November 27, 2017

‘É pão de manhã, pão ao meio-dia e pão à noite’


A cada peça bordada Vanderléa tira R$ 4. Os R$ 150 ao final do mês são sua única renda - Domingos Peixoto / Agência O Globo


Salchicha, ovo e pão são um banquete na casa de Vanderléa Gomes Santos, de 36 anos, mãe de dois pré-adolescentes, de 11 e 13 anos.

— Tem dia que é pão de manhã, pão ao meio-dia e pão à noite — conta ela, um pouco sem graça, mas sem interromper o vaivém da agulha sobre um pano preto que, depois de bordado, vai lhe render R$ 4 e ser aplicado sobre jaquetas vendidas em lojas de grife.

Vanderléa nem lembra mais da última vez que comprou uma peça de roupa para alguém da família. Desde que saiu do emprego de atendente de lanchonete, onde ganhava R$ 964 por mês, porque teve de cuidar do filho mais novo, mal faz dinheiro para comprar comida. Para pagar o aluguel de R$ 400 da casa onde moram em uma comunidade de Paciência, na Zona Oeste, conta com a ajuda da mãe.
— Antes de me separar, tínhamos casa própria. Mas meu ex-marido vendeu a nossa casa por R$ 50 mil e gastou tudo em droga — lamenta.

O bordado rende R$ 150 mensais. Essa é praticamente a mesma renda da família de Maria de Fátima Ferreira, de 61 anos, que recebe R$ 154 do Bolsa Família, já que a neta Roberta, de 6 anos, vive com ela:
— Na verdade, conto só com R$ 150, pois R$ 4 gasto com passagem. Na ida, pego carona com algum vizinho, mas, na volta, tenho de pegar ônibus.


Compra do mês só dura três dias

Maria de Fátima e a neta vivem com apenas R$ 154 do Bolsa Família - Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

No último dia 28, pela primeira vez na semana o almoço não ia ser angu. Era dia de receber o benefício. Maria de Fátima foi direto ao supermercado e só comprou o que estava em promoção. Gastou R$ 79 com arroz, leite, óleo de soja, linguiça, chuchu, uma dúzia de ovos, cenoura, batata-inglesa e biscoitos e miojo para agradar a neta. Tinha feijão pronto, doado por uma amiga. Cozinhou arroz e fritou ovos.
— O problema é que a compra só dura três dias — relata.


Em Recife, a ONG Gestos, que trabalha com soropositivos, teve de reativar em 2016, depois de cinco anos de suspensão, o trabalho de arrecadação de alimentos. Segundo Alessandra Nilo, sócia-fundadora da entidade, que também ajudou a elaborar o relatório de monitoramento da Agenda 2030 da ONU, nas visitas às casas das famílias percebeu que faltava comida:
— Hoje fornecemos cestas básicas a mais de 30 lares de portadores de HIV.

Um dos beneficiados é Rubens (nome fictício), de 35 anos. Desde que descobriu ser portador do vírus, há cinco anos, perdeu o emprego e nunca mais conseguiu se recolocar. Vivia com um salário mínimo do auxílio-doença pago pelo governo. Em janeiro, foi chamado para perícia e teve o benefício cortado.

— Se você vier aqui em casa hoje, a minha geladeira está vazia. O preconceito e minha saúde frágil impedem que eu me mantenha empregado. Passo muitos dias internado em hospital — conta.
No Norte de Minas, o corte pelo governo federal do repasse de alimentos ao Quilombo Gurutuba, via Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, vem colocando em risco a alimentação das sete mil famílias locais, denuncia a coordenadora de Articulação do Centro de Agricultura Alternativa da região, Marilene de Souza. Procurado, o Ministério de Desenvolvimento Social não se manifestou.

Segundo dados da própria pasta, a compra de alimentos desse programa, para repasse gratuito a pessoas em situação de insegurança alimentar, restaurantes populares e cozinhas comunitárias, vem caindo desde 2013. O orçamento deste ano prevê compras de R$ 330 milhões, contra mais de R$ 800 milhões em 2012

REPORTAGEM DE DAIANE COSTA
 (O GLOBO)  

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