January 29, 2019

Ministro de Meio Ambiente fala em 'excesso de demarcações' e é rebatido por indígena


Ricardo Salles defendeu a possibilidade de índios plantarem soja 

 

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

Rubens Valente

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou nesta quarta-feira (23) o que chamou de “excesso de demarcações” de terras indígenas e unidades de conservação ambiental e foi rebatido em seguida pelo indígena fulni-ô Wilke Torres de Melo.
“As terras que se encontram na Amazônia Legal são terras que precisam ser conservadas. Ministro, isso não passa por uma questão de ideologia, isso passa por compromisso com as políticas pública e ambiental do país”, disse Melo, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a principal rede de organizações não governamentais indígenas do país.

Salles e Melo integravam uma mesa de debate no encontro “perspectivas dos direitos constitucionais indígenas”, realizado na PGR (Procuradoria-Geral da República), em Brasília. Embora tenha dito duas vezes que “não era sua especialidade” o tema indígena, Salles criticou a política de demarcações em vigor há anos no Brasil ao sugerir que o tamanho das terras indígenas prejudica a própria fiscalização.
“Também acho que, embora respeitando opiniões diferentes, que em casos de excessos de demarcações, nós também fragilizamos aquelas que poderiam ter mais foco e mais substância. Toda vez que o conceito é excessivamente aumentado, nós temos uma fragilidade no cerne das questões. Isso acontece com a fiscalização ambiental, com as boas práticas de agricultura, nos temas minerários, acontece em vários aspectos. Desenhar cenários que não ficam de pé à luz da realidade é um convite à transgressão, à falta de fiscalização, à capacidade de execução”, criticou Salles.
O ministro do Meio Ambiente citou diversas vezes uma etnia de Mato Grosso, os parecis, que buscam plantar soja “em parceria”, por meio de arrendamentos informais, com fazendeiros da região mas foram autuados pelo Ibama por usarem soja transgênica.
“Acho um excesso de voluntarismo de órgãos, Funai, Ibama etc essa ingerência no livre arbítrio no grupo que lá está. Imagino que essa situação aconteça em outros lugares”, disse o ministro. Salles defendeu a possibilidade de os índios plantarem soja —o caso dos parecis se arrasta há mais de uma década e é acompanhado por diversos setores, como o Ministério Público Federal, pois o arrendamento de terras indígenas é considerado ilegal.

Na sequência do debate, o ex-ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho fez objeções aos comentários de Salles. Ele disse que “é um tema tão importante que suscita outras questões muito mais graves”. “As terras indígenas têm destinação para a cultura ancestral indígena. Na medida em que você [índio] dá o uso diferenciado dessa região, você fragiliza todo o embasamento constitucional a essas terras tais como estão. Essa decisão deve caber aos índios, mas isso pode fragilizar sua posição [dos índios] e no futuro pode vir a ser questionada [a terra indígena]. A comunidade indígena tem que ser esclarecida”, alertou o ex-ministro.
Após rebater o ministro sobre a questão do excesso de demarcações, o índio fulni-ô Wilke Melo também questionou o modelo de desenvolvimento econômico adotado no agronegócio e disse que não “podemos dar um cheque em branco para o desenvolvimento”. Ele mencionou, em contrapartida, a política de gestão territorial das terras indígenas, pela qual os indígenas têm uma participação maior no uso e fiscalização do território.
“É uma política na qual as comunidades indígenas constroem um processo de gestão do território e a partir disso decidem seus projetos de futuro, defendem o que querem. É fazer a escuta dos povos e o estado ter a sensibilidade, a sensatez, de fazer essa escuta. É discutir essas politicas ambientais junto aos povos indígenas. Isso não passa por ideologia. É parte de construção de uma política séria para o país. O país é reconhecido pelo seu potencial ambiental. É preciso valorizar esses princípios.”

Nova era para o baixo clero









Na semana passada, o senador Flávio Bolsonaro, filho menos maluco do presidente da República, entrou no STF (Supremo Tribunal Federal) para exigir foro privilegiado, interrupção das investigações do caso Queiroz e anulação das provas, bem como ativação da cláusula do acordo secreto com Netanyahu que prevê a reconstrução do Templo de Salomão e, consequentemente, a nova vinda de Jesus. Afinal, a essa altura, Flávio só se salva com milagre. Se Jesus não se prestar ao papel,talvez Renan resolva.

Com o passar da semana, a reputação de honestidade do governo Bolsonaro foi cada vez mais entrando em estado de “morreu ou foi para a Record?”.
Enquanto isso, o partido de Bolsonaro, o anticomunista PSL, resolveu aproveitar a boca livre oferecida pelo governo da China. Viajaram, comeram café da manhã de hotel bacana, devem ter descolado uns brindes, fizeram lá uma “farra dos guardanapos” do baixo clero.
A comitiva incluía o cara que rasgou a placa da Marielle no comício do governador Witzel. Vai lá, filho, vai para a praça da Paz Celestial e rasga a placa com o nome do premiê chinês. Vai lá, mostra contra o Exército Popular de Libertação a mesma macheza que mostrou contra militante pelos direitos dos favelados que já tinha sido assassinada. Cadê a marra, filho? Vai fugir chorando, filho, vai fugir ganindo?
Pessoalmente, acho que o Brasil tem que ter as melhores relações possíveis tanto com a China quanto com os Estados Unidos. Mas eu sou petralha, sou pago pelo George Soros, distribuo mamadeira com pênis na ponta, não fiz o curso do Olavo, só estou sendo consistente. 
No fim das contas, os malandros do PSL ficaram impressionadíssimos com um recurso valioso a ser usado na luta contra a espionagem comunista, um programa de reconhecimento facial que diz para o governo comunista onde as pessoas estão. 
Olavo reclamou, mas a verdade é que, se já dispuséssemos do programa de reconhecimento facial, já saberíamos onde Sergio Moro foi parar desde as novas revelações do caso Queiroz. 
E também é verdade que, ao mandarmos o PSL para Pequim, mostramos disposição para seguir o modelo de sucesso chinês. Afinal, no começo os asiáticos também exportavam umas falsificações meio vagabundas. Nessa marcha, daqui a vinte anos exportaremos para a China um partido de direita capaz de competir com os melhores do mundo. 
Enfim, na terceira semana de governo já está claro que o baixo clero chegou ao poder, e quer dinheiro, quer conforto, quer vantagens.
O esquema Queiroz da família Bolsonaro me lembra a história de Severino Cavalcante, cuja candidatura à presidência da Câmara em 2005, aliás, foi articulada com entusiasmo pelo Jair. Assim que Severino se tornou poderoso o suficiente para indicar gente para a “diretoria que fura poço” da Petrobras, foi pego cobrando propina da cantina do Congresso. 
E a turma do PSL também aderiu ao anticomunismo para ganhar dinheiro: são fanáticos por carreirismo, para subir na vida. Esses bolsonaristas que te mandam fake news pelo WhatsApp estão todos na briga por cargos. Já teve gente ganhando. 
É triste, mas a Lava Jato, até agora, não levou ao poder os honestos. Levou ao poder os malandros que eram insignificantes demais para serem pegos primeiro.

January 26, 2019

O governo sabe onde você está


Pedro Doria

 A onda da semana nas redes é o desafio dos dez anos: publicar, simultaneamente, uma foto da pessoa hoje e em 2009. Houve o tempo em que nos seria permitido brincar com todos os memes e testes das redes sociais ingenuamente. Mas não depois de a Cambridge Analytica usar testes inocentes para mapear o perfil psicológico de eleitores e usar esses resultados para manipular eleições. Desde então, para cada jogo da internet é sempre obrigatório que nos perguntemos: a quem beneficiaria? 

Reconhecimento facial funciona a partir de uma forma de inteligência artificial chamada aprendizado de máquina. Jogue muitos dados relacionados para um algoritmo, e o software aprende. Se alguém quisesse, por exemplo, desenvolver um programa para, recebendo retratos de uma pessoa jovem, reconhecê-la mais velha, precisaria justamente de uma grande coleção de fotos de pessoas jovens e, digamos, dez anos depois. Consultora da indústria digital, é esta a bola que Kate O’Neill levantou, terça-feira, na Wired.

O’Neill não afirma que alguém esteja fazendo essa coleção com o objetivo de sofisticar um algoritmo de envelhecimento e reconhecimento facial. Aliás, não há qualquer indício de que alguma companhia do Vale esteja trabalhando nisso. É uma questão de princípios: na internet dos dias de hoje, é bom sempre desconfiar. E calhou que foi justamente na mesma terça-feira que 90 entidades civis escreveram, nos EUA, uma carta aberta a Amazon, Google e Microsoft pedindo que não vendam ao governo tecnologias de reconhecimento facial.
Quantas câmeras existem em nossas cidades? Câmeras de acompanhamento de trânsito, câmeras de segurança em lojas e prédios residenciais, câmeras registrando em vídeo ao vivo o caminhar de milhões de pessoas diariamente. Reconhecimento facial está ficando rápido e de uma precisão incrível. Já é usado ao vivo em situações pontuais — concertos, grandes eventos esportivos. Falta muito pouco para que possa ser usado consistentemente, em tempo real, a toda hora.

E aí é preciso um momento de pausa.
Desaparece uma criança, joga-se o retrato no sistema da polícia, e de presto todas as câmeras da cidade irão procurá-la. Alguém é suspeito de um furto, a polícia pede um mandado ao juiz e vai ao sistema buscar onde que a pessoa estava a tal hora de tal dia.
Não importa o motivo: o Estado teria o poder de acompanhar cada cidadão, qualquer cidadão, a toda hora. Bastaria a assinatura de um juiz de primeira instância ou a decisão espontânea de um burocrata de terceiro escalão com acesso ao sistema.
Tem nome: é um Estado de vigilância.
O maior problema é a Amazon, capaz de reconhecimento facial tanto quanto as outras duas, mas que negocia abertamente com o governo americano. E se parece coisa de ficção científica ou distante no estrangeiro, em julho o SPC lançou um serviço que permite aos lojistas tirarem um retrato de quem pede crédito para compará-lo a um banco de dados que confirma a identidade do sujeito. O banco de dados nasceu com os rostos registrados de 30 milhões de brasileiros.
Organizar um Estado não é coisa simples. Há o eterno conflito entre direitos do indivíduo e da comunidade. O problema do Estado é que, ao lhe conceder imenso poder sobre o todo, é preciso também impor-lhe freios. Tecnologias de vigilância que vêm fácil demais e podem ser exploradas sem regras claras serão abusadas. Porque o abuso é da natureza de quem tem poder. Bicho complicado este, a democracia.

As tecnologias avançam em um ritmo muito mais rápido do que nossas discussões sobre ela. E aqui no Brasil, então, com um governo que gosta de um controle, imagina se ouvem falar.



 

 

O homem das casernas quer o seu contemporâneo de volta à autodefesa


Janio de Freitas

O argumento de que a livre posse de armas de fogo, como diz Jair Bolsonaro, "é para garantir às pessoas o legítimo direito de defesa", dá uma decoração enganosa ao seu teor pré-histórico: o governo militarizado entrega à população a tarefa de defender-se da criminalidade que a aflige. O homem das casernas quer o seu contemporâneo de volta à autodefesa que restava ao homem das cavernas.

De alguns milênios para cá, a defesa dos cidadãos é atribuição das forças do Estado para isso mantidas. E aos governos compete dirigi-las com inteligência e civilidade. Na falta dessas qualidades, o roteiro cênico que o governo militarizado propõe é empolgante. Segue-se um trailer.
 
É nas ruas, nas lojas, nos espaços e eventos públicos que a criminalidade assola o cidadão. Se deve praticar a autodefesa armada, a vítima precisaria fazê-lo, a bala, no lugar público onde é atacada. Como são incontáveis os ataques diários, havendo inúmeros casos sem registro policial, o que o governo militarizado espera é um tiroteio assombroso produzido pelas autodefesas. Seriam tiros o dia todo, todos os dias, em toda a cidade, qualquer que seja.
Pior do que a massificação das armas é a obtusidade em que se ampara tal "reforma". O problema da criminalidade se manifesta pela já existente posse (ilegal) de armas. Armar suas vítimas para pretensa autodefesa não reduz, antes amplia os crimes de tentativa e de homicídio mesmo, agora praticados pelos antigos e por novos usuários de armas. A posse livre e legal de armas não tem como contribuir para a redução da criminalidade cometida como meio de vida ou melhora de vida. Não há como atribuir a raciocínios inteligentes o armamentismo trazido pelo governo militarizado.
Por desídia, incompetência, corrupção ou o que mais, as forças do Estado têm perdido, até com humilhação, no confronto com o fenomenal avanço do chamado crime organizado. Mesmo o Exército não consegue se impor, no máximo evitando o insucesso óbvio, com medidas incipientes como as da intervenção no Rio. Por mais chocante que pareça, é justo reconhecer que as grandes facções têm comprovado muito mais criatividade, ordem interna e funcionalidade estrutural do que a variedade de forças a que enfrentam.
Principal incumbido do problema, Sergio Moro ainda não descobriu que a corrupção não é tudo, não é o mais difícil e nem mesmo o principal entre as obrigações do Ministério da Justiça. E entre os males mais urgentes e perigosos no país, sua atenção continua concentrada na "criminalização do caixa dois", nas "contrapartidas em doações", no "aumento de penas", por aí. Nem uma palavra, antes ou depois de empossado, sobre políticas e táticas de ação contra a violência sempre crescente. Nem mesmo as duas semanas do show dado contra policiais e militares no Ceará desligou-o do seu samba de um assunto só.
A propósito, o governador petista do Ceará, Camilo Santana, cometeu um deslize. Recebida a Força Nacional para socorrê-lo, elogiou Sergio Moro como um aliado contra o crime organizado. Moro, na verdade, recusou o envio da Força, que assim mesmo Jair Bolsonaro determinou. Desperdiçar uma oportunidade de referência positiva a Bolsonaro, ainda mais equivocada, é imperdoável. Afinal, não se sabe quando, e se, haverá outra. A pré-história não oferece muito o que imitar.

 

 

Brazil’s new president fizzles in his overseas debut



  • By Ishaan Tharoor, www.washingtonpost.com
  •  
  • DAVOS, Switzerland — The opening day of the World Economic Forum looked like it had the potential for excitement. Jair Bolsonaro, making his debut trip abroad as Brazil’s president, was slated to unveil his vision for a “new Brazil" before the assembled elites. Given the absence of President Trump and other prominent Western leaders, the far-right Bolsonaro, a former military officer known for his fiery and often-offensive rhetoric, seemed like one of the star attractions.
    But his speech underwhelmed. Bolsonaro spoke for barely more than 10 minutes, delivering an address observers characterized as “lifeless” and “wooden.” Like every other world leader who comes to Davos, he declared his country “open" for business, but offered little information about the reforms he hoped to enact. He simply invoked the smarts of Finance Minister Paulo Guedes, a University of Chicago-trained economist, and touted his administration’s zeal to cut back the “apparatus of the state” and reduce taxes.
    “Bolsonaro’s bizarre, tepid and unfocused speech is a very troubling sign,” observed Oliver Stuenkel, a professor of international relations at Fundação Getulio Vargas in Sao Paulo. “Why hasn’t the all-powerful Minister of Finance written a longer, more detailed and more adequate presentation? Why waste such a unique opportunity?”

    The Brazilian president did hint at the non-Davos-friendly bits of his ideology. A known climate skeptic, he played nice among the liberal cognoscenti, insisting that his government would “harmonize environmental preservation with much-needed economic development.” But he made no secret of his desire to expand the country’s lands for further agribusiness.
    Jennifer Morgan, the executive director of Greenpeace International, told the Guardian that Bolsonaro’s plans — including giving its agriculture ministry greater control over the country’s rain forest — was “deeply worrying," given the fact that the vast Amazon River basin is home to “the lungs of the earth.”
    And Bolsonaro found his feet when he turned to social issues and political combat. He declared himself in favor of “true human rights” — which, in his words, means defending "family principles” and opposing abortion. It was a familiar theme for the Brazilian president, who is well known for his broader hostility to minority and gender rights.
    “He ticked a lot of the right boxes in terms of addressing the audience — Brazil’s open to business, he wants to reform,” Marietje Schaake, a Dutch member of the European Parliament, said to Today’s WorldView. “But as someone who cares about universal rights and women’s rights, I worry.”
    Brazilian Foreign Minister Ernesto Araujo also earned a mention, with Bolsonaro praising him as a figure free of “ideological bias." It was a curious turn of phrase for a diplomat steeped in the thinking of the international hard right, someone who has vowed to reject globalism and once declared that climate change was a Marxist plot.
    None of this should be surprising, noted Brian Winter of Americas Quarterly. Bolsonaro, he said, has always been eager to wage war on the left and much less comfortable spouting laissez-faire platitudes. “Bolsonaro has long shown the greatest personal enthusiasm for fighting ‘communists’ (i.e. leftists) and criminals," Winter explained. “His conversion to orthodox economics is much more recent.”

    Toward the conclusion of his remarks, Bolsonaro made his sharpest declaration. He hailed a succession of recent right-wing or center-right political victories in Latin America and argued this was the key to a “great and vibrant” continent.
    “The left will not prevail in this region, which is good, I think, not only for South America, but also for the world,” he said, casting his domestic opponents in the same vein as the disastrous regime in Venezuela.
    Experts in Davos cautioned against such partisan bravado. “The history of Latin America shows that those are very bold statements,” said Moîses Naîm, a distinguished fellow at the Carnegie Endowment for International Peace, suggesting a left-wing revival could always be around the corner. “Latin America is known for its highly pendular politics.”
    When confronted with this rhetoric by Today’s WorldView, Costa Rican President Carlos Alvarado Quesada offered a diplomatic response. “We need to make progress without shared consensus,” the center-left leader said during a panel that also featured the presidents of Ecuador and Paraguay. “I also believe that any extreme is not going to benefit the world.”

    For now, the pendulum is still headed in Bolsonaro’s direction. Investors are broadly excited by his administration, and public opinion in Brazil is still staunchly in his favor.
    That popularity could be felt even on the snow-packed streets of Davos. Dozens of Bolsonaro supporters made the trek to the Swiss Alps, hoping to get minute glimpses of their new leader through a thicket of security personnel and checkpoints. Many failed to see even a trace of Bolsonaro’s delegation.
    Rafael Locks, a 30-year-old Brazilian technician living in the Swiss town of Lausanne, stood next to one gated area with his mother, who was wrapped in a Brazilian flag. He said he supported the “wave of change” that Bolsonaro would bring and cheered his pledges to be tough on gang violence and corruption.
    But even this die-hard supporter offered a note of caution. One of Bolsonaro’s sons, Flavio, a senator-elect, is now the subject of a series of damaging allegations over suspicious payments made to his driver as well as links to a deadly Rio de Janeiro hit squad. It’s a damning bit of news for a president who styled himself as an incorruptible crime-fighter.
    “If Bolsonaro doesn’t make his son pay, make him leave politics, he may lose credibility," Locks said. Elsewhere in Davos, that’s a commodity the Brazilian president still has yet to earn

January 25, 2019

]Um burro em Davos


Fernando Horta

Num dos esforços de melhorar as relações entre os países da América do Sul, durante ainda a segunda guerra mundial, os EUA por meio de Walt Disney, criou um personagem para dialogar com o rato mais famoso do estúdio. Zé Carioca (Joe Carioca em inglês) aparece em 1942 num filme ao lado do Pato Donald, chamado “Saludos Amigos”. O Brasil de Zé Carioca é um Brasil com “belezas naturais”, “florestas”, “praias” e com um “povo hospitaleiro” disposto a “receber” outros povos da América numa desesperada busca por modernização econômica.

O Brasil de Zé Carioca oferecia apenas entretenimento e oportunidades econômicas. Era “faceiro”, “falastrão” e “boa gente”, mas carecia de qualquer capacidade civilizatória que tivesse valor na metade do século XX. O Brasil vivia o processo de urbanização e Zé Carioca mostrava o estereótipo do “malandro carioca”, num modo de vida em franco mal-estar com trabalho ou produção econômica. Enquanto Donald é um determinado e turrão pato, Zé Carioca mostrava-se ao avesso de qualquer noção de “hard working”, vivendo da barganha individual e do extrativismo urbano de vantagens que o “malandro” podia obter.

É a noção mais eloquente do Brasil à venda; do Brasil como terra de “oportunidades” ao dinheiro estrangeiro. Oportunidades normalmente não industriais, mas voltadas ao entendimento que até então se tinha do país: o local do exótico e do selvagem.

Zé Carioca era o modelo mais bem acabado do Brasil do “baticundum”. Até o burro Jair, em Davos.

Muito menos falante que Zé Carioca, sem qualquer carisma ou capacidade de comunicação, Jair retomou o estereótipo do Brasil opulento por suas “belezas naturais”, e carente de valores civilizados. Sem a capacidade de formular quaisquer pensamentos mais profundos, ou mesmo de dar indicações precisas de suas ideias, Jair Bolsonaro falou menos do que o entrevistador que tinha a triste missão de arrancar algo inteligente do presidente brasileiro. Em pouco mais de seis minutos de fala titubeante, desconexa, empiricamente mal formulada e totalmente frustrante, Bolsonaro falou mal do “bolivarianismo”, dos “governos anteriores”, do “viés ideológico” e hipotecou o Brasil de mais formas do que QUALQUER governo anterior.

Na fala de Bolsonaro, o Brasil é uma terra-arrasada precisando de ajuda. E para isto não apenas ele oferece nossa “opulência”, como promete “privatizar” e oferecer “oportunidades de negócios”. Nem a Cuba de Fulgêncio Batista, antes da revolução, era pintada de uma forma tão subalterna, insossa e desesperada por capital estrangeiro. Bolsonaro precisou ser lembrado, diversas vezes, pelo entrevistador de que o Brasil é a oitava economia do mundo (já foi a sexta, nos tempos de Lula), e que deveria ter algo a mais a oferecer do que “diminuir o Estado”. O sonho de Bolsonaro, contudo, é que o Brasil se torne “um dos 50 melhores países do mundo para fazer negócios”.

A revista Forbes organiza uma lista de “best countries to do business”, anualmente, baseados em entrevistas com empresários e alguns indicadores capitalistas (como inflação, renda per capita, PIB e etc.). Entre os cincoenta primeiros na lista estão a Lituânia, a Estônia, o Chipre, a Mauritânia e a Costa Rica, por exemplo. O Brasil figura na posição 73 da lista, e o sonho do atual mandatário do país é subir 23 posições na lista da revista americana.

Bolsonaro aceitou, sem qualquer reserva ou questionamento, o rótulo para o Brasil de “país corrupto”. Aceitou a ideia de que precisamos dar algo para a comunidade internacional (reformas) para dela obter “confiança” e “investimento”. Bolsonaro só não aceitou o termo “direitos humanos”, transformados na fala dele em “verdadeiros direitos humanos”. Também não aceitou a noção de que precisamos preservar nosso meio ambiente e nossa diversidade. Para Bolsonaro, agrobusiness e meio ambiente “precisam andar juntos”. “Nem pra lá, nem pra cá”, disse o empossado, num luminar momento de concatenação de duas ideias ao mesmo tempo. Foi o máximo que o entrevistador conseguiu tirar do burro que hoje ocupa o Palácio do Planalto.

Bolsonaro não falou da Embraer e nossa tecnologia de ponta em indústria aeronáutica, não falou da Petrobrás e nossas tecnologias para descoberta e extração de petróleo, não falou das nossas pesquisas sobre revitalização de biomas (como o Cerrado), não falou do esforço para fazer crescer o valor agregado de nossas mercadorias. Bolsonaro falou do Brasil já sem as áreas que ele pretende vender. E isto significa voltar ao Brasil do Zé Carioca. Um país suplicante, mendigo e submisso, culpando-se por não poder ser mais espoliado pelo capital estrangeiro. Um país que tem vergonha de si, vergonha de não ser uma potência urbana, quem sabe branca e rica.

O discurso de Bolsonaro teria envergonhado TODOS os ditadores militares de Castelo Branco a Médici. Falando em um tom monocórdico de aluno recém alfabetizado, o burrito Jair repetia os nomes dos ministros Guedes, Moro e “Ernesto” como se aos olhos do mundo eles fossem fiadores da capacidade que Bolsonaro não tem. O entrevistador envergonhado termina o suplício da fala de Bolsonaro, e quem assistiu fica com saudade do Zé Carioca. O papagaio da Disney nos vendia por um preço melhor, com maior conhecimento e eloquência do que o burrito Jair. E ainda ouvíamos Aquarela do Brasil sem bater continência para bandeira norte-americana ...

January 24, 2019

Com medo de ameaças, Jean Wyllys, do PSOL, desiste de mandato e deixa o Brasil

'Quero cuidar de mim e me manter vivo', afirma deputado federal eleito pelo Rio

 

Carlos Juliano Barros
SÃO PAULO
Eleito pela terceira vez consecutiva deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, 44, vai abrir mão do novo mandato.
Em entrevista exclusiva à Folha, o parlamentar —eleito com 24.295 votos e que está fora do país, de férias— revelou que não pretende voltar ao Brasil e que vai se dedicar à carreira acadêmica.
O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, confirmou que a vaga de Wyllys deve ser ocupada pelo suplente David Miranda (PSOL-RJ), que atualmente é vereador no Rio de Janeiro.


O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que disse que não vai assumir seu mandato
Desde o assassinato da sua correligionária Marielle Franco, em março do ano passado, Wyllys vive sob escolta policial. Com a intensificação das ameaças de morte, comuns mesmo antes da morte da vereadora carioca, o deputado tomou a decisão de abandonar a vida pública.
"O [ex-presidente do Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: 'Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis'. E é isso: eu não quero me sacrificar", justifica.
De acordo com Wyllys, também pesaram em sua resolução de deixar o país as recentes informações de que familiares de um ex-PM suspeito de chefiar milícia investigada pela morte de Marielle trabalharam para o senador eleito Flávio Bolsonaro durante seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
"Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinetea esposa e a mãe do sicário", afirma Wyllys. "O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim", acrescenta.

Após a divulgação de que Wyllys decidiu abrir mão de seu mandato, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho de Jair Bolsonaro, escreveu no Twitter: "Vá com Deus e seja feliz!". O presidente, após dizer que estava retornando de Davos, na Suíça, ao Brasil, postou em rede social a mensagem "Grande dia!".
Muitos internautas interpretaram a mensagem como referência a  Wyllys, mas o presidente negou mais tarde, escrevendo que se referia à missão concluída em Davos, à volta ao Brasil e à confiança no país indicada pelo resultado da Bolsa. 
O suplente David Miranda chegou a escrever: "Respeite o Jean, Jair, e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho. Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em Brasília".  

Primeiro parlamentar assumidamente gay a encampar a agenda LGBT no Congresso Nacional, Wyllys se tornou um dos principais alvos de grupos conservadores, principalmente nas redes sociais. Ele também se diz "quebrado por dentro" em virtude de fake news disseminadas a seu respeito, mesmo tendo vencido pelo menos cinco processos por injúria, calúnia e difamação.
"A pena imposta, por exemplo, ao Alexandre Frota não repara o dano que ele produziu ao atribuir a mim um elogio da pedofilia. Eu vi minha reputação ser destruída por mentiras e eu, impotente, sem poder fazer nada. Isso se estendendo à minha família. As pessoas não têm ideia do que é ser alvo disso", afirmou Wyllys.
Deputado federal eleito pelo PSL de São Paulo, Frota foi condenado em primeira instância na Justiça Federal, em dezembro do ano passado, a pagar uma indenização de R$ 295 mil por postar uma foto de Jean Wyllys acompanhada de uma declaração falsa: "A pedofilia é uma prática normal em diversas espécies de animal, anormal é o seu preconceito".
Wyllys se ressente, sobretudo, da falta de liberdade no Brasil. "Como é que eu vou viver quatro anos da minha vida dentro de um carro blindado e sob escolta? Quatro anos da minha vida não podendo frequentar os lugares que eu frequento?", questiona.
Também avisa que vai se desconectar das redes sociais temporariamente e que não pretende acompanhar a repercussão do seu anúncio.
"Essa não foi uma decisão fácil e implicou em muita dor, pois estou com isso também abrindo mão da proximidade da minha família, dos meus amigos queridos e das pessoas que gostam de mim e me queriam por perto", explica.
Sobre o futuro, ele ainda não tem planos definidos. "Eu acho que vou até dizer que vou para Cuba", ironiza.

Quando você decidiu abrir mão do mandato?
Eu já vinha pensando em abrir mão da vida pública desde que passei a viver sob escolta, quando aconteceu a execução da Marielle. Antes disso, havia ameaças de morte contra mim e, curiosamente, não havia contra ela. Nunca achei que as ameaças de morte contra mim pudessem acontecer de fato. Então, nunca solicitei escolta.
Mas, quando rolou a execução da Marielle, tive noção da gravidade. Além dessas ameaças de morte que vêm desses grupos de sicários, de assassinos de aluguel ligados a milícias, havia uma outra possibilidade: o atentado praticado por pessoas fanáticas religiosas que acreditavam na difamação sistemática que foi feita contra mim.
Você chegou a ser agredido?
Além dos xingamentos, tinha gente que me empurrava, mesmo com a presença dos seguranças ao meu lado. E a coisa foi se agravando por causa da campanha baseada em fake news. Eu não era candidato à Presidência da República, mas a principal fake news me envolvia —o kit gay. Foi uma fake news produzida em 2011 e atribuída a mim.
No dia em que ocorreu o eclipse lunar [27/07], aquele em que a Lua ficou vermelha, eu não podia descer porque eu estava ameaçado. Só podia descer com a escolta, e a escolta não estava lá. Uma coisa simples, um fenômeno no céu que eu não podia ver.
Nesse dia, tive uma crise de choro e falei: "Eu vou largar tudo". Não posso estar no meu país e não poder descer para ver um eclipse lunar sem ser insultado por pessoas que acham que sou pedófilo, que quero homossexualizar crianças.
Você cogitou a ideia de não se candidatar?
Não cheguei a pensar nisso porque estava no fluxo do trabalho. E não era uma questão só minha, envolvia o partido. Mas, quando já era candidato, pensei em abandonar a candidatura. Aí, durante a eleição aconteceu o atentado contra o presidente, esse atentado que está por ser explicado ainda, e isso atiçou ainda mais a violência contra mim nos espaços públicos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) emitiu uma medida cautelar logo depois da eleição. O documento é claríssimo: é baseado em todas as denúncias que nós fizemos à Polícia Federal, no fato de que a Polícia Federal não avançou nas investigações sobre as ameaças contra mim. No fato de que a proteção era pífia.
A OEA deu um prazo para o Estado responder quais eram as providências que estava tomando em relação à minha proteção. A resposta foi a mais absurda possível.
O Estado não reconheceu que havia uma violência homofóbica no Brasil. Isso com quatro pessoas LGBTs ou mais tendo sido mortas durante o processo eleitoral, com o Moa do Katendê tendo sido assassinado na Bahia por causa do ambiente de violência política que se estabeleceu no Brasil.
A resposta do Estado à OEA foi dizer que eu estava seguro, tanto é que eu participei das eleições. É uma piada. Eu não via a hora de sair de férias porque queria sair do país. Porque estava me sentindo inseguro, mesmo com a escolta me acompanhando. Quando saí de férias, experimentei de novo uma vida em liberdade. Aí, tomei a decisão de não voltar.
Você se firmou como um dos principais adversários de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, a ponto de ter cuspido na cara dele durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A eleição de Bolsonaro contribuiu para sua decisão de não assumir o novo mandato?
Não foi a eleição dele em si. Foi o nível de violência que aumentou após a eleição dele. Para se ter uma ideia, uma travesti teve o coração arrancado agora há pouco. E o cara [o assassino] botou uma imagem de uma santa no lugar.
Numa única semana, três casais de lésbicas foram atacados. Um deles foi executado. A violência contra LGBTs no Brasil tem crescido assustadoramente.
O [ex-presidente do Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: "Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis". E é isso: eu não quero me sacrificar.
A violência contra mim foi banalizada de tal maneira que Marilia Castro Neves, desembargadora do Rio de Janeiro, sugeriu a minha execução num grupo de magistrados no Facebook. Ela disse que era a favor de uma execução profilática, mas que eu não valeria a bala que me mataria e o pano que limparia a lambança.
Na sequência, um dos magistrados falou que eu gostaria de ser executado de costas. E ela respondeu: "Não, porque a bala é fina".
Veja a violência com homofobia dita por uma desembargadora do Rio de Janeiro. Como é que posso imaginar que vou estar seguro neste estado que eu represento, pelo qual me elegi?
Você é o principal porta-voz do movimento LGBT no Congresso. Num momento em que o debate em torno dessas pautas tende a se acirrar, como você se sente abrindo mão do mandato?
Para o futuro dessa causa, eu preciso estar vivo. Eu não quero ser mártir. Eu quero viver. Acho que essa violência política que se instalou no nosso país vai passar. Pode ser que no futuro eu retome isso, mas eu nem penso em retomar porque há tantas maneiras de lutar por essa causa que não passam pelo espaço da institucionalidade.
Você foi um dos primeiros políticos a usar intensamente a internet. Como você enxerga a atual atmosfera das redes sociais?
A diferença é que eu usava a internet para dar transparência ao meu trabalho, para ampliar os canais de comunicação e de democracia direta com a população. Nunca usei a internet para difamar ninguém, para caluniar ninguém.
Essa é a diferença para essas novas estrelas das redes sociais. Elas usam as redes sociais para a divulgação de fake news.
Há uma bancada inteira eleita com base em mentiras, inclusive contra mim. Eu venci processos contra umas cinco pessoas que me caluniaram. Só que esses processos não reparam o dano que isso causou na minha vida e na vida da minha família.
A pena imposta, por exemplo, ao Alexandre Frota não repara o dano que ele produziu ao atribuir a mim um elogio da pedofilia. Eu vi minha reputação ser destruída por mentiras e eu, impotente, sem poder fazer nada. Isso se estendendo à minha família. As pessoas não têm ideia do que é ser alvo disso.
Quais são seus planos? Para onde você vai?
Eu não vou falar onde estou. Eu acho que vou até dizer que vou para Cuba [ironiza]. Eu sou professor, dou aula. Eu escrevo, tenho um livro para terminar. Eu vou recompor minha vida. Eu vou estudar, quero fazer um doutorado.
Vou escolher um lugar onde eu possa fazer meu doutorado, que eu não pude fazer durante esses anos. Vou tocar minha vida dessa outra maneira.
Quando eu estiver refeito, quando eu achar que é a hora, eu volto, não necessariamente para esse lugar da representação política parlamentar, mas para a defesa da causa —isso eu nunca vou deixar de fazer.
Qual foi a reação do seu partido, o PSOL?
O partido reconhece que de fato eu sou um alvo e me deu apoio na minha decisão de não voltar. Reconhece que são graves as ameaças contra mim, que eu corro risco, que há uma vulnerabilidade maior pelo fato de eu ser identificado com a causa LGBT. Lamenta, claro, mas apoia minha decisão.
Você acha que a defesa muito enfática que você fez do mandato de Dilma Rousseff, e sobretudo do ex-presidente Lula, contribuiu para que esse clima de animosidade contra você crescesse?
Acho que sim. Acho que tudo acabou se misturando e eu fui convertido em um inimigo público para essas pessoas. Havia quem fizesse ameaça por conta desse ódio antipetista e havia quem quisesse me calar de fato. Tudo isso se misturou.
O PSOL reconhece essa vulnerabilidade. Mesmo os meus eleitores compreenderão isso. Milhares de pessoas não foram às ruas para protestar contra a execução da Marielle Franco à toa. Elas foram porque ficaram indignadas com a execução de uma mulher honesta, digna, uma parlamentar com um futuro brilhante que foi executada por uma rajada de metralhadora, parte dos tiros na cara dela.
Eu não quero ter esse fim. E para não ter esse fim eu não volto e não vou assumir o mandato. Não estou renunciando a nada porque sequer investi no mandato.
Você se arrepende de algo nesses oito anos como deputado federal?
Não me arrependo de nada. Eu acho que dei uma bela contribuição, que pode não ser reconhecida agora por causa das fake news, dos ataques e das mentiras, mas o espelho retrovisor pode mostrar de maneira clara como eu estive do lado certo o tempo inteiro.
A conquista do casamento civil igualitário foi uma conquista que dependeu muito da minha luta. Tenho muito orgulho do que fiz. Durante esses oito anos, enfrentei tudo isso com muita dignidade. Mas sou humano e cheguei ao meu limite.
E me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário [ex-PM suspeito de chefiar milícia que é investigada no caso Marielle]. O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim.
Qual é sua expectativa para o governo Jair Bolsonaro e qual deve ser o papel da oposição nos próximos quatro anos?
Não tenho nenhuma expectativa positiva em relação a esse governo. O nível de violência contra as minorias aumentou drasticamente desde que esse sujeito foi eleito. As suas relações pouco republicanas já vieram à tona —dele e de seus filhos. Então, não tenho boas expectativas.
A política econômica também não desenha um bom horizonte. O choque do neoliberalismo em um país desigual como o nosso não será bom. E acho que o Ministro da Justiça [Sergio Moro] deve no mínimo prestar algum tipo de satisfação à população. Então, minhas perspectivas não são as melhores.
E acho que a saída para as esquerdas é a união. Mas, sinceramente, eu não quero mais opinar sobre isso porque estou abrindo mão do mandato justamente para não ter mais que opinar neste momento sobre essa questão. Quero cuidar de mim e me manter vivo.



 

Guerra cultural faz censores buscarem meandros legais para impor cartilha


Maurício Meireles

Há uma censura à solta que não gosta de dizer o próprio nome. E é algo que, se não é exatamente novo, tem se tornado mais comum nos últimos três anos, com o acirramento da polarização política no país e do embate entre direita e esquerda na cultura.
Em vez de um veto oficial a obras de arte, com uma estrutura estatal e funcionários dedicados a isso, a ferramenta é apelar à lei ou a qualquer tipo de norma para impedir obras de serem encenadas, expostas ou exibidas de qualquer modo ao público.
O primeiro mês de 2019 nem tinha chegado à metade quando surgiu o primeiro exemplo do ano. O governo Wilson Witzel (PSC), no Rio de Janeiro, mandou que a exposição “Literatura Exposta”, na Casa França-Brasil, fosse fechada um dia antes do previsto —o encerramento da mostra teria uma performance do coletivo És Uma Maluca com nudez feminina. No fim, a obra foi apresentada na calçada, sem mulher pelada.

Mas, para Witzel, não se trata de censura. Apenas o contrato foi descumprido pelos organizadores, já que o documento não informava que haveria uma “performance humana” com nudez, disse ele em entrevista no domingo (13). “Essas circunstâncias precisam ser avaliadas previamente, até por questões da Vara da Infância e Juventude”, acrescentou.
Uma expressão em inglês ajuda a iluminar a situação: “lawfare”, que junta as palavras “law” (lei) e “warfare” (guerra). Seria exagero definir o caso como “assédio judicial”, uma possível tradução para o português , mas o conceito serve para entender o que tem acontecido nas artes.
A ideia da “lawfare”, que costuma ser mais empregada na política internacional, é usar as leis contra um inimigo. Para calá-lo, por exemplo. Essa prática não estaria interessada na realização da justiça, mas em fazer um uso abusivo do sistema legal para levar uma agenda adiante.
No campo da liberdade de expressão, deveria preocupar a sociedade o fato de a guerra cultural dar sinais de que pode instrumentalizar o próprio direito —sem dúvida, esta é uma das tendências para se acompanhar com atenção neste ano.
No campo da direita, que tem ganhado a batalha nesse campo, o fenômeno é claro. A peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, em que Cristo é representado pela atriz trans Renata Carvalho, acumula episódios de censura por onde passa. Em Jundiaí, chegou a ser proibida por uma liminar da Justiça no ano passado.
Nos episódios envolvendo o "Queermuseu", no Santander Cultural, em Porto Alegre, e a performance “La Bête”, do bailarino Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna de SP, opositores apelavam para a inexistência de classificação indicativa e falavam em incentivo à pedofilia.
Em 2017, a Polícia Civil de Campo Grande recolheu o quadro “Pedofilia”, de Alessandra Cunha, de uma exposição no Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul. A medida foi tomada depois que um grupo de deputados registrou um boletim de ocorrência contra a mostra.
É instrutivo ver as palestras e entrevistas do procurador da República Guilherme Schelb, que foi cotado para assumir o Ministério da Educação e é uma das principais lideranças conservadoras a disseminar a ideia de que a esquerda usa o marxismo cultural para dominar o Brasil.
Em novembro, no Congresso do Ministério Público Pró-Sociedade, organizado por ativistas conservadores da instituição, Schelb falava sobre como o direito pode ser usado na guerra cultural. Ele dizia que o crime de importunação sexual pode servir para combater a exposição de atos obscenos a crianças e adultos.

As lideranças conservadoras se apropriam de pautas da esquerda e as invertem. A importunação, antes contravenção penal, foi transformada em crime por uma lei da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, no ano passado —a ideia original era criminalizar o assédio que mulheres sofrem no transporte público.
A própria classificação indicativa, evocada contra obras de arte, dividia esquerda e direita quando esta tinha liberais à frente. Estes costumavam ver nela uma tutela indevida do Estado em uma área que seria de responsabilidade das famílias.
Em uma palestra de 2017, na Igreja Presbiteriana de Pinheiros, Schelb exibia imagens do “Queermuseu” e, em seguida, evocava artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente —normalmente visto por certos setores da direita como uma forma de proteger bandido.
“Tudo o que eu mostrei é ilegal. O ECA diz que imagens de órgãos sexuais [...] são impróprias para crianças”, afirmava o procurador na ocasião. “Quando há finalidade libidinosa, é crime até.”
A esquerda, assim, se verá em um paradoxo. Defensora do investimento público na cultura, ela tem uma dependência extrema do Estado brasileiro —e, com isso, artistas ficam ainda mais vulneráveis à censura com verniz de legalidade.