June 22, 2009

Ecad enfrenta as fogueiras juninas

Escritório de Arrecadação dos Direitos Autorais cria polêmica ao cobrar por trilhas executadas durante as quadrilhas

Pedro Venceslau

No último dia 6, um moço sem chapéu de palha apareceu na tradicional festa junina do Colégio Jabaquara, em São Paulo, com uma notícia para a diretora, Mercia Romar. "Pelas minhas contas, há umas 150 pessoas aqui. A sra. deve, portanto, pagar uns R$ 100. Acho que isso está bom." Mercia disse que não daria nem um tostão e terminou a festa recebendo uma ameaça: sua escola será cobrada judicialmente por não pagar os direitos autorais das músicas tocadas durante a quadrilha.

A visita indesejada foi de um fiscal do Ecad, o temido Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, entidade responsável pela arrecadação e a distribuição de direitos autorais no Brasil. Cabe ao Ecad, entre outras coisas, ranquear as músicas mais tocadas no rádio e TV para, depois, cobrar por elas. Em alguns casos, a forma de atuação do "Escritório" é controversa. Recentemente, um dentista de Angra dos Reis foi autuado por deixar a TV ligada na sala de espera. Motivo: ele estaria tirando proveito econômico por proporcionar aos "clientes" uma forma de relaxar.

Nas escolas, entretanto, houve forte reação. "Em 2008, pagamos R$ 150 antes da festa, mas este ano recebi email do Sindicato (dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo) orientando a não pagar nada", conta a diretora Mercia. O episódio no Colégio Jabaquara ilustra o principal foco de resistência ao trabalho do Ecad. "Essa cobrança é ilegal. A Lei 9610, de 1998, autoriza a execução de música sem pagamento de direitos autorais em eventos educacionais", diz Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato e diretor do Colégio Albert Einstein, em Interlagos. "Festas juninas não têm finalidade didática. As escolas cobram ingresso e vendem bebida, então há uma relação comercial clara. O dono da música precisa receber por isso", rebate Márcio Fernandes, gerente de arrecadação do Ecad.

O trabalho de fiscalização é bastante complexo, especialmente em São Paulo, onde só há 23 técnicos de arrecadação treinados e credenciados. Eles escolhem as escolas por amostragem e vão até lá com equipamento de captação sonora. Depois, degravam tudo e fazem um ranking (veja box) com as mais executadas para definir quanto cada artista (ou banda) deve receber. Essa política divide os músicos. Para a banda Fala Mansa, campeã de execuções, o dinheiro recebido com a cobrança de direitos autorais no período de festas juninas é fundamental para fechar o orçamento no fim do ano. "Esse dinheiro é importante para a vida da banda. Agora, por exemplo, estamos atrás de verba para gravar nosso DVD. Não somos ricos. Vendemos nossos CDs de mão em mão. Trabalhamos para sobreviver ao dia seguinte", diz Tato Cruz, vocalista da banda.

Ele reclama que devia receber bem mais de direitos autorais, já que "junho bomba" com as músicas do Fala Mansa. "Mas por mais que se fiscalize, sempre tem gente burlando." Já o sanfoneiro Waldonis, um dos mais requisitados nas festas juninas do Ceará, pensa diferente. "Não recebo nada do Ecad. Isso é meio chato, um negócio desorganizado. Quando fazemos show, eles caem matando em cima do dono da casa, que acaba reclamando conosco. Não acho que as escolas devam pagar. Só ganha quem está com a música estourando nas paradas. Para mim, sempre dizem: não rodou, não rodou. Mas sei que minhas músicas tocam direto nas festa junina, principalmente no Nordeste." Ainda há muita fogueira para queimar nesse arraiá da discórdia.


Os Campeões

Ranking dos músicos que obtiveram maior rendimento com a arrecadação de direitos nas Festas Juninas em 2008

1.GONZAGÃO

2.LAMARTINE BABO

3.TATO

4.ZÉ DANTAS

5.ALBERTO RIBEIRO

6.ANTÔNIO BARROS

7.MÁRIO ZAN

8.HUMBERTO TEIXEIRA

9.DORGIVAL DANTAS

10.JOÃO SILVA

Referente às músicas captadas em festejos populares, escolas, eventos de igrejas, etc. (não estão computadas as casas de shows)

Estadão, 22 de junho de 2009

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