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September 1, 2018
Mestre dos quadrinhos brasileiros, Quintanilha lança 'caixa de tesouros'
por Emiliano Urbim
O GLOBO
Em 1988, o jovem niteroiense Gaú foi pela primeira vez à sede da Bloch
Editores, na Glória. Entrou com uma pasta de desenhos e saiu com uma
missão: transformar o roteiro de “Mestre Kim e os dragões de Bali” em
uma história em quadrinhos (sua primeira). Começava a carreira do
ilustrador e quadrinista Marcelo Quintanilha, autor de obras premiadas
como “Fealdade de Fabiano Gorila” (1999), “Sábado dos meus amores”
(2009) e “Tungstênio” (2014) — que este ano virou filme de Heitor Dhalia
— e “Talco de vidro” (2015).
Vivendo em Barcelona desde 2002, Quintanilha se destaca pelos temas e
personagens brasileiríssimos: suas cenas em subúrbios e botecos povoados
por tipos de ocupação incerta e moral ambígua já fizeram com que Aldir
Blanc o chamasse de “Rosselini tupiniquim”. Detalhe: ao longo desses 30
anos, o “cineasta” fez vários “curtas-metragens” muito comentados e
pouco vistos — que agora são reunidos em um só volume. “Todos os
santos”, da editora Veneta, apresenta ilustrações, tiras, colaborações
para títulos estrangeiros e até trechos daquelas aventuras de artes
marciais que ele fez adolescente — e das quais tem muito orgulho.
— Assim como hoje, dei o máximo que eu podia naqueles desenhos. Mesmo
que os enredos não fossem meus, colocava algo de mim naquelas histórias.
Eu ainda sou aquele garoto de 16 anos fã de John Buscema — diz o
quadrinista, citando o lendário desenhista dos super-heróis da Marvel.
Filho de um ex-jogador de futebol e uma professora primária, o
pequeno Gaú cresceu no Barreto, em Niterói, bairro de classe média baixa
que ele já conheceu decadente. Ele conta que sua infância e
adolescência foi entre fábricas fechando portas, campinhos de várzea
sendo loteados, vilas operárias sendo descaracterizadas ou abandonadas e
eventos locais esvaziando-se ano após ano.
— Crescer nesse ambiente me incutiu desde cedo um sentimento de
nostalgia. Era um mundo se desfazendo, mas que permanecia nas pessoas e
coisas em minha volta, e eu sempre estive atento a essa memória — conta
Quintanilha, que nas duas semanas que passou no Brasil reservou algumas
tardes para flanar pelo Centro do Rio e de Niterói e garimpar sebos —
“infelizmente, cada vez mais raros”, diz o quadrinista.
“Não me afastei nem 10 centímetros”
Essa
conexão com o passado e o cotidiano aos poucos foi surgindo nos
quadrinhos de Quintanilha, como em “Acomodados!! Acomodados!!”, história
em que surgem as ruas cariocas do começo do século XX. Premiada em 1991
na Bienal Internacional de Histórias em Quadrinhos do Rio de Janeiro,
ela é publicada em livro pela primeira vez em “Todos os santos”. Também
estão presentes as tiras que fez para o jornal “O Estado de S. Paulo” em
2010 e narrativas curtas publicadas na imprensa francesa, italiana e
britânica.
Mesmo vivendo há 16 anos na Catalunha com sua esposa, Luciana, o niteroiense diz que sua conexão com o Brasil permanece intacta.
No percurso de carro entre Copacabana, onde ontem foi feita a foto
desta página, e o SESC Tijuca, onde o artista participaria de uma sessão
especial de “Tungstênio”, Quintanilha foi comentando a paisagem que
passava. Como um guia turístico particular, aponta a rua onde comeu “uma
tapioca incrível”, um sobrado histórico em Botafogo, o local de um
antigo restaurante na Praça da Bandeira e o casario desaparecido da
Avenida Presidente Vargas — que ele recorda da abertura do filme “Toda
nudez será castigada” (1972).
— Vivo a milhares de quilômetros, mas não me afastei nem 10 centímetros das minhas referências. Carrego o Brasil dentro de mim.
t
TODOS OS SANTOS Autor: Marcello Quintanilha. Editora: Veneta. Páginas: 112. Preço: R$ 84,90.
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