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Matriarca relembra casos como noivado terminado por causa da Portela e conta que sonha em conhecer Portugal
Aviso que faremos uma foto, e a fotógrafa Ana Branco tenta tranquilizá-la. “Sei que você já não aguenta mais posar...”, comenta, ao passo que a aniversariante responde: “Puta que pariu, estou saturada”. Mas não se trata de grosseria ou estrelismo. Quem conhece a matriarca da azul e branco sabe que a falta de cerimônia é sua marca registrada, um jeito peculiar de exercer o carisma. “É só não mexer comigo. Não gosto de paparicação. Gosto de ser bem tratada.”
Dominada a situação, ela solta as primeiras risadas e diz: “Enquanto tiver força e saúde, estou na estrada”. Foram muitos quilômetros rodados e milhas voadas até aqui. Semanas atrás, por exemplo, foi a Paris para uma apresentação. Quando fita o horizonte, reconhece que já começou a “contar o tempo”, mas ainda há territórios a serem desbravados. Sonha em conhecer Portugal e tem, entre as possibilidades, a produção de um documentário sobre a própria história. “Com disposição, mesmo com dor, vou aonde tiver que ir”, comenta ela, que faz fisioterapia para amenizar a artrite e a artrose. A matriarca também perdeu uns quilinhos. A dieta, avisa, passa longe das canetas emagrecedoras. “Parei de jantar”, conta a sambista, que anda abrindo mão até da cerveja. “Quando chegamos a uma certa idade, precisamos nos poupar.”
Entre os segredos por trás da vitalidade, Tia Surica cita a importância de manter os pés no chão. “Tem que ter carisma, tratar todo mundo bem e não deixar o sucesso subir à cabeça. Eu me sinto lisonjeada com as homenagens, mas não tem essa de ficar com o nariz empinado. Sou a mesma pessoa de sempre”, diz, evocando uma história de oito décadas. Afinal, começou a desfilar na Portela quando tinha 4 anos, ao lado da mãe. “Não tenho outra escola. É a minha segunda família.”
Trata-se, na verdade, de um casamento. Surica fez história na agremiação quando foi uma das intérpretes do samba-enredo “Memórias de um Sargento de Milícias” na Avenida, em 1966. Na época, tinha um noivo que não via com bons olhos o protagonismo da companheira, mas ela deu de ombros para as advertências do moço. “Só me esqueci que aparecia na TV, ainda em preto e branco. Dias depois, ele desfez o noivado. Estou casada com a Portela até hoje”, conta a baluarte, que tatuou no braço a águia da agremiação, quando fez 80 anos. Desfeito o enlace, tampouco quis saber de filhos. “Com essa rotina, ia ter criança para ficar nas mãos dos outros? Que nada! Esse negócio de filho é uma ilusão.”
Sozinha, de todo modo, jamais esteve. Além de promover badaladas feijoadas, divide há anos a casa onde mora com a amiga Tia Irani. Uma parceria selada na Lavanderia Confiança, que funcionava na Rua Senador Furtado, no Maracanã, onde trabalhavam juntas. Além de serem boas de papo, as duas compartilham a mesma ideia sobre casamento. “Tive dois noivos, mas eles implicavam com a minha cerveja. Imagina só? Bebo desde os 13 anos”, diverte-se Irani, que mandou às favas os pretendentes. “Casei com a Surica, minha irmã de coração. Brigamos, ela é bravinha, mas é muito leal. Se disser que estou com dor de cabeça, manda logo eu ir ao médico.”
Amiga com aura de nobreza. Entre os títulos que ostenta está o de Cidadã Benemérita do Município, concedido pela Câmara dos Vereadores do Rio, em 2023. É também queridinha do prefeito Eduardo Paes, ao lado de quem aparece com frequência. “Tia Surica carrega as raízes e a alma carioca no jeito de ser, de cantar, de receber a gente”, ele diz. “É aquele sorriso generoso que a cidade conhece.”
Autora do samba “Cafofo da Surica”, Teresa Cristina lembra que, acima de tudo, a portelense é patrimônio vivo da nossa cultura. “Ela tem a vivência de ter conhecido todas as pessoas pertencentes a uma classe que não vamos ter no futuro, que são as pastoras”, diz, em referência ao nome dado às sambistas da Portela. “Embora alguns ainda tenham um olhar secundário sobre elas, eram fundamentais para que um samba desse certo. Se não balançassem o lencinho ou aprendessem a letra na hora, a composição não se conectava à quadra.”
É por essas e outras que o temperamento da matriarca é, na verdade, mero detalhe, segundo Teresa. “Ela me esculhamba ao vivo, mas é um amor de pessoa. Detesta, por exemplo, quando desfilo em outra escola. Se pudesse, me dava uma banda”, diverte-se a cantora. “Já imaginou se tivesse 10cm a mais (ela tem 1,47m de altura). Pode reparar: a Surica tem essa marra toda e nunca olha para cima. Quem quiser falar com ela, que abaixe a cabeça.”
GLOBO
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