou, não rodou. Mas sei que minhas músicas tocam direto nas festa junina, principalmente no Nordeste." Ainda há muita fogueira para queimar nesse arraiá da discórdia.


Os Campeões

Ranking dos músicos que obtiveram maior rendimento com a arrecadação de direitos nas Festas Juninas em 2008

1.GONZAGÃO

2.LAMARTINE BABO

3.TATO

4.ZÉ DANTAS

5.ALBERTO RIBEIRO

6.ANTÔNIO BARROS

7.MÁRIO ZAN

8.HUMBERTO TEIXEIRA

9.DORGIVAL DANTAS

10.JOÃO SILVA

Referente às músicas captadas em festejos populares, escolas, eventos de igrejas, etc. (não estão computadas as casas de shows)

Estadão, 22 de junho de 2009

June 21, 2009

Vigilância virtual permanente

Quem insistir em baixar músicas e filmes pode ficar fora da rede. O projeto de lei (PL 5.361/09) apresentado pelo deputado Bispo Gê Tenuta, do DEM, tem o intuito de regular o acesso a conteúdos na internet. O deputado propõe que se estabeleça um regime de vigilância constante por parte dos provedores. Ficando, assim, a cargo deles notificar o usuário diante de supostas infrações ao direito autoral. O projeto indica penalidades ao internauta e até mesmo a suspensão do acesso à rede daqueles que insistirem em continuar fazendo download de arquivos protegidos pela lei do direito autoral. E a punição não precisa de ordem de juiz, ficando sob a responsabilidade do provedor.


Projeto pode engessar a rede

Marília Maciel

PROFESSORA DA FGV

O projeto de lei 5.361/09 foi explicitamente inspirado na lei francesa "Création et internet", ou Lei Sarkozy, aprovada pela Assembléia Nacional, em maio. O modelo importado pelo deputado brasileiro, entretanto, foi mal aceito no país de origem. A Corte Constitucional francesa declarou inconstitucionais alguns dispositivos da Lei Sarkozy, afirmou que qualquer restrição ao acesso dos indivíduos à internet deve ser determinada por ordem judicial e reconheceu que o acesso à internet é um direito fundamental. Este último posicionamento foi igualmente adotado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da Europa.

O PL do bispo Gê Tenuta concede ao provedor, e não ao Judiciário, o poder de notificar e impor sanções, desrespeitando o direito à privacidade e a presunção de inocência previstos no artigo 5º da Constituição Federal. O acesso à internet é condição sine qua non para o exercício do direito à informação e à comunicação, pré-requisito de uma vivência cidadã plena. Esse direito não pode ser afastado, a não ser por pronunciamento judicial.

Um outro modelo de resposta gradual, atualmente em estudo no Reino Unido, foi apresentado no documento Digital Britain, que sugere como penalidade pelo acesso a obras protegidas a diminuição da velocidade de conexão do usuário. Esse modelo também representa uma restrição ao acesso à internet, pois impede que o indivíduo utilize os recursos da rede com plenitude. Uma conexão de alta velocidade possibilita o fácil acesso a conteúdos multimídia, viabiliza o uso de aplicações de telefonia através da internet (voip), possibilita o ensino à distância e o uso da rede voltado à prática da medicina e do governo eletrônico.

Além de apresentar problemas jurídicos graves, o PL do Bispo Gê Tenuta é incongruente, pois cria um regime legal mais restritivo para os conteúdos online. No primeiro artigo, punem-se as condutas de baixar, fazer o download ou compartilhar arquivo com obra protegida pelo direito autoral. Isso demonstra um desconhecimento do funcionamento da rede, pois para ter contato com qualquer página da internet (ler essa página na tela) é preciso baixá-la, ainda que temporariamente, ou seja, é preciso compartilhar esse conteúdo com o usuário. Por conseguinte, o impedimento do ato de compartilhar na rede pode restringir o próprio acesso à informação.

Outras objeções importantes podem ser levantadas. A identificação do suposto infrator se dá através do IP, número atribuído a cada computador que acessa a rede. Sabe-se, entretanto, que esse é um meio extremamente falho de identificação: o dono do IP nem sempre é a mesma pessoa que estava à frente da tela no momento da alegada infração. Ademais, de acordo com o PL, o usuário será obrigado a pagar as mensalidades ao provedor durante o período em que o serviço não estiver sendo prestado, o que contraria a legislação de defesa do consumidor e as regras de concorrência, pois cria um regime artificial de fidelização do usuário nesse período. O montante de recursos de que o indivíduo dispõe para pagar pelo acesso à internet fica comprometido, o que dificulta a contratação de um outro provedor.

O PL é uma prova de que para regular eficazmente é preciso conhecer o objeto sobre o qual se deseja fazer incidir a legislação. Além de infringir direitos fundamentais, o projeto semeia o engessamento da internet e pode fazer definhar uma das maiores revoluções sociais das últimas décadas: a cultura colaborativa que floresce na rede.


A proposta representa um disparate jurídico

Guilherme Carboni

DOUTOR EM DIREITO CIVIL

OPL 5361/2009 representa um disparate jurídico em matéria de regulação de direitos autorais na internet. Com a justificativa de que o direito à propriedade intelectual estaria sendo "progressivamente vilipendiado com a disseminação das chamadas redes de compartilhamento de arquivos da internet", o projeto é sintomático da crise que acometeu os direitos autorais, especialmente com o advento das redes e da tecnologia digital. As tentativas de aplicação à internet de alguns conceitos de direito autoral utilizados para as obras não-digitais vêm se tornando completamente inócuas. Basta ver o que vem ocorrendo com os mecanismos anticópia, como forma de proteção tecnológica da reprodução de obras digitais: as próprias gravadoras têm reconhecido que esse não seria o melhor caminho e, por essa razão, vêm buscando alternativas de comercialização de obras musicais, tendo a internet como uma aliada, em vez de uma inimiga.

Outro aspecto dessa crise diz respeito ao fato de as leis de direitos autorais ainda não terem atingido um almejado balanceamento entre o interesse privado do autor pela proteção de sua obra e o interesse da coletividade pela sua livre utilização em determinadas circunstâncias, especialmente quando o seu uso é privado e sem intuito de lucro, que é o que ocorre na maior parte das vezes quando alguém baixa ou compartilha um arquivo pela internet.

Além disso, há uma completa ilusão de se tentar estabelecer diferentes penalidades para a prática de baixar ou compartilhar arquivos na até a sua quarta reincidência. Isso porque, para a grande maioria da população, não apenas ocorrerá a quarta reincidência, mas também a milésima, uma vez que, com o desenvolvimento tecnológico que propiciou o aparecimento das redes, o simples envio de um e-mail contendo um texto escrito por uma outra pessoa já é suficiente para caracterizar uma reprodução não autorizada e, portanto, uma violação de direitos autorais, por mais absurdo que isso possa parecer.

A atual Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) permite a reprodução de pequenos trechos de obras protegidas. Na forma como está redigido o projeto de lei, o provedor não teria como verificar se o que o internauta está baixando ou compartilhando, de fato, é integral ou um pequeno trecho. Portanto, deixar para o provedor a decisão de privar alguém do acesso à internet, no caso de uma quarta reincidência, representa um total desrespeito ao princípio constitucional do devido processo legal, segundo o qual ninguém será privado da sua liberdade sem que haja uma sentença condenatória.

JB, Domingo, 21 de Junho de 2009 - 00:00


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Simonal 3.540/72


PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA


MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil em todos os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo Estado da Guanabara.

Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.


A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas -conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops, mas em público ele negava ter sido informante.


A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que Simonal reconhece seus serviços.
Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura -em dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário de sua firma.
Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação -reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em interrogatório na Justiça.


Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal (1938-2000) quem se disse "colaborador dos órgãos de informação", sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.


O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças Armadas e informante do Dops". Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto concordou.


Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era "colaborador das autoridades na repressão à subversão". Foi a palavra final da Justiça.


Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal -e ele assentia- era informante do Dops.


Em abril, a Folha pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).
Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.


Em 2000, a Folha publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.
Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de lista de eventuais pessoas delatadas por ele.
Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.





Tortura

A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.
O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem de "dedo-duro" -função que no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de racismo e de perseguição da esquerda.

O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.
Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.
Lá torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.
Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar -desde seu escritório, em Copacabana- o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.
Ele não participou da tortura nem a testemunhou.

Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário registrou o desaparecimento.
Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses. Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações.

"Subversivos"

Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.

Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor "era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos subversivos".
Não citou a identidade dos "elementos". O interrogatório do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.

Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.
Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico". Também não nomeou os "movimentos".

Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos" -outro denunciado por sevícias contra opositores.

Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.
Em 1971, ele se queixou de um "grupo subversivo" que prometia sequestrá-lo se não "arrumasse" dinheiro.
A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.

Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como da área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" -era a produtora cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.

Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.

1971/1976

24 de agosto de 1971
"O declarante aqui comparece visto a confiança que deposita nos policiais aqui lotados e visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico; que o declarante, quando da revolução de março de 1970, digo 64, aqui esteve oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos; que o declarante de certa feita ou, melhor, quando apresentava o seu show "De Cabral a Simonal" no teatro Toneleiros, foi ameaçado de serem colocadas bombas naquela casa de espetáculos; que o declarante nesta época solicitou a proteção do Dops para sua casa de espetáculo, o que foi feito e nada se registrando de anormal."
Wilson Simonal de Castro, em depoimento ao Dops

30 de agosto de 1971
"Como sabe V. Sa., o cantor Wilson Simonal é elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava."
Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops, para José Pereira de Vasconcellos, chefe do Serviço de Buscas, em informe confidencial

16 de novembro de 1972
"O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos."
Mário Borges, inspetor do Dops, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

29 de julho de 1974
"Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas."
Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

14 de outubro de 1974
"Simonal se diz, com todas as letras neste processo, um colaborador dos órgãos de informação, por se tratar de homem de direita. A sua defesa corroborou isso com cifras definitivas [...]. Daquela época ["Revolução de 1964'] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e meses de atividade policial auxiliar voluntária de Simonal (que, aqui, num processo comum, deve ficar imune a aplausos ou críticas), por conseguinte. Lapso de tempo esse que, evidentemente, levou o cantor-acusado a ter, pelo menos, grande afinidade com os agentes do Dops, para não falar em proteção."
Alegações finais do assistente de acusação Raphael Viviani, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Jorge Alberto Romeiro Jr.

1974
"Ficou cabalmente esclarecido que o suplicante, na tarde de 23 de agosto, inclusive a conselho de um oficial superior do Exército, compareceu ao Dops, onde prestou formalmente um depoimento em que se queixou de estar sendo vítima de telefonemas ameaçadores, por parte de elementos supostamente subversivos. [...] O suplicante, ao dirigir-se ao Dops, por recomendação de um oficial superior do Exército, o fez em decorrência das ameaças aterrorizantes que vinha sofrendo, revestidas de caráter político."
Alegações finais em favor de Wilson Simonal de Castro, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho

11 de novembro de 1974
"Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é fato confirmado [...]."
João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª Vara Criminal, na sentença do processo 3.540/72

9 de dezembro de 1974
"O primeiro apelante, Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops [...]."
Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões de recurso

3 de junho de 1976
"Resulta duvidosa, entretanto, a finalidade de diligência, cabendo aqui destacar-lhe dois aspectos. O primeiro, quanto à colocação feita junto ao Dops, noticiando ameaças dirigidas ao cantor Wilson Simonal, pelo fato de ser o mesmo colaborador das autoridades na repressão à subversão, o [que] torna a diligência ordenada regular, como reconheceu a sentença."
Desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, da 3ª Câmara Criminal, no acórdão da apelação nº 62.372


Folha, 21 de junho de 2009

O elo perdido



RELATÓRIO CONFIDENCIAL DO DOPS, DE 30 DE AGOSTO DE 1971, REFORÇA LIGAÇÃO COM O ARTISTA


DA SUCURSAL DO RIO

Relatório interno do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara, com carimbo "confidencial", resumiu em 30 de agosto de 1971 a relação com Wilson Simonal:
"É elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava".
O signatário foi o chefe da Seção de Buscas Ostensivas, Mário Borges. O destinatário, o chefe do Serviço de Buscas, José Pereira de Vasconcellos.

No mesmo dia, o diretor da Divisão de Operações, Zonildo Castello Branco, endereçou aquele relatório sigiloso ao diretor do departamento, coronel do Exército Gastão Barbosa Fernandez. O coronel encaminhou-o à Justiça, que o anexou ao processo 3.540/72.
Seu conteúdo não foi contestado por ninguém.

Produzido no calor da repercussão em torno da detenção de Raphael Viviani, o documento evoca episódio em que o Dops deu proteção a Simonal por três meses contra supostos "subversivos" que teriam prometido estourar bombas no teatro em que o artista estava em cartaz.

Ele ajuda a entender o grau da intimidade que permitiu, para resolver pendenga privada, surrar um cidadão em prédio público onde funcionários se dedicavam a questões de Estado: combater oposicionistas, em particular os de grupos armados.

Menos de quatro semanas antes da chegada de Viviani, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira foi preso e levado para o Dops, onde o torturaram.
Seu martírio prosseguiu na instalação do Exército em que funcionava o DOI (Departamento de Operações de Informações). Raul Amaro saiu de lá para o hospital, onde morreu.

No comando da radiopatrulha que o transportou entre o Dops e o DOI estava Mário Borges, conforme a edição 2009 do "Dossiê Ditadura -Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1974-1985)", organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Borges foi um dos cinco réus no processo decorrente da tortura contra Viviani. Acabou absolvido porque não participou das sevícias e tinha álibi de que estava ausente -em missão contra a "subversão".

Em 1985, o Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, inventariou a tortura durante a ditadura. Foram numerosas as denúncias de presos políticos apontando Mário Borges e José Pereira de Vasconcellos como torturadores.

Forças Armadas

O relatório do Dops que descreve a colaboração de Simonal com outros órgãos ganhou mais verossimilhança com o interrogatório do tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira, na 23ª Vara Criminal, em 29 de julho de 1974.
Testemunha de defesa do cantor, ele afirmou: "Conhece o primeiro acusado [Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas".

Em 1974, o oficial estava lotado na Escola Superior de Guerra. Em 1971, era relações públicas do 1º Exército, comando da Força na Guanabara (que hoje equivale ao município do Rio de Janeiro) e em outros Estados. Pereira disse ter sido procurado por Simonal, que lhe falou sobre ameaças que estaria sofrendo. O militar sugeriu que recorresse ao Dops.

Nos anos 1990, Simonal obteve um atestado da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) assegurando que ele nunca foi seu informante.
A SAE sucedeu o SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura.
O nome do SNI não aparece, entretanto, no processo 3.540, no qual Simonal é reconhecido como informante do Dops e colaborador do 1º Exército.

Em 1972, o cantor contextualizou em juízo a origem da intimidação: "[...] Desde que participou de uma Olimpíada do Exército fazendo um show, e de fazer [sic] um disco da Shell de propaganda do governo, isto é, fazia indiretamente propaganda do governo, passou a receber telefonemas anônimos que lhe faziam [sic] ameaças a si e a sua família".

"Comunistas"

Ele repetidamente proclamou a camaradagem com integrantes da polícia política. Em 1971, de acordo com o "Correio da Manhã", mencionou José Pereira de Vasconcellos como "meu grande amigo".

Logo depois do mandado de prisão expedido em 1974, entregou-se ao Dops de São Paulo. "O delegado Sérgio Fleury é meu chapinha e tudo vai correr dentro do figurino", disse, conforme o "Última Hora".
Responsável por dezenas de assassinatos, Fleury foi o mais destacado policial no combate à luta armada durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-74).

Em seus últimos anos, Simonal reclamou do que considerava um viés persecutório do jornalismo contra ele. Mas, em seguida à surra em Raphael Viviani, a versão do artista foi encampada por parcela expressiva da imprensa.

Reportagens céticas em relação aos relatos de Simonal provocaram irritação, sugere nota do colunista Ibrahim Sued na edição de "O Globo" de 4 de setembro de 1971.
A nota: "As autoridades militares estão começando a ficar de olho em certa imprensa marrom, principalmente no que se refere aos artistas... Eu estou apenas advertindo. Quem avisa amigo é... O mar não está pra peixe...".

O semanário "O Pasquim" foi o primeiro que tratou Simonal como "dedo-duro". Com a sentença de 1974, a revista "Veja" publicou que a operação contra Viviani "foi facilitada pelo fato de Simonal também ser informante da polícia".
A fama de delator custou-lhe vaias e xingamentos em shows.

Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a Folha circulou com entrevista de Simonal em que ele afirmou:
"Dizer que eu dedurei os cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios nunca negaram que eram comunistas. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais disseram o inverso. E qualquer criança sabe o que eles são..."
Depois, Simonal disse que suas declarações foram distorcidas. O jornal respondeu que nada havia alterado.
(MÁRIO MAGALHÃES)

Folha, 21 de junho de 2009

Para delegado, "ele não era informante"



ENTÃO Nº 2 NO DOPS, ZONILDO CASTELLO BRANCO ISENTA CANTOR DE COLABORAÇÃO COM POLÍCIA POLÍTICA


DA SUCURSAL DO RIO

O delegado aposentado Zonildo Castello Branco afirma que Wilson Simonal não era informante do Departamento de Ordem Política e Social, apesar de um relatório interno do Dops sustentar o contrário.

Em 1971, quando o informe foi elaborado no órgão -ao fim seria anexado ao processo 3.540/72-, Castello era o diretor da Divisão de Operações, o número dois da polícia política no Rio.

Foi ele quem encaminhou para o diretor o relatório de autoria do inspetor Mário Borges. "Simonal era muito ligado, conhecia o Mário Borges, mas colaborador não era, não."

O delegado sustenta que enviou o informe ao superior, sem nenhuma restrição às informações, porque esse era o método. "Eu apenas submetia o relatório à consideração."

A Folha localizou no Rio o empresário Sérgio de Andrada Guedes, um dos três condenados no processo. Conversou com ele por telefone, Guedes prometeu ligar, mas não respondeu mais aos recados.

Ele foi um dos dois homens que buscaram Raphael Viviani em casa na noite de 24 de agosto de 1971. No processo, aparece como colaborador do Dops e industrial -hoje sua empresa tem mais de 300 funcionários.

"Muito pouco sei daquilo. Sei tanto quanto vocês, imprensa", disse ele, no único contato com o jornal.

A condição de informante "parece uma história de cobertura", diz o ator e cineasta Cláudio Manoel, sobre o depoimento em que o cantor assim se assumiu.
Ele é codiretor do filme que conta a vida de Simonal.
"Estranho que no próprio dia em que o cara vai ter essa ação ele vai e presta queixa." Seria uma forma de justificar a colaboração do Dops em uma iniciativa sem cunho político.

"Acho impossível provar a condição de informante, sendo ou não." Critica: "Parece mais relevante é que de uma certa forma a questão de ele ser ou não informante parece decisiva para justificar se merecia ou não ter sofrido o tipo de lepra que sofreu".

Cláudio identifica crueldade com Simonal: "Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?".
Na sua opinião, houve contra Viviani "uma operação truculenta, estúpida e de vendeta pessoal que descambou para o errado".

Inocente

Logo que uma enorme leva de marinheiros foi presa pelos golpistas de 1964, dois advogados de 38 anos de idade se desdobraram para, sem cobrar um tostão, dar conta de tantas defesas urgentes: Antonio Evaristo de Moraes Filho e Antônio Augusto Alves de Souza.

Eles ficariam de tal modo marcados que seus detratores pró-regime gracejavam: não eram causídicos de porta de xadrez, mas de porta de fortaleza -instalações militares onde os clientes eram encarcerados.

Ao se ver em apuros, Simonal procurou Evaristo. O motivo era óbvio, diz Alves de Souza: "Ele era um advogado excepcional, o melhor da época".

Durante todo o processo 3.540/72, a dupla representou Simonal. Evaristinho, como chamavam o criminalista, era homem de esquerda. Morreu em 1997. Assinou sozinho os principais documentos da defesa, inclusive os que avalizam o depoimento em que o cantor se reconhece informante.

Seu colega, que "não era politizado", afirma que ambos nunca tiveram dúvidas de que a versão de Simonal no episódio era verdadeira: ele dizia não saber de tortura contra Viviani.
A Justiça não lhe deu razão, mas a defesa obteve vitória relativa ao limitar a três meses a pena final, sem necessidade de cumpri-la na prisão.

"Se ele fosse realmente culpado, não se sentiria atingido", diz Alves de Souza. "Por isso acredito piamente na inocência. Ele se sentia profundamente infeliz. Em nenhum momento ficou provado nos autos que participou da tortura ou que estava presente, o que evidencia a inocência."
De fato, nenhum depoimento, nem o de Viviani, sustentou que Simonal torturou ou assistiu às sevícias. Ele foi condenado por ser considerado corresponsável por constrangimento ilegal, mas não agressor.

Para Alves de Souza, Simonal foi vítima de "perseguição ideológica": "Da mesma forma que havia a perseguição estatal contra aqueles que tinham a ideologia de esquerda, o pessoal que era perseguido se voltou contra ele".

A intolerância feriu: "Pela mesma maneira que se julgava crime de ideologia, o que é um absurdo, as pessoas que se diziam comunistas queriam acusá-lo por ser um homem que tinha outra ideologia, por ser de direita".

A inveja teria contribuído: "Os invejosos anônimos aproveitaram aquele momento para ajudar a derrubá-lo. Os arrivistas que querem subir à custa do sofrimento alheio". (MÁRIO MAGALHÃES)

Folha, 21 de junho de 2009

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"Atrapalhou minha vida, acabou com a dele", diz vítima

DA SUCURSAL DO RIO

Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu, Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história: "Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E ele também acabou com a vida dele".

"Ele" é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação trabalhista do seu antigo chefe de escritório -e não contador, como até hoje se repete- contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.

Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela Junta de Conciliação.
Já na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial -de onde ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma confissão de apropriação indébita.

Obrigaram-no -foi isso que a Justiça concluiu - a escrever que gastou o dinheiro em "noitadas, bebidas e mulheres". No processo, não consta prova ou indício documental de desvio.

"Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?", pergunta, sobre os idos de 1971. "Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa."

"Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo."

Viviani conversou com a Folha por telefone -foi fácil encontrá-lo recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da zona oeste de São Paulo.

O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente -um diabetes que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.

Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops, falou ao documentário "para desabafar um pouco".

"Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o que falar." (MM)

Folha, 21 de junho de 2009


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Exército tentou intimidar, diz promotor

DA SUCURSAL DO RIO
O processo contra Wilson Simonal foi a primeira ação penal em que atuou um jovem promotor que chegava aos 30 anos, o hoje deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).
Ele conta que, conhecida a sentença em 1974, o telefone de sua casa não parou de tocar: "Ligavam xingando. Eram fãs do Simonal".

Biscaia relata ter sido alvo de pressões para pedir a absolvição dos cinco réus -em vez disso, acusou-os. Três foram condenados.

"Em duas oportunidades, veio um cidadão, cujo nome eu não recordo, ao meu gabinete e disse que era assessor jurídico do comando do 1º Exército."

O antigo promotor diz ter ouvido: "As Forças de Segurança têm interesse nesse processo. O senhor tem que examinar com todo o cuidado".

"Respondi: "Vou examinar com todo o cuidado, como examino tudo". Ele disse: "Mas eu estou dizendo que as pessoas aqui são ligadas às forças de sustentação do governo revolucionário". Ele começou a tentar justificar esse ponto de vista e de alguma maneira também me intimidar."
Biscaia caracteriza como "absolutamente insuspeito" o juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto, que condenou três réus a cinco anos e quatro meses de reclusão. "Ele é de família de militares."

"Naquela época tinha muito juiz acovardado", emenda o ex-professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jorge Alberto Romeiro Jr. "Menna Barreto, que era um homem conservador, fez boa Justiça. É um homem de bem."

Sem arrependimento

Representando Raphael Viviani, vítima de tortura no Dops, Romeiro foi assistente de acusação. Trabalhou praticamente de graça, inconformado com "uma coisa horrorosa, covarde. A tortura é repugnante. O pessoal do Dops não ia fazer isso se o Simonal não fosse um colaborador".

Romeiro tornou-se desembargador, aposentou-se por iniciativa própria e voltou a advogar. Lamentou o acórdão que em 1976 resultou na redução da pena para três meses.

Filho de um ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), afirma que certa feita indagou a outro antigo ministro da corte, o general Siseno Sarmento, sobre gestões no Tribunal de Justiça do RJ.

De 1968 a 71, o oficial comandou o 1º Exército, no Rio.
"Perguntei: "O senhor não teve interferência ali?". Ele deu uma risada. "Claro que tive." "Então o senhor procurou algum desembargador?" "Procurei. Pedi para ele e tal"."

Os dois desembargadores autores do acórdão em que a sessão de tortura foi tipificada como crime de constrangimento ilegal já morreram.

Menna Barreto é neto de um dos três membros da junta que governou o Brasil por pouco mais de uma semana em 1930. De juiz ele passaria a desembargador. Hoje é consultor jurídico.
Defende sua sentença em primeira instância: "Arrependimento? Nenhum. Julguei de acordo com a prova que estava nos autos".

Ele afirma não ter sofrido pressões -"Eu jamais aceitaria". Destaca que inexistiu no processo divergência sobre a colaboração de Simonal com o governo. "E há o depoimento de um tenente-coronel afirmando isso." (MM)

Folha, 21 de junho de 2009

Curió abre arquivo e revela que Exército executou 41 no Araguaia

Até hoje eram conhecidos 25 casos de guerrilheiros mortos; relato do oficial confirma e dá detalhes da perseguição

Leonencio Nossa, XAMBIOÁ (TO)

Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, o oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), abriu ao Estado o seu lendário arquivo sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Os documentos, guardados numa mala de couro vermelho há 34 anos, detalham e confirmam a execução de adversários da ditadura nas bases das Forças Armadas na Amazônia. Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas.


Até a abertura do arquivo de Curió, eram conhecidos 25 casos de execução. Agora há 16 novos casos, reunidos a partir do confronto do arquivo do major com os livros e reportagens publicados. A morte de prisioneiros representou 61% do total de baixas na coluna guerrilheira.

Uma série de documentos, muitos manuscritos do próprio punho de Curió, feitos durante e depois da guerrilha, contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram. Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos.

Os papéis esclarecem passo a passo a terceira e decisiva campanha militar contra os comunistas do PC do B - a Operação Marajoara, vencida pelas Forças Armadas, de outubro de 1973 a janeiro de 1975. O arquivo deixa claro que as bases de Bacaba, Marabá e Xambioá, no sul do Pará e norte do Estado do Tocantins, foram o centro da repressão militar.



DESCRIÇÕES

O guerrilheiro paulista Antônio Guilherme Ribas, o Zé Ferreira, teve um final trágico, descrito assim no arquivo de Curió: “Morto em 12/1973. Sua cabeça foi levada para Xambioá”. O piauiense Antonio de Pádua Costa morreu diante de um pelotão de fuzilamento em 5 de março de 1974, às margens da antiga PA-70. O gaúcho Silon da Cunha Brum, o Cumprido, entrou nessa lista. “Capturado” em janeiro de 1974, morreu em seguida. Daniel Ribeiro Calado, o Doca, é outro da lista: “Em jul/74 furtou uma canoa próximo ao Caianos e atravessou o Rio Araguaia, sendo capturado no Estado de Goiás”.

Só adolescentes que integravam a guerrilha foram poupados, como Jonas, codinome de Josias, de 17 anos, que ficou detido na base da Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica. Documento datilografado do Comando Militar da Amazônia, de 3 de outubro de 1975, assinado pelo capitão Sérgio Renk, destaca que Jonas ficou três meses na mata com a guerrilha, “sendo posteriormente preso pelo mateiro Constâncio e ‘poupado’ pela FORÇA FEDERAL devido à pouca idade”.

Curió permitiu o acesso do Estado ao arquivo sem exigir uma avaliação prévia da síntese, das conclusões e análises dos documentos. Ele disse que essa foi uma promessa que fez para si próprio. Passadas mais de três décadas, a história da terceira campanha ainda assusta as Forças Armadas: foi o momento em que os militares retomaram as estratégias de uma guerra de guerrilha, abandonadas havia mais de cem anos.

“Até o meio da terceira campanha houve combates. Mas, a partir do meio da terceira campanha para frente, houve uma perseguição atrás de rastros. Seguíamos esse rastro duas, três semanas”, relata. “A terceira campanha é que teve o efeito que o regime desejava.”

Um dos algozes do movimento armado na Amazônia, ele mantém um costume da época: não se refere aos guerrilheiros como terroristas, como outros militares. “Em hipótese alguma procuro denegrir a imagem dos integrantes da coluna guerrilheira, daquela juventude”, diz. “O inimigo, por ser inimigo, tem de ser respeitado.”

Ele ressalta que, como um jovem capitão na selva, tinha ideal: “Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas”.

No livro A Ditadura Escancarada, o jornalista Elio Gaspari diz que “a reconstrução do que sucedeu na floresta a partir do Natal de 1973 é um exercício de exposição de versões prejudicadas pelo tempo, pelas lendas e até mesmo pela conveniência das narrativas”. E emenda: “Delas, a mais embusteira é a dos comandantes que se recusam a admitir a existência da guerrilha e a política de extermínio que contra ela foi praticada”.



MOTIM

Essa política de extermínio fica um pouco mais clara com a abertura do arquivo de Curió. Pela primeira vez, a versão militar da terceira e decisiva campanha é apresentada sem retoques por um participante direto das ações no Araguaia.

Curió esteve envolvido no motim contra o presidente Geisel (1977), no comando do garimpo de Serra Pelada (1980-1983), na repressão ao incipiente Movimento dos Sem-Terra no Rio Grande do Sul (1981) e à frente de uma denúncia decisiva no processo de impeachment de Fernando Collor (1992).

O arquivo dá indicações sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Medici e Ernesto Geisel por um triunvirato de peso. Na ponta das ordens estiveram os generais Orlando Geisel (ministro do Exército de Medici), Milton Tavares (chefe do Centro de Inteligência do Exército) e Antonio Bandeira (chefe das operações no Araguaia). Curió lembra que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros. “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último.”

“Se tivesse de combater novamente a guerrilha, eu combateria, porque estava erguendo um fuzil no cumprimento do dever, cumprindo uma missão das Forças Armadas, para assegurar a soberania e a integridade da pátria.”



O QUE FOI A GUERRILHA

Em 1966, integrantes do PC do B começaram a se instalar em três áreas do Bico do Papagaio, região que abrange o sul do Pará e o norte do atual Estado do Tocantins. A Guerrilha do Araguaia era composta por uma comissão militar e pelos destacamentos A, B e C.

Da força guerrilheira, 98 pessoas pegaram em armas ou atuaram em trabalhos de logística. Deste total, 78 foram recrutadas pelo partido nas grandes metrópoles brasileiras e 20 na própria região do conflito.

Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas promoveram três campanhas na tentativa de eliminar a guerrilha - só venceu na última. A repressão contou com cerca de 5 mil agentes, incluindo homens das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil.

O conflito deixou um saldo de 84 mortos, sendo 69 guerrilheiros ou apoios da guerrilha, 11 militares e 4 camponeses sem vínculos com o partido ou o Exército. Vinte e nove guerrilheiros sobreviveram às três campanhas.

Estadão, 21 de junho de 2009


June 16, 2009

HQ mostra "submundo poderoso" de Copacabana


Trabalho do roteirista S. Lobo e do desenhista Odyr, que terá lançamento nesta quarta-feira em SP, aborda a violência e a prostituição no bairro carioca

PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há aquilo que está no cartão-postal: uma praia maravilhosa frequentada por pessoas lindas. Uma espécie de paraíso no litoral do Rio de Janeiro.

Mas há, também, o que não está tão à vista assim: a violência, a prostituição, o lado que fica de fora quando o assunto é turismo. E é este o aspecto abordado pelo roteirista S. Lobo e o desenhista Odyr na HQ "Copacabana", que será lançada nesta quarta-feira em São Paulo. "Copacabana é uma praia esquizofrênica. Tem uma beleza bucólica, com uma vista maravilhosa, mas também um submundo poderoso, com a indústria do sexo funcionando à toda", diz o escritor da HQ, S. Lobo. "É meio dr. Jekyll e sr. Hyde. E esses dois lados se cruzam com muita naturalidade."

O livro aborda um momento complicado na vida de Diana, uma prostituta que, endividada, acaba metida em uma situação que envolve assassinato, roubo e perseguição. Ao redor de Diana estão prostitutas, gigolôs e outros frequentadores da noite carioca.

"Fiz uma coleta muito extensa e pouco objetiva. Não fiz entrevista: fui conhecendo as pessoas", conta Lobo. "Você senta em um bar ali na praia e alguém vem te abordar: garçom, prostituta, vendedor. Aí é só começar a ouvir as histórias, até ver quando elas estão acontecendo ou mesmo fazer parte delas."

Lobo, que começou a trabalhar com quadrinhos editando a revista independente "Mosh!", conta que queria escrever roteiros de HQs, mas que não sabia exatamente o que narrar. O que lhe direcionou foram as caminhadas que fazia pelo Rio de Janeiro -embora gaúcho de Porto Alegre e já tendo morado em Santa Catarina e São Paulo, é em Copacabana que mais se sente em casa.

"Meu objetivo era mostrar a vida dessa gente que pouco vemos e que tratamos com preconceito. E essas pessoas que vivem à noite são como nós: estão aí batalhando pela sobrevivência", diz o roteirista. "As histórias dos ricos podem ser interessantes, mas são as das pessoas do submundo que me interessam mais".

Por retratar uma parte da indústria do sexo, o livro não se furta a mostrar o ato. "Eu não quis fazer um livro sobre sexo em que ele fosse sugerido. Ele tem que estar lá, à medida em que é necessário", diz Lobo. "Tento trazer a crueza que o sexo tem na vida real. Ele não é glamouroso."

Folha, 15 de junho de 2009



June 14, 2009

The Obama Haters’ Silent Enablers

WHEN a Fox News anchor, reacting to his own network’s surging e-mail traffic, warns urgently on-camera of a rise in hate-filled, “amped up” Americans who are “taking the extra step and getting the gun out,” maybe we should listen. He has better sources in that underground than most.

The anchor was Shepard Smith, speaking after Wednesday’s mayhem at the United States Holocaust Memorial Museum in Washington. Unlike the bloviators at his network and elsewhere on cable, Smith is famous for his highly caffeinated news-reading, not any political agenda. But very occasionally — notably during Hurricane Katrina — he hits the Howard Beale mad-as-hell wall. Joining those at Fox who routinely disregard the network’s “We report, you decide” mantra, he both reported and decided, loudly.

What he reported was this: his e-mail from viewers had “become more and more frightening” in recent months, dating back to the election season. From Wednesday alone, he “could read a hundred” messages spewing “hate that’s not based in fact,” much of it about Barack Obama and some of it sharing the museum gunman’s canard that the president was not a naturally born citizen. These are Americans “out there in a scary place,” Smith said.

Then he brought up another recent gunman: “If you’re one who believes that abortion is murder, at what point do you go out and kill someone who’s performing abortions?” An answer, he said, was provided by Dr. George Tiller’s killer. He went on: “If you are one who believes these sorts of things about the president of the United States ...” He left the rest of that chilling sentence unsaid.

These are extraordinary words to hear on Fox. The network’s highest-rated star, Bill O’Reilly, had assailed Tiller, calling him “Tiller the baby killer” and likening him to the Nazis, on 29 of his shows before the doctor was murdered at his church in Kansas. O’Reilly was unrepentant, stating that only “pro-abortion zealots and Fox News haters” would link him to the crime. But now another Fox star, while stopping short of blaming O’Reilly, was breaching his network’s brand of political correctness: he tied the far-right loners who had gotten their guns out in Wichita and Washington to the mounting fury of Obama haters.

What is this fury about? In his scant 145 days in office, the new president has not remotely matched the Bush record in deficit creation. Nor has he repealed the right to bear arms or exacerbated the wars he inherited. He has tried more than his predecessor ever did to reach across the aisle. But none of that seems to matter. A sizable minority of Americans is irrationally fearful of the fast-moving generational, cultural and racial turnover Obama embodies — indeed, of the 21st century itself. That minority is now getting angrier in inverse relationship to his popularity with the vast majority of the country. Change can be frightening and traumatic, especially if it’s not change you can believe in.

We don’t know whether the tiny subset of domestic terrorists in this crowd is egged on by political or media demagogues — though we do tend to assume that foreign jihadists respond like Pavlov’s dogs to the words of their most fanatical leaders and polemicists. But well before the latest murderers struck — well before another “antigovernment” Obama hater went on a cop-killing rampage in Pittsburgh in April — there have been indications that this rage could spiral out of control.

This was evident during the campaign, when hotheads greeted Obama’s name with “Treason!” and “Terrorist!” at G.O.P. rallies. At first the McCain-Palin campaign fed the anger with accusations that Obama was “palling around with terrorists.” But later John McCain thought better of it and defended his opponent’s honor to a town-hall participant who vented her fears of the Democrats’ “Arab” candidate. Although two neo-Nazi skinheads were arrested in an assassination plot against Obama two weeks before Election Day, the fever broke after McCain exercised leadership.

That honeymoon, if it was one, is over. Conservatives have legitimate ideological beefs with Obama, rightly expressed in sharp language. But the invective in some quarters has unmistakably amped up. The writer Camille Paglia, a political independent and confessed talk-radio fan, detected a shift toward paranoia in the air waves by mid-May. When “the tone darkens toward a rhetoric of purgation and annihilation,” she observed in Salon, “there is reason for alarm.” She cited a “joke” repeated by a Rush Limbaugh fill-in host, a talk-radio jock from Dallas of all places, about how “any U.S. soldier” who found himself with only two bullets in an elevator with Nancy Pelosi, Harry Reid and Osama bin Laden would use both shots to assassinate Pelosi and then strangle Reid and bin Laden.

This homicide-saturated vituperation is endemic among mini-Limbaughs. Glenn Beck has dipped into O’Reilly’s Holocaust analogies to liken Obama’s policy on stem-cell research to the eugenics that led to “the final solution” and the quest for “a master race.” After James von Brunn’s rampage at the Holocaust museum, Beck rushed onto Fox News to describe the Obama-hating killer as a “lone gunman nutjob.” Yet in the same show Beck also said von Brunn was a symptom that “the pot in America is boiling,” as if Beck himself were not the boiling pot cheering the kettle on.

But hyperbole from the usual suspects in the entertainment arena of TV and radio is not the whole story. What’s startling is the spillover of this poison into the conservative political establishment. Saul Anuzis, a former Michigan G.O.P. chairman who ran for the party’s national chairmanship this year, seriously suggested in April that Republicans should stop calling Obama a socialist because “it no longer has the negative connotation it had 20 years ago, or even 10 years ago.” Anuzis pushed “fascism” instead, because “everybody still thinks that’s a bad thing.” He didn’t seem to grasp that “fascism” is nonsensical as a description of the Obama administration or that there might be a risk in slurring a president with a word that most find “bad” because it evokes a mass-murderer like Hitler.

The Anuzis “fascism” solution to the Obama problem has caught fire. The president’s nomination of Sonia Sotomayor to the Supreme Court and his speech in Cairo have only exacerbated the ugliness. The venomous personal attacks on Sotomayor have little to do with the 3,000-plus cases she’s adjudicated in nearly 17 years on the bench or her thoughts about the judgment of “a wise Latina woman.” She has been tarred as a member of “the Latino KKK” (by the former Republican presidential candidate Tom Tancredo), as well as a racist and a David Duke (by Limbaugh), and portrayed, in a bizarre two-for-one ethnic caricature, as a slant-eyed Asian on the cover of National Review. Uniting all these insults is an aggrieved note of white victimization only a shade less explicit than that in von Brunn’s white supremacist screeds.

Obama’s Cairo address, meanwhile, prompted over-the-top accusations reminiscent of those campaign rally cries of “Treason!” It was a prominent former Reagan defense official, Frank Gaffney, not some fringe crackpot, who accused Obama in The Washington Times of engaging “in the most consequential bait-and-switch since Adolf Hitler duped Neville Chamberlain.” He claimed that the president — a lifelong Christian — “may still be” a Muslim and is aligned with “the dangerous global movement known as the Muslim Brotherhood.” Gaffney linked Obama by innuendo with Islamic “charities” that “have been convicted of providing material support for terrorism.”

If this isn’t a handy rationalization for another lone nutjob to take the law into his own hands against a supposed terrorism supporter, what is? Any such nutjob can easily grab a weapon. Gun enthusiasts have been on a shopping spree since the election, with some areas of our country reporting percentage sales increases in the mid-to-high double digits, recession be damned.

The question, Shepard Smith said on Fox last week, is “if there is really a way to put a hold on” those who might run amok. We’re not about to repeal the First or Second Amendments. Hard-core haters resolutely dismiss any “mainstream media” debunking of their conspiracy theories. The only voices that might penetrate their alternative reality — I emphasize might — belong to conservative leaders with the guts and clout to step up as McCain did last fall. Where are they? The genteel public debate in right-leaning intellectual circles about the conservative movement’s future will be buried by history if these insistent alarms are met with silence.

It’s typical of this dereliction of responsibility that when the Department of Homeland Security released a plausible (and, tragically, prescient) report about far-right domestic terrorism two months ago, the conservative response was to trash it as “the height of insult,” in the words of the G.O.P. chairman Michael Steele. But as Smith also said last week, Homeland Security was “warning us for a reason.”

No matter. Last week it was business as usual, as Republican leaders nattered ad infinitum over the juvenile rivalry of Sarah Palin and Newt Gingrich at the party’s big Washington fund-raiser. Few if any mentioned, let alone questioned, the ominous script delivered by the actor Jon Voight with the G.O.P. imprimatur at that same event. Voight’s devout wish was to “bring an end to this false prophet Obama.”

This kind of rhetoric, with its pseudo-Scriptural call to action, is toxic. It is getting louder each day of the Obama presidency. No one, not even Fox News viewers, can say they weren’t warned.

The New York Times
June 14, 2009

The Big Hate


By PAUL KRUGMAN

Back in April, there was a huge fuss over an internal report by the Department of Homeland Security warning that current conditions resemble those in the early 1990s — a time marked by an upsurge of right-wing extremism that culminated in the Oklahoma City bombing.

Conservatives were outraged. The chairman of the Republican National Committee denounced the report as an attempt to “segment out conservatives in this country who have a different philosophy or view from this administration” and label them as terrorists.

But with the murder of Dr. George Tiller by an anti-abortion fanatic, closely followed by a shooting by a white supremacist at the United States Holocaust Memorial Museum, the analysis looks prescient.

There is, however, one important thing that the D.H.S. report didn’t say: Today, as in the early years of the Clinton administration but to an even greater extent, right-wing extremism is being systematically fed by the conservative media and political establishment.

Now, for the most part, the likes of Fox News and the R.N.C. haven’t directly incited violence, despite Bill O’Reilly’s declarations that “some” called Dr. Tiller “Tiller the Baby Killer,” that he had “blood on his hands,” and that he was a “guy operating a death mill.” But they have gone out of their way to provide a platform for conspiracy theories and apocalyptic rhetoric, just as they did the last time a Democrat held the White House.

And at this point, whatever dividing line there was between mainstream conservatism and the black-helicopter crowd seems to have been virtually erased.

Exhibit A for the mainstreaming of right-wing extremism is Fox News’s new star, Glenn Beck. Here we have a network where, like it or not, millions of Americans get their news — and it gives daily airtime to a commentator who, among other things, warned viewers that the Federal Emergency Management Agency might be building concentration camps as part of the Obama administration’s “totalitarian” agenda (although he eventually conceded that nothing of the kind was happening).

But let’s not neglect the print news media. In the Bush years, The Washington Times became an important media player because it was widely regarded as the Bush administration’s house organ. Earlier this week, the newspaper saw fit to run an opinion piece declaring that President Obama “not only identifies with Muslims, but actually may still be one himself,” and that in any case he has “aligned himself” with the radical Muslim Brotherhood.

And then there’s Rush Limbaugh. His rants today aren’t very different from his rants in 1993. But he occupies a different position in the scheme of things. Remember, during the Bush years Mr. Limbaugh became very much a political insider. Indeed, according to a recent Gallup survey, 10 percent of Republicans now consider him the “main person who speaks for the Republican Party today,” putting him in a three-way tie with Dick Cheney and Newt Gingrich. So when Mr. Limbaugh peddles conspiracy theories — suggesting, for example, that fears over swine flu were being hyped “to get people to respond to government orders” — that’s a case of the conservative media establishment joining hands with the lunatic fringe.

It’s not surprising, then, that politicians are doing the same thing. The R.N.C. says that “the Democratic Party is dedicated to restructuring American society along socialist ideals.” And when Jon Voight, the actor, told the audience at a Republican fund-raiser this week that the president is a “false prophet” and that “we and we alone are the right frame of mind to free this nation from this Obama oppression,” Mitch McConnell, the Senate minority leader, thanked him, saying that he “really enjoyed” the remarks.

Credit where credit is due. Some figures in the conservative media have refused to go along with the big hate — people like Fox’s Shepard Smith and Catherine Herridge, who debunked the attacks on that Homeland Security report two months ago. But this doesn’t change the broad picture, which is that supposedly respectable news organizations and political figures are giving aid and comfort to dangerous extremism.

What will the consequences be? Nobody knows, of course, although the analysts at Homeland Security fretted that things may turn out even worse than in the 1990s — that thanks, in part, to the election of an African-American president, “the threat posed by lone wolves and small terrorist cells is more pronounced than in past years.”

And that’s a threat to take seriously. Yes, the worst terrorist attack in our history was perpetrated by a foreign conspiracy. But the second worst, the Oklahoma City bombing, was perpetrated by an all-American lunatic. Politicians and media organizations wind up such people at their, and our, peril.

The New York Times


June 12, 2009


June 9, 2009

Piratas saem vencedores de eleição

Com 7,1% dos votos na Suécia, legenda que defende desregulamentação da web conquista assento

Joana Duarte

O Partido Pirata da Suécia defende apenas três causas: a abolição dos direitos autorais, do sistema de patentes e a redução da vigilância na internet. Com esse apelo, conseguiu 7,1% dos votos nas eleições europeias na Suécia – ou cerca de 200 mil votos – e vai ocupar pelo menos um dos 18 assentos destinados ao país escandinavo no Parlamento Europeu, de um total de 736 deputados. O partido foi o quinto mais votado pelos eleitores suecos e deve ser representado por seu atual vice-presidente, o programador Christian Engstrom, de 49 anos.

– Isto é fantástico – comemorou Engstrom. – Mostra que há muitas pessoas que acham a integridade pessoal importante e que acreditam que devemos lidar com a internet e com a nova sociedade da informação de maneira correta.

Fundado em 2006 pelo empresário de informática Rickard Falkvinge, a legenda nasceu de uma reação a ataques contra o site sueco de compartilhamento de arquivos Pirate Bay e, naquele mesmo ano, concorreu ao pleito para o Parlamento sueco. Recebeu 0,6% dos votos, o que não foi suficiente para eleger ninguém. Três anos mais tarde, com mais de 40 mil partidários, o PP é hoje a terceira maior organização política da Suécia.

Em abril, após a condenação pela Justiça sueca dos quatro responsáveis pelo Pirate Bay, o partido viu sua popularidade aumentar. No mesmo dia em que a sentença foi divulgada, recebeu 16 mil novas filiações, mais do que as 15 mil que tinha até então. Os réus foram condenados a um ano de prisão por cumplicidade na partilha ilegal de arquivos na internet e a pagamento de multa de US$ 3,9 milhões.

Para Bruno Magrani, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, o Partido Pirata é fundamental no contexto da politização do debate sobre direitos autorais e downloads de obras. Magrani lembra que nos últimos anos a indústria de conteúdo vem promovendo uma série de ações contra usuários e implementando travas tecnológicas para tentar impedir o download de obras na internet, o que gera grande revolta, particularmente entre os internautas mais jovens.

Engstrom também creditou a vitória do partido ao comparecimento dos jovens às urnas – cerca de 19% dos eleitores com menos de 30 anos votaram na legenda.

– Estamos muito fortes entre os jovens com menos de 30 anos. São os que compreendem que um novo mundo de liberdade de informação é o melhor, e já deram sinais de que não gostam como os grandes partidos tratam esses assuntos. Vamos usar toda a nossa força para defender nossa integridade pessoal e direitos civis – prometeu Engstrom.

Para Magrani, o sucesso do partido mostra que havia uma falta de legitimidade no discurso oficial no que diz respeito a questões de direitos autorais.

– Apesar de a lei de direito autoral dizer que não se pode fazer cópias, todo mundo baixa obras na internet. A Justiça está começando a punir os usuários, e como a sociedade já incorporou o hábito de baixar coisas da internet, está vendo que precisa fazer alguma coisa para se proteger, com regras que permitam o download de conteúdo.

Com a conquista de uma a duas cadeiras no Parlamento Europeu, o PP começa a ver a si próprio como uma força política em rápida ascensão na União Europeia. Para Rick Falkvinge, seu partido acaba de "entrar para a história da política".

– Hoje, os políticos reconheceram que apoiar o que os grupos de interesses especiais querem poderá custar seus empregos. Somos o maior partido no segmento abaixo de 30 anos. Estamos construindo um futuro de liberdades.

Há Partidos Piratas oficialmente registrados também na Áustria, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Polônia e Finlândia.

Jornal do Brasil, terça-feira, 09 de Junho de 2009 - 00:00

June 6, 2009

Ginga e cor redefinem os clássicos

Dias Gomes, Jorge Amado e José de Alencar ganham novo frescor nas Hqs

Jotabê Medeiros

Clássicos em quadrinhos enchem as prateleiras das livrarias nesse gélido anúncio de inverno brasileiro. Há muito que os quadrinistas nacionais perderem o respeito pelos clássicos da literatura e da dramaturgia, o que tem sido bom para ambos: o sagrado não é intocável, não é intangível.

Entre as melhores obras que chegam às livrarias estão três versões ambiciosas. Duas delas são de autores também consagrados: João Spacca e Luiz Gê, brilhantes quadrinistas brasucas de reputação internacional. Mas a maior surpresa é de um menos badalado: o gaúcho Eloar Guazzelli, que transformou em graphic novel a peça O Pagador de Promessas, texto de Dias Gomes que, adaptado para o cinema, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1962.

Com prefácio do poeta maranhense Ferreira Gullar, O Pagador de Promessas (Agir Editora) é uma reinvenção da história com uma bossa de artesanato popular. As cores dos quadrinhos parecem as cores daquelas igrejas de barro que a gente compra como souvenir em Juazeiro do Norte ou Paraty.

O drama de Zé do Burro, disposto a cumprir a qualquer custo a sua promessa de entregar a cruz dentro da igreja matriz, e cuja romaria se torna espetáculo e armadilha social, é narrado com maestria por Eloar Guazzelli. Ele diz, em seu posfácio, que "a obra de Dias Gomes prova que é possível fazer arte de qualidade para o grande público" e que buscou levar essa regra para os quadrinhos.

De fato, sua adaptação, que parece dar vida à imagem como as manufaturadas pelas artesãs Irmãs Cândido, do Ceará, dá um novo frescor ao trabalho, e parece conectá-lo com histórias cinematográficas semelhantes anteriores, como Bye Bye Brasil e a Caravana Rolidei de Cacá Diegues.

"Desse modo, O Pagador de Promessas é também uma radiografia da ameaça que representa a cidade à preservação de valores humanos, supostamente mantidos pela gente simples do campo", escreve Ferreira Gular. "Nesse sentido, a peça se aproxima da visão rousseauniana, segundo a qual a civilização corrompe o ser humano, nascido bom e puro."

O cartunista João Spacca já tinha antecedentes: fez um belo trabalho em D. João Carioca, sobre a chegada da corte portuguesa ao Brasil. Agora, com a ajuda de alguns amigos "baianólogos", como conta, mergulhou no universo de Jorge Amado com a adaptação gráfica de Jubiabá (selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras).

Publicado em 1936, quando Jorge Amado tinha apenas 23 anos, Jubiabá foi um dos primeiros romances da literatura brasileira a ter um herói negro. Foi grande sucesso e projetou o autor. Lançado na França, recebeu elogio de Albert Camus, em um artigo escrito pelo francês em 1939.

Spacca foi pelo caminho do arredondamento, da ginga e da malandragem para contar histórias como a de Lindinalva, e de como foi de filha cobiçada de comendador para as casas de mulheres da vida de Salvador. Ao final, nos brinda,como de hábito, com um sketchbook para que os aficionados possam conhecer os estudos que deram forma a personagens míticos, como Antônio Balduíno e do Pai Jubiabá, além de terem revisita.



Já o trabalho de Luiz Gê e Ivan Jaf na adaptação de O Guarani, de José de Alencar (Editora Ática), tem um sentido claramente didático. O volume vem até com um Suplemento do Professor, no qual alunos vão discutir a obra proposta pela série Clássicos Brasileiros em HQ, da editora em questão.

Nos anos 80 e 90, Luiz Gê assombrava com seus trabalhos gráficos. Da capa do disco Tubarões Voadores, de Arrigo Barnabé, a álbuns como Território de Bravos, o arquiteto formado pela FAU (onde dá aulas hoje; também leciona no Mackenzie) desbravou todo um universo para os cartunistas que vieram a seguir.

O trabalho de Gê em O Guarani é igualmente minucioso e surpreendente. A captura de uma onça pelo índio batedor é uma sequência sublime, e remete ao trabalho do pioneiro Angelo Agostini em As Aventuras de Nhô Quim. Parece uma fusão maluca de O Príncipe Valente com xilogravura de cordel.

A adaptação ficou por conta de Ivan Jaf, autor de mais de 40 livros, peças e roteiros cinematográficos. Jaf trabalhou na antiga Editora Vecchi, uma das pioneiras na publicação de histórias em quadrinhos no Brasil, e já tinha sido responsável pela adaptação de outro clássico, O Cortiço, para os quadrinhos.

"O desfecho de O Guarani simboliza a formação da nacionalidade brasileira, que teria se originado do encontro de Peri (um indígena) com Ceci (filha do colonizador), os únicos sobreviventes." A partir daí, os autores (e os leitores-alunos) discutem a questão da idealização do brasileiro por José de Alencar (1829-1877), entre outros temas.

Estadão, 6 de junho de 2009

June 4, 2009

O mijão motorizado e o caminhar dos cidadãos

Engarrafamento de coluna: o mijão motorizado

Roberto DaMatta

Neste 14 de maio passado, sigo — graças à perene generosidade do meu colega e querido amigo Valter Sinder — de carona para a PUC onde damos aula. No posto de gasolina situado na entrada da ponte que liga o Rio a Niterói (esse país estrangeiro mais próximo dos cariocas, onde moramos), topamos com o rotineiro e inevitável funil que vergonhosamente entope o trânsito em todas as grandes cidades brasileiras. Valter resolve abastecer o carro. Na saída, deu-se o inesperado: um Citroën, novo em folha, está acintosamente parado na saída do posto. Valter, como todo bom motorista brasileiro que se preza, não espera, contorna o carro que o bloqueia e então nos deparamos com o motorista que, em pé, com cara limpa e porta aberta, urina tranquilamente na calçada. Seu rosto estampa a bonança brasileira do senador ex-presidente que não sabe que recebe ilegalmente um auxílio-moradia porque, com tanto dinheiro, não precisa conferir seu contracheque.

Nessas caras que eram de pau, mas são hoje feitas do mais puro aço inoxidável, não há nenhum sentimento de vergonha ou estranheza. Nelas, estampa-se apenas a serenidade dos superiores que exercem o direito aristocrático de revelar como estão acima das normas a seu bel-prazer, podendo roubar o erário, distribuir dinheiro público para o seu partido ou mijar na frente de todo mundo.

Qual a diferença? Quem esperava condução e estava na frente do mijão faz o que todos temos feito ao longo destes anos todos de inútil demanda igualitária: desolham.

Fingem que não veem. Mas, eis o ponto, ninguém ousa fazer coisa alguma! Não se ouvem as buzinadas iracundas que acontecem quando um velhinho tenta atravessar ou quando uma criança sai de um automóvel defronte de uma escola. O mijão exerce seu pleno direito de romper com as regras mais básicas do convívio social certo de que, pelo tipo de carro, pela cor da pele e pela “aparência”, ele era um dos nossos cavalões de raça.

Desses que, comilões, podem fazer tudo. Todos aceitamos o ato do mijão que — era óbvio — não estava apenas satisfazendo uma necessidade inadiável, mas mostrando o membro viril. O símbolo deste poder indigno e abusivo que, a partir de um certo estatuto social, todos somos capazes de adquirir. O poder de descolar das normas públicas de decência que não se aplicam com a mesma força para todos. Uns podem ignorá-las, outros não as conhecem, alguns rompem com elas de modo de liberado e acintoso, como fez esse cavalão, mostrando a arrogância que, no Brasil de hoje, é moeda corrente daqueles que estão no poder.

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Entro num táxi e, na Avenida Visconde de Pirajá, a mais badalada do Rio de Janeiro, equivalente social da Rua Oscar Freire, em São Paulo, topamos com um trecho bloqueado por um veículo enguiçado. O motorista aproveita para me contar o seguinte: na semana passada viu-se diante de um Volvo de última geração, igualmente enguiçado. Quando ele se preparava para a ultrapassagem, um senhor sai do carro, entra no seu táxi e manda que ele siga para um condomínio de luxo. Alarmado, o taxista pergunta se o rico proprietário do Volvo vai abandonar o automóvel ali, em plena rua, correndo o risco de ser roubado. O dono retruca que está pouco se lixando.

O carro tem seguro e se for roubado ele recebe outro; a responsabilidade não era dele, mas da companhia de seguro. O motorista, parvo com essa demonstração de riqueza, poder e descaso para com o espaço público, segue em frente.

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Ando pelas calçadas sempre perplexo com o caminhar dos meus companheiros de “cidadania” que não mudam de rumo, mesmo sabendo que estão vindo em minha direção.

A regra, deduzo, é a de que sou eu quem deve dar a devida passagem, pois estão todos imbuídos daquela “sobranceria” que Sergio Buarque de Holanda destaca como um traço da sociabilidade hispânica, e se consideram superiores. Afinal, como falamos aqui no Brasil, os “incomodados que se mudem” pois eles, como o nobre deputado, pouco se lixam para os outros. Assim, é só no derradeiro instante que viram condescendentemente o corpo para o lado, dando lugar ao velhinho que caminha em sentido contrário. Ou simplesmente nada fazem e eu é que trato de me safar para não receber um encontrão. O fato é que todos caminham de peito estufado, sem prestar atenção nos outros, cuja obrigação é de ceder o espaço. É o velho estilo Carlota Joaquina (esposa de Dom João VI), que obrigava os que cruzavam o seu caminho a postarem-se de joelhos e tirar o chapéu em respeito a sua sacrossanta pessoa de princesa e rainha.

Eu fico fascinado com esse estilo de usar o espaço que teoricamente pertence a todos nós, brasileirinhos democratas e, em princípio e até segunda ordem, pessoas normais e comuns.

Andamos de peito estufado e sem a menor preocupação com quem conosco divide a calçada que a partir do momento que saímos de casa passa a ser nossa e muito nossa. E que o prefeito deveria mandar, como diz a velha canção, ladrilhar. Não para o nosso amor passar, mas para nós, na nossa santa ignorância de democratas que não sabem o que é viver numa democracia!

A arrogância no Brasil de hoje é moeda corrente.


O Globo, 3 de junho de 2009