1) Com os atos deste
domingo, a conjuntura mudou. Seja pela dimensão muito expressiva que
eles tiveram, seja pelo fortalecimento da extrema-direita dentro do
bloco de oposição.
2) Não serve de nada à análise política tentar
minimizar a força das manifestações com afirmações do tipo “havia
poucos negros” ou “nas diretas havia menos gente, mas a população do
país, na época, era menor”. Isso é tentar tapar o sol com a peneira. As
manifestações de ontem foram muito expressivas. Em São Paulo, a PM de
Alckmin estimou em 1,4 milhão de pessoas, número sem dúvida exagerado. O
Datafolha, mais confiável, fala em meio milhão. É muita gente.
3) A espontaneidade nas ruas hoje é da direita. E, nas ruas,
espontaneidade é força. Cartazes, fantasias e iniciativas individuais
mostram pujança do movimento. Hoje é a direita quem faz isso. Os atos em
apoio a Dilma têm mais a cara de aparelhados, de coisa chapa-branca,
com ônibus alugados e faixas preparadas por sindicatos
.
4) Como a
direita ganhou a hegemonia nas ruas, arrastou o centro. Nem todos os
que foram às manifestações são de direita, mas esta dá a direção ao
movimento. E, cada vez mais, quem faz isso é a extrema-direita.
5) É preocupante o fato de que lideres políticos da direita tenham sido
hostilizados e chamados de “bundões”, enquanto Bolsonaro era festejado.
Mesmo que Aécio, Alckmin e Serra tenham gordura e possam recuperar sua
influência junto a essa gente, o empurrão das ruas os levará ainda mais
para a direita.
6) O carimbo de “corruptos” está pregado na testa
do PT e do governo Dilma. Não importa o quanto de verdadeiro isso seja
(e, em certa medida, o é). O fato é que é um dado da realidade. Nas
manifestações de rua, essa tem sido a principal bandeira. E, por favor,
não vale culpar a mídia, que dá mais destaque à roubalheira do PT do que
à dos partidos de direita. Ou não se sabia que a mídia atuaria assim?
Em vez de reclamar do Jornal Nacional, os petistas deveriam se perguntar
por que sempre nomearam prepostos da Globo como ministros das
Comunicações e nunca se atreveram a dar qualquer passo no sentido de uma
Lei de Meios.
7) A direita tem um novo ícone: Sérgio Moro. E ele
aceita, de bom grado, este papel. Ou não redigiria uma nota agradecendo
o apoio que recebeu dessas manifestações. Não é comportamento que se
espera de um magistrado.
8) Dilma está nas cordas. Com a crise e o
fim da situação que permitia ampliar os ganhos dos ricos e, ao mesmo
tempo, desenvolver políticas sociais compensatórias, chegou ao fim a lua
de mel do grande capital com o governo. E ele já não quer mais que
Dilma se limite a assumir o programa antigo do PSDB. Quer mais. Exige ir
mais longe do que as medidas do ajuste fiscal de Dilma. Deseja
radicalizá-lo. Basta ver o programa “Uma ponte para o futuro”,
apresentado pelo PMDB, com apoio dos tucanos.
9) Um complicador
para retirar Dilma é a diferença de interesses entre PSDB e PMDB e,
também, as diferenças entre seus caciques. Embora eles tenham identidade
quanto a um programa alternativo, divergem quanto aos passos para a
derrubada da Dilma. A Aécio interessa que haja a impugnação da chapa
Dilma-Michel Temer ainda este ano. Neste caso, haveria novas eleições em
três meses e ele se beneficiaria do efeito “recall”. Marina Silva, que
rasgou definitivamente a máscara e se alinhou com a direita, também
prefere essa saída. Já Serra e Alckmin querem a eleição em 2018. Para
tal, é melhor que Dilma só caia em 2017, pois nesse caso não haveria
eleições imediatamente. Há outro complicador. Para o PMDB, não interessa
a impugnação da chapa Dilma-Temer, porque o poder não ficaria nas mãos
do vice. O caminho predileto do PMDB seria o impeachment de Dilma por
conta de algum ato como presidente. Algo como as tais pedaladas. Mas
isso ficou meio desmoralizado. Enfim, essa divergência de interesses
dificulta a derrubada da presidente. Mais um complicador é que as
presidências da Câmara e do Senado estão nas mãos de gente como Eduardo
Cunha e Renan Calheiros. Tirar uma presidente alegando corrupção para
deixar o poder com um desses dois é dose. De qualquer forma, isso tudo
tem um limite. Se o desgaste do governo se aprofundar, a direita
encontrará uma solução para derrubá-la.
10) Dilma está grogue e
pode ser derrubada mesmo com as enormes concessões que fez. É possível
que caia desmoralizada, o que seria o pior dos mundos. E tendo ajudado a
desmoralizar a esquerda, seja por estelionato político, seja pelo fato
de a prática do PT tê-la associado à corrupção.
11) Setores de
extrema-esquerda se equivocam profundamente ao festejar o fato de Aécio,
Alckmin e Serra terem sido hostilizados na Avenida Paulista. Esquecem
que Bolsonaro foi aclamado. Esses setores de extrema-esquerda acham que
isso mostra o acerto da bandeira “que se vayan todos”. Ora, na situação
atual não há “que se vayan todos”. Ou alguém acha que o Congresso vai
aprovar uma emenda constitucional encerrando o mandato de seus
integrantes e chamando eleições gerais. O “que se vayan todos” hoje
significa “que se vaya Dilma”. Não ver isso é cegueira. Aliás, a mesma
cegueira que fez com que alguns desses grupos apoiassem os mísseis da
Otan contra os governos da Líbia e da Síria, que resultaram na atual
situação naquela região.
12) A esquerda que não se rendeu e está
fora do PT e do governo deve combater o impeachment. Seja porque ele não
tem base legal e representaria um perigoso precedente, seja porque o
que viria é coisa pior. Basta ver o tal programa “Ponte para o futuro”,
do PMDB. Nada mais voltado para o atraso político e social. Nas palavras
do José Luiz Fevereiro, representa um autêntico trem-bala para o
passado.
13) Essa esquerda tem que fugir do dilema: “Ou apoia
Dilma, ou cruza os braços”. Apesar das dificuldades e de sua pequena
expressão social, tem que buscar uma terceira via, juntamente com
segmentos do movimento popular, na linha do “Povo sem medo”. Deve ser
contrária ao impeachment e a ruptura institucional, mas deixar claro que
é oposição à política direitista do governo Dilma. A partir daí,
mostrar uma cara própria, com uma agenda de atos separada do PT e da
CUT, cujas manifestações inevitavelmente se transformam em “olê, olê,
olê, olá, Dilmá, Dilmá”. E que, não bastasse isso, têm essa leitura por
parte da mídia. Ou seja, aparecem para a sociedade como se fossem
manifestações de apoio ao governo antipopular da Dilma e do PT.
14) Não é uma situação fácil, como se vê. Mas é o que nos oferece a
atual situação. O desfecho mais provável do atual período petista na
condução do país, depois da eleição de quatro presidentes da república
filiados ao partido, é a abertura de um ciclo de conservadorismo e de
hegemonia da direita. E isso, não porque o PT tentasse fazer reformas
reais e fosse derrotado por ter contrariado interesses das classes
dominantes, como Allende ou mesmo Jango. Mas porque capitulou, abandonou
suas bandeiras, lambuzou-se (para usar a expressão do chefe da Casa
Civil) e acabou sendo usado e, depois, descartado, pelo grande capital.
15) Por fim, engana-se o segmento da esquerda que, iludido, pensa que o
ônus disso tudo será apenas do PT. Para a maioria da população, o PT
representa a esquerda, embora há tempos não seja mais isso (ainda que
tenha integrantes de esquerda). Depois dessa experiência de governos
petistas, não será estendido um tapete vermelho para os setores de
esquerda críticos do PT. A eles também será feita a cobrança.