Quem esperava uma queda de popularidade do presidente, frustrou-se. Apesar das 181 mil mortes por covid-19 no país até o momento, o presidente Bolsonaro ostenta, no Datafolha deste domingo (13), uma aprovação de 37% entre os brasileiros que acham seu governo ótimo ou bom, mesmo nível dos números de agosto deste ano. Oscilaram os que avaliam Bolsonaro como ruim ou péssimo (de 34% para 32%) e os que o avaliam como regular (de 29% para 27%), oscilações dentro da margem de erro de dois pontos para mais ou para menos.
Tudo estável sob o sol de Brasília, exceto o luto de milhares de brasileiros e brasileiras que enterraram os seus entes queridos sem poder se despedir propriamente deles e delas. A dor de testemunhar um familiar se afogar em terra seca é incomensurável em percentuais de popularidade. Para quem vivenciou na pele essa dor ou a viu passar mais ou menos perto, é incompreensível e revoltante ver o presidente que flerta com o genocídio manter um terço de aprovação. Tampouco serve de alento constatar que, mesmo com este número, trata-se da pior avaliação em primeiro mandato entre os presidentes eleitos depois da redemocratização, depois do Collor.
Por que então Bolsonaro mantem a aprovação de agosto deste ano? Proponho a seguinte tese: a combinação entre negacionismo pandêmico, mudança de atitude diante do Nordeste e apoio tradicional ajuda, ao menos em parte, a explicar o absurdo em que nos metemos.
Primeiro, a contrario sensu, a aprovação do presidente se beneficia, em parte, do negacionismo da pandemia já que quem mais o aprova não leva a pandemia tão a sério (por exemplo, 54% entre os que não mudaram sua rotina na pandemia aprovam o presidente, e entre aqueles que acham que a Covid-19 está piorando, 43% nunca confiam em Bolsonaro).
Se acordarmos do sono profundo, veremos que a imprensa no Brasil vive sob ataque sistemático à sua credibilidade e à integridade, inclusive física, de jornalistas, e o interior do país vive um apagão jornalístico com a ausência de veículos de imprensa independentes. Negacionismo pandêmico ajuda a popularidade do Bolsonaro entre aqueles que não confiam em outra pessoa que não o próprio presidente.
Parte dos 37% que aprovam o presidente não mudarão de ideia sobre o governo somente porque jornais como esta Folha explicitaram com todas as palavras, como devem fazer, a “estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro”, simplesmente porque boa parte destas pessoas não leva os jornais a sério ou sequer os lê. Reverter isso passa por investir cada vez mais na capilaridade da imprensa no território nacional, e desconstruir o elogio da ignorância em que nos metemos onde ignorar fatos se tornou motivo de orgulho. Passa, inclusive, por desmantelar as fontes de dinheiro que alimenta a desinformação como faz o corajoso casal de estudantes do Sleeping Giants Brasil.
Segundo, Bolsonaro manteve a queda em sua reprovação no Nordeste (queda de 52% em junho a 35% em agosto e mantida em 34% em dezembro). Explicar este fenômeno apenas por conta do auxílio emergencial significa ver apenas parte da fotografia: Bolsonaro tem investido mais em visitas à região –foi sete vezes a estados do Nordeste entre junho e outubro– e os partidos do centrão como PP, PSD e MDB foram bem na região, em especial fora das capitais.
Analistas sudestinos tendem a reduzir tudo ao auxílio emergencial, diminuindo a complexidade da mudança do apoio da região Nordeste ao Bolsonaro (poucos fazem o mesmo raciocínio linear com os auxílios diretos e indiretos que a Faria Lima ganha com a política econômica em São Paulo, diga-se).
Se Bolsonaro ganhar o apoio do centrão –que gravita como uma mosca moribunda em torno do poder mesmo em putrefação– para estender auxílio emergencial sob forma de dinheiro e/ou projetos como de irrigação, agricultura, crédito e outros, o presidente pode se fortalecer ainda mais na região. Nordeste complexifica o jogo político ao colocar no mesmo baleio partidos do centrão, auxílio emergencial, discurso sobre religião, pauta de costumes e elites locais. Oposição precisa unir esforços para contra argumentar a ofensiva bolsonarista na região, antes que seja tarde, e enquanto a rejeição ali ainda é forte (entre os moradores do Nordeste, 42% nunca confiam nas declarações de Bolsonaro).
Terceiro, Bolsonaro manteve seu apoio masculino e mais velho (42% dos homens e pessoas de 45 a 59 anos o aprovam), enquanto os mais ricos e com curso superior o rejeitam mais. O machismo estrutural de Bolsonaro ajuda a angariar e manter o apoio do identitarianismo branco e masculino –expresso, por exemplo, nas piadas homofóbicas, nos ataques misóginos a jornalistas mulheres e na veneração armamentista que somente Freud poderia explicar.
2021 será a partida crucial e a mais dura. Diante do negacionismo pandêmico, lembremos os nomes e sobrenomes de cada um dos 181 mil brasileiros que poderiam estar hoje vivos e conosco. Lembremos, ademais, disso enquanto testemunharmos outros países vacinarem sua população antes de nós. Nunca esqueçamos quem, dos generais ao centrão, deu aval ao genocídio em curso.
Da matéria-prima de dor por 181 mil vidas perdidas e do espanto diante de 37% de aprovação façamos o amanhã.
folha
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