Marcos Coimbra
Pelo modo como se comporta, vê-se que Bolsonaro sabe com quem lida. Simplesmente ignora o desconforto atual de uma parte da elite para com ele, em especial sua imprensa e intelectuais.Ela parece uma avestruz, que come qualquer coisa e ainda faz cara de satisfeita. Pedra, pau, folha, vidro, metal, o estômago dessas aves tolera todo tipo de porcaria.
Desde cedo na eleição, a elite mostrava quão longe estava disposta a ir. Para espanto de quem esperava que tivesse pruridos, aceitou-o correndo, com suas “ideias” e biografia, vendo-o como o único instrumento de que dispunha para livrar-se de Lula e do PT. Naqueles tempos, os bem nascidos diziam que “não eram Bolsonaro, apenas estavam”.
Formou-se uma aliança esdrúxula: madames dos Jardins votando no candidato dos caminhoneiros, cosmopolitas sofisticados fazendo a mesma escolha dos milicianos do Rio de Janeiro, milionários querendo como presidente o preferido da classe média das periferias decadentes de Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba. A elite não se incomodava em estar ao lado de gente brega e truculenta.
Para obter a adesão dos ricos, Bolsonaro não precisou empregar as trapaças de que se utilizou para conquistar votos nas classes populares. Nenhum integrante da elite votou nele porque foi bombardeado com conteúdos falsos recebidos através do Whatsapp. Nenhum foi engabelado pela notícia de que Fernando Haddad havia criado o Kit Gay e distribuiria mamadeiras com o bico em forma de pênis.
O capitão não escondeu de onde vinha, com quem atuava e em que acreditava. A ponto de a quase totalidade da imprensa internacional não conseguir compreender como ainda tinha eleitores em um lugar aparentemente civilizado e simpático como o Brasil.
Bolsonaro deve ter estranhado quando começaram a surgir denúncias de suas falcatruas na internet. Como, terá se perguntado, questionam os métodos que adotou para cumprir a missão recebida? Não era isso que queriam dele, que ganhasse a eleição, independentemente do que faria para consegui-lo? Afinal, nada mais fizera que seguir o script de sua vida. Nem ele, nem seus amigos dispostos a gastar milhões comprando “disparos”, revelaram-se diferentes do que sempre foram. Por que a surpresa? Qual o “escândalo”?
Depois da eleição, no assunto do assessor que arrecadava para eles, Bolsonaro e seus filhos estarão outra vez perplexos: qual o motivo de alguém estranhar que tenham procedido como aquilo que sempre foram, expoentes do baixo clero do Legislativo? O expediente de contratar assessores e cobrar “pedágio”, exigindo a devolução de parte de seus vencimentos, é tão velho quanto a Sé de Braga. Vereadores e deputados com pouco acesso a mecanismos de arrecadação mais expressivos e nenhum compromisso ético usam e abusam desse esquema. O clã deve se perguntar, entre uma risada e outra: e alguém achava que não éramos isso?
Cômico é Sérgio Moro, o “baluarte ético” do futuro governo, ficar mudo frente a essas ilegalidades. Sua subserviência, vinda de quem pretendia fazer carreira como incorruptível, chega a ser impressionante. Seu silêncio só tem paralelo no torpor do Judiciário e do Ministério Público, que, contra o PT, sempre foram de um ativismo frenético.
Bolsonaro dá uma banana para aqueles que acreditavam que, no governo, não seria tão ruim. Os que supunham que sua arrogância e autossuficiência eram somente artifícios eleitorais para atrair quem buscava “firmeza”. Montou um ministério que assusta até os mais crédulos entre seus eleitores.
O que pensa a elite brasileira do governo que terá a partir de janeiro? Com meia dúzia de generais, que sequer têm o sentimento de Brasil que a velha Escola Superior de Guerra transmitia a seus pares de 1964? Com uma trupe de personagens de quinta qualidade em postos chave, vindas sabe-se lá de onde, defendendo teses malucas ou equivocadas? Com um chefe com visão primitiva da realidade brasileira e internacional?
Bolsonaro tem certeza de que fez a parte dele: derrotou (com mão de gato) o PT, montou um governo para atender aos amigos e está entregando a economia aos espertalhões do mercado. Os incomodados que se calem.
Com ele, concorda Fernando Henrique Cardoso, que não quer que ninguém o aborreça. Por que apedrejá-lo, se cumpre o combinado com a elite?
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