June 29, 2009

Desconstruindo musicalmente Michael Jackson

Luiz Romanholi

Duas ou três coisas que sei de Michael Jackson.

Se tiverem saco de ler...

A parada é a seguinte. Michael Jackson era um menino quando começou a carreira. Eles gravaram por selos independentes antes de estourar na Motown. Quando o Jackson 5 foi lançado pela Motown, as quatro primeiras músicas lançadas em compacto chegaram ao topo da parada americana. Numa enfiada só. De uma hora pra outra, aos 11 anos, ele era um "femônemo", aparecendo direto na TV. Ora, como um moleque de 11 anos faria arranjos e dirigiria a concepção musical da própria carreira. Ainda mais na Motown, que era uma linha de produção inspirada na Ford e onde quem decidia tudo eram os arranjadores e produtores? Stevie Wonder e Marvin Gaye levaram anos para ter autonomia lá dentro.

Quando o Jackson 5, já como The Jacksons foi pra Epic (selo da CBS), foi gravar com Gamble & Huff, da gravadora Philadelphia International, àquela altura responsável pelo som "novo" do momento, um estilo que daria na disco music. Foi por ali que ele começou a fuçar com produção e entendeu que precisaria ser dono do próprio nariz (coisa que ele levaria a um extremo infeliz).

Em 1979, ele lançou "Off the wall". O disco levou o MJ para um novo patamar de popularidade. Ele ficou satisfeito com o resultado, prinicipalmente musical, mas decidiu que queria ser mais, queria ser um ícone. Queria ser igual aos Beatles e a Elvis. A conclusão foi que ele precisaria "se fabricar". Entre "Off" e "Thriller" (82), ele passou por uma reformulação. Fez plástica. Passou a ter aulas de dança com o Jeffrey Daniels, cantor e dançarino do Shalamar. Daniels fez parte do Electric Boogaloos, grupo de dança de rua que ficou famoso no começo da cultura hip-hop e do break dance. Foi o Daniels que ensinou o "moon walk" pro MJ. Aliás, ele conta que "moon walk" era o nome que batizava outro passo de dança. O nome correto do passo era "slide". O MJ rebatizou. Daniels conta que o MJ ficava horas praticando e filmava suas coreografias, aperfeiçoando cada movimento. Paralelamente a isso, ele mudou o visual. Notem que ele pegou emprestado o visual de dois caras que estavam bombando no momento: Prince e Rick James. Some-se a isso os movimentos do break reempacotados e o movimento de perna de Elvis adaptados e temos uma coisa absolutamente nova. E, claro, amarrado dentro do conceito dos clipes.

Do ponto de vista musical, "Thriller" bebeu muito de Prince, Rick James e Junior ("Mamma used to say" é citada por ele em "Billy Jean", se não me falha a memória). Esses três misturavam funk com rock. Aqui vale um parênteses. Michael Jackson era um cantor de funk, não de soul. Sua divisão rítmica é de funk. É um estilo mais agressivo, menos suave, sem arestas aparadas. Ele canta baladas muito bem, mas arrebenta mesmo cantando funk. The Jacksons era um grupo de funk. Assim como a sua dança: ele dançava "dentro" da música, como se fosse um instrumento a mais, resultado de James Brown + break dance. Junte a isso tudo o talento do cara para compor hits, a genialidade do Quincy Jones e uma estratégia de marketing perfeita e temos algo comparável, sim, a Beatles e Elvis. Não à toa, ele comprou os direitos das músicas do primeiro e casou com a filha do segundo. Sintomático. Michael "Thriller" = Beatles + Elvis + James Brown + Motown + Jackie Wilson + new wave.

Uma historinha que amarra mais ainda essa relação entre ele e Elvis e Beatles. Esses dois foram protagonistas de momentos marcantes na história da televisão, da música e da cultura pop: suas aparições no Ed Sullivan Show pararam e chocaram (no caso de Elvis) o país. Michael também teve o seu momento. Foi no show de 25 anos da Motown, em 1983. Ele já era da Epic e a Motown pediu para liberá-lo para o show, transmitido pela NBC (se não me engano) e visto por 47 milhões de pessoas. A CBS respondeu: só se ele puder cantar uma música do disco novo. A Motown topou. O que se viu foi um espanto: pela primeira vez a coreografia de "Billy Jean", com direito a "moon walk", luvinha branca, calça pescando e todos os passinhos. Ninguém tinha visto porque o clipe não tinha saído ainda. O primeiro compacto de "Thriller" foi "The girl is mine", cujo clipe não tinha nada de dancinha. Ele e a gravadora esperaram o momento certo para lançar. No dia seguinte a apresentação foi notícia nos EUA.

Por último: para entender Michael Jackson, James Brown, Beyoncé, Prince, aquela presepada no palco, é preciso entender o circuito chitlin americano e a tradição dos shows de vaudeville dos negros do começo do século XX. É só assistir a "Cotton club". Tá tudo lá, com uma música diferente.


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