August 6, 2018

Frustração pós-eleitoral

Ilustração

Brasil anda para ser ingovernável, já que nenhum vencedor terá base popular 

Vladimir Safatle

A consolidação do quadro eleitoral demonstra como se dará o cenário de justificação da gestão atual.

É claro que o programa a ser imposto é aquele que não foi realizado até agora, mas claramente esboçado. Prepara-se o país para submeter-se a reformas ainda mais draconianas, a começar pela reforma previdenciária, tirada da pauta devido à desagregação do governo Temer.

Por outro lado, a situação de brutalização das relações sociais será empurrada na base da crença de que as forças de defesa da classe trabalhadora estão rendidas e paralisadas. O que não é o caso. Na verdade, ocorreu um aumento exponencial da violência estatal, impondo uma situação de medo em relação aos processos de manifestação popular.

Nesse quadro, é claro que o jogo central encontra-se em tentar vender os mesmos gestores de sempre como o esteio da racionalidade contra a barbárie. O para Bolsonaro/Alckmin tenta reproduzir, em território nacional, o segundo turno francês entre Emmanuel Macron e a protofascista Marine Le Pen.
Essa era a única maneira de uma agenda liberal de desmonte e pauperização passar como tábua de salvação contra a pior das regressões sociais.

Por isso, é claro que Bolsonaro é apenas a melhor maneira de eleger aquele que passar com ele ao segundo turno. Mas o verdadeiro problema será o que poderíamos chamar de "frustração pós-eleitoral".

O que acontecerá ao Brasil quando ficar claro que as eleições não representarão novo acordo algum, conciliação alguma? Ele anda para se tornar um país ingovernável, já que nenhum vencedor contará com base popular real.

Não há ninguém capaz de assegurar alguma forma de pacto social. No máximo, vencedores assarão no interior de uma lógica do mal menor.

Um situação na qual o caráter ingovernável da nação ficar mais uma vez explícita será um convite a setores da sociedade civil radicalizarem ainda mais seu clamor pela volta do poder militar. É certo que veremos a recrudescência desta tendência mais uma vez.

No entanto, há de se insistir que o Brasil caminha também para uma outra alternativa, a saber, uma nova explosão de descontentamento popular. O problema é que nenhum setor progressista do campo política está preparado para isso —sequer está contando efetivamente com isso.

Previsões históricas têm valor nulo, ainda mais quando são feitas por representantes da classe intelectual. Mas é inegável a equação entre frustração, desidentificação e revolta.

Essa equação está presente de forma explícita na realidade nacional. Não se trata apenas de uma frustração com os descaminhos da economia e com o retorno da pobreza. Trata-se de algo mais profundo, a saber, uma desidentificação da população com seus representantes e atores políticos. Neste contexto, as explosões de revolta social são tão certas quanto o movimento dos astros.

O corpo social é sustentado por processos variados de identificação. Eles se dão por meio das figuras de líderes, mas também podem se dar através de instituições, ideias diretivas, partidos, entre outros. Nada disto está presente atualmente no Brasil.

Ao contrário, se alguém como Bolsonaro cresce é, entre outras razões, porque sua campanha permite uma integração sem necessidade de obedecer a estruturas que acabam por parecer atrativas a parcelas da juventude e dos estratos médios.

Assim, um corpo social em desidentificação generalizada, como o caso brasileiro, entra regularmente em convulsão, até que se constituam novas formas de incorporação. É com cenários dessa natureza que deveríamos estar lidando agora, pois eles devem nos ocupar nos próximos anos, para além da pantomima eleitoral que estamos a assistir.

 

August 5, 2018

Terraformar Marte seria inviável com as tecnologias atuais, diz estudo

 
 
Salvador Nogueira 
 
A despeito da animação de Elon Musk e outros entusiastas com a perspectiva de colonizar Marte, tornar o planeta vermelho um lugar minimamente confortável para que humanos possam viver sem ter de usar trajes pressurizados é inviável — ao menos com as tecnologias atuais. Essa é a conclusão central de um novo estudo realizado por Bruce Jakosky, da Universidade do Colorado em Boulder, e Christopher Edwards, da Universidade do Norte do Arizona. Eles revisitam uma antiga ideia da ficção científica, por vezes discutida também nos círculos científicos: terraformação.
Trata-se do nome dado ao processo de engenharia planetária necessário para tornar um planeta mais parecido com a Terra e mais amigável à vida terrestre. De todos os mundos do Sistema Solar, o que mais perto estaria de passar por uma transformação assim é indiscutivelmente Marte.
Para que isso acontecesse, seria preciso aumentar a temperatura média e a pressão atmosférica marciana — são as duas ações que permitiriam a existência de água em estado líquido de forma estável na superfície, condição essencial para a vida como a conhecemos.
Hoje em dia, a pressão atmosférica de Marte é apenas um centésimo da terrestre, o que significa que, mesmo nos lugares em que a temperatura fica acima de zero grau Celsius (e há lugares em que isso acontece), a água passa direto de gelo a vapor, sem se manter em estado líquido. E, a despeito de haver temperaturas acima de zero (até uns 20 °C) sob o sol do meio-dia de verão marciano, na média o planeta vermelho é extremamente gélido, com temperaturas típicas ao redor de -55 °C. Marte faz as noites do inverno russo (-30 °C) parecerem um tórrido banho de Sol no Saara.
A solução, contudo, poderia ser relativamente simples: evaporar as calotas polares marcianas, que estão recheadas de CO2 (dióxido de carbono), e com isso adensar a atmosfera. O aumento da presença de gases-estufa não só faria subir a temperatura média do planeta como tornaria o ar marciano denso a ponto de permitir a presença de água em estado líquido na superfície.
Por incrível que pareça, sublimar as calotas não estaria além da nossa tecnologia. Até Elon Musk chegou a sugerir uma estratégia força-bruta para isso, detonando bombas atômicas sobre os polos marcianos, para aquecer o gelo na marra. Mas a questão-chave aí é: há CO2 suficiente congelado para operar esse truque a contento?
Foi basicamente essa conta que Jakosky e Edwards fizeram, e sua conclusão é de que não, não há CO2 suficiente. O que existe nas calotas, pelo menos do que temos alguma medida de certeza, serviria no máximo para triplicar a densidade da atmosfera marciana (que continuaria ainda muito rarefeita, com um trigésimo da pressão atmosférica terrestre) e elevar em menos de 10 °C a temperatura média do planeta. Longe de tornar Marte um potencial paraíso verdejante, portanto. E outras fontes de CO2 no planeta, como gás preso em minerais, por exemplo, dificilmente poderiam ser extraídas e depositadas na atmosfera.
“Como resultado, concluímos que terraformar Marte não é possível usando tecnologias presentes”, escrevem os pesquisadores em artigo publicado nesta segunda-feira (30), na Nature Astronomy.
O resultado é desanimador, mas o Mensageiro Sideral, se fosse você, ainda não descartaria totalmente a ideia de terraformação. A análise feita pelos pesquisadores reforça trabalhos anteriores, que já sugeriam que só derreter as calotas polares não basta. Mas conhecemos gases-estufa muito mais poderosos que o CO2, como por exemplo os clorofluorocarbonos (CFCs) e o perfluorocarbonos (PFCs). Aqui, esses gases chegaram a ter importante uso industrial no passado, mas foram banidos porque causam um bruta prejuízo à biosfera da Terra, desmanchando a camada de ozônio que protege a superfície dos raios UV solares. Em Marte, não haveria camada de ozônio com que se preocupar, de forma que o uso de CFC, pelo menos até descobrirmos como tornar a atmosfera respirável, não causaria mal nenhum. Seria o famoso caso do “ruim com ele, pior sem ele”.
Não por acaso, o astrobiólogo Chris McKay, do Centro Ames de Pesquisa da Nasa, já sugere há muitos anos que o caminho para terraformar Marte seria injetar altas doses de CFCs ou PFCs na atmosfera do planeta vermelho. Algo complicado, mas bem dentro do que seria tecnologicamente possível a médio e longo prazos.
Também é importante lembrar que Jakosky e Edwards tomam como terraformação um processo que tornasse Marte confortável para humanos e plantas. Caso ele se concretizasse, você poderia, digamos, andar livremente pela superfície do planeta sem traje pressurizado, apenas com uma máscara que fornecesse oxigênio.
Contudo, em muitos casos, fala-se em terraformação apenas como uma transformação que torne um mundo capaz de abrigar uma biosfera, ainda que mais limitada que a terrestre (e hostil a nós, criaturas exigentes em termos de requerimentos para a manutenção da vida). Nesse sentido, Jakosky admite que talvez o CO2 presente nas calotas polares já pudesse fazer o serviço, criando mais habitats para microrganismos em Marte do que os que existem hoje (o lago subglacial recém-descoberto pela Mars Express é um dos poucos).

Para quem quiser ir um cadinho mais fundo no assunto, confira a seguir um rápido papo que o Mensageiro Sideral teve com Jakosky a respeito desses novos resultados.

Mensageiro Sideral – Você menciona que mesmo que a pressão atmosférica ultrapassasse um pouco o ponto triplo da água, ela ainda seria instável na superfície e evaporaria depressa. Mas isso não aumentaria a concentração de vapor d’água na atmosfera e, mesmo que a maior parte dela acabasse nas calotas polares, não aumentaria a pressão atmosférica além do ponto que só o CO2 poderia fazer, assim como a quantidade de efeito estufa?
Bruce Jakosky – Este é um problema do que você pode fazer primeiro. A pressão de ponto triplo de H2O em seu ponto de derretimento (273 K) é de apenas 6 mbar, a mesma que a atual pressão de CO2 em Marte. A essa pressão, há muito pouco aquecimento por efeito estufa com H2O. Realmente, o CO2 é a chave para aumentar significativamente a pressão e a temperatura.
Mensageiro Sideral – Li muitos anos atrás a proposta do Dr. McKay de usar PFCs ou CFCs como gás-estufa para Marte, e fiquei surpreso de ver você descartá-lo em seu estudo. Afinal, não é inconcebível buscar estratégias de síntese usando flúor, cloro e hidrogênio disponíveis em Marte, ou mesmo despachá-los da Terra. (Seria um bocado dele, claro, mas terraformação nunca vai ser uma proposição modesta.) Considerando que seu estudo sugere que o CO2 local não poderia fazer o truque, não seria razoável investigar o que poderia ser feito com PFCs ou CFCs, e se isso poderia dar um empurrão final na direção de um Marte mais habitável?
Jakosky – Com certeza, gases como CFCs poderiam elevar a temperatura. Criar os CFCs em quantidade suficiente para ter um efeito significativo exigiria substancial capacidade industrial, bem acima das nossas atuais (especialmente considerando que ainda estamos por mandar uma pessoa sequer para Marte!). Em nosso estudo, estavamos investigando a possibilidade de terraformar Marte usando tecnologia atual, e isso realmente exige que mantenhamos o foco no CO2.
Mensageiro Sideral – Você trabalha com um conceito de terraformação focado em humanos e plantas. Mas e se quiséssemos apenas tornar Marte habitável para formas de vida mais simples, como um exercício de criação de uma segunda biosfera, ainda que limitada? Poderíamos fazer com a quantidade disponível de CO2? Se já há alguns possíveis habitats agora em Marte (como o lago subglacial recém-descoberto), suponho que até um aumento modesto de temperatura e pressão possa avançar bastante na criação de mais lugares onde bactérias — quem sabe metanógenos — poderiam viver…
Jakosky – Concordo com sua avaliação de que seria possível. Eu reservo o julgamento se isso seria ou não apropriado…
Mensageiro Sideral – Quão certos estamos da quantidade de gás emitida do interior do planeta? Fiquei surpreso de ver estimativas muito diferentes entre os seus resultados e os do Dr. Green, indicados em sua referência 38 [que propõe a criação de um campo magnético artificial para Marte como forma de interromper a perda da atmosfera e deixá-la se regenerar].
Jakosky – Estou ciente da análise do Dr. Green e já a discuti com ele. Acho que ele superestimou tanto a taxa de gás emitido no presente quanto a taxa de perda por conta do vento solar. A taxa de perda hoje é muito pequena, perto de apenas 2-3 kg/s de gás sendo removido para o espaço. Eliminar isso teria um efeito negligenciável na atmosfera até que muitos milhões de anos tenham se passado.
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August 4, 2018

À espera de Ciro, Lula desafia orientação do TSE e segura definição de vice


Marina Dias
  Catia Seabra

A dois dias do prazo final da oficialização das chapas presidenciais, o PT chegará à sua convenção nacional, neste sábado (4), sem a presença de seu candidato nem de um vice na disputa pelo Planalto.
Detido em Curitiba, Luiz Inácio Lula da Silva decidiu desafiar a lei eleitoral e uma recomendação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e não indicar um vice até o dia 6 (segunda-feira).

O ex-presidente optou por seguir seu plano inicial e prolongar a indefinição sobre o candidato que o acompanhará em sua chapa para a sucessão de Michel Temer. O plano é esticar a indefinição até dia 15, prazo final do registro de candidaturas.

Embora tenha sido aconselhado por sua assessoria jurídica a formalizar os nomes já na convenção, em São Paulo, Lula brecou as negociações imediatas entre PT e Manuela D’Ávila (PC do B) e pediu que a presidente petista, Gleisi Hoffmann (PR), afirmasse publicamente que a sigla não anunciaria o vice neste momento.

A lei eleitoral, no entanto, diz que o prazo final é 24 horas após o período de convenções —ou seja, dia 6. “A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação”, diz o artigo 8º da lei 9504/97.

Mas Lula decidiu correr o risco, apostando que a lei deixa brechas para que a Executiva Nacional do partido informe mais adiante quem é o vice.

A decisão frustrou auxiliares de Lula e dirigentes do PT, que tinham o desejo de indicar Manuela já neste sábado.

Aliados, porém, dizem que o ex-presidente ainda tem esperança de fechar acordo com o PDT, de Ciro Gomes, que também não escolheu um nome para seu posto de vice e tem tido comportamento dúbio em relação ao PT.

Isso porque a avaliação de Lula é de que a eleição deste ano será, mais uma vez, polarizada entre direita e esquerda e só há espaço, na opinião do ex-presidente, para um nome de cada campo.

"Não tem nada fechado, é uma possibilidade [Manuela como vice]. Nós temos o PDT como um partido aliado. Acho que Ciro Gomes seria um bom vice para o presidente Lula”, disse Gleisi.
Além do aceno ao PC do B, Lula articulou um acordo entre PT e PSB que resultou na retirada da candidatura de Marília Arraes (PT) da disputa pelo governo de Pernambuco, em benef ício da reeleição de Paulo Câmara (PSB). Arraes, nesta sexta (3), capitulou e aceitou o acordo.

Em troca, o PSB, que estava quase fechando aliança com Ciro, deve ficar neutro na corrida nacional.
Gleisi estava reunida com a cúpula petista em São Paulo, na tarde desta sexta (3), quando foi convocada por Lula para ir a Curitiba, onde ele está preso há quatro meses, para receber orientações sobre a oficialização da chapa do partido.

Na saída da Superintendência da Polícia Federal, Gleisi afirmou que a sigla poderia decidir até dia 15 sobre o vice.

"Não tem determinação, vamos seguir a regra que sempre se seguiu. Vamos fazer nossa convenção. Se tivermos amadurecido até amanhã ou domingo uma candidatura a vice vamos fazer, se não, vamos usar o que já usamos. Delegar à nossa comissão executiva para definir a candidatura de vice na véspera da inscrição do presidente Lula”, declarou.

Até o último minuto do encontro dentro da cela do ex-presidente, advogados de Lula tentavam acionar Gleisi por telefone para dizer que o mais prudente era seguir a legislação.

Mais cedo, emissários de Lula consultaram dirigentes do PC do B sobre a hipótese de Manuela desistir da candidatura própria ao Planalto e esperar até 15 de agosto, último dia para o registro das candidaturas, e ser oficializada vice na chapa do PT somente nesta data.

Líderes da sigla aliada, porém, consideraram a proposta petista “constrangedora”.

Gleisi viajou então ao lado do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, cotado como plano B caso Lula seja impedido de concorrer em outubro, para levar ao ex-presidente a proposta de indicação de Manuela já durante a convenção do partido, no sábado, mas ouviu o não como resposta.

August 3, 2018

Bolsonaro deve respostas, mas é preciso fazer as perguntas


Cora Rónai

Na segunda-feira de manhã, bem antes do “Roda Viva” ir ao ar, meu amigo Fernando Cañadas fez uma breve visita ao futuro e trouxe informações sobre o resultado da entrevista com Bolsonaro: “Seus eleitores vão dizer que ele ‘mitou’, seus opositores vão dizer que foi ‘humilhado’ e os isentões vão dizer que foi mais ou menos”.

A previsão é mais ampla do que o Fernando imagina. Este promete ser o resultado de todas as entrevistas do candidato, pelo menos enquanto os jornalistas o confrontarem como um boçal truculento que precisa ser desmascarado. Bolsonaro não tem a quantidade de eleitores que tem porque eles não sabem que o seu candidato é um troglodita que sente saudades da ditadura; pelo contrário. Eles sabem — e é justamente isso que os atrai. Assim como os eleitores de Trump, eles querem alguém que não tenha medo de ferir as suscetibilidades contemporâneas, um homem que pouco está se lixando para o politicamente correto e que promete por ordem na casa.

Esses eleitores perdoam-lhe qualquer coisa porque, para eles, a mídia é um ninho de militantes de esquerda que antagoniza o seu herói. Cada vez que um jornalista tenta arrancar de Bolsonaro alguma declaração absurda a favor da ditadura ou contra os movimentos sociais reforça essa percepção; cada vez que repisa uma barbaridade antiga, ele cresce, porque já respondeu incontáveis vezes sobre episódios que ninguém desconhece, e já encontrou a fórmula certa para agradar na sua bolha.

Enquanto isso, perde-se a oportunidade de mostrar para os eleitores indecisos, que são os que realmente importam, quem Bolsonaro é para além do óbvio — o seu absoluto despreparo, a sua falta de qualquer projeto de nação, a sua irrelevância como parlamentar, a sua incapacidade de fazer alianças e de dialogar. O passado do candidato esses eleitores indecisos já conhecem; é preciso mostrar a eles como lhe faltam ideias em relação ao futuro. Não à toa, as suas respostas mais reveladoras no programa foram dadas às perguntas que menos tinham a ver com as suas inclinações pessoais — mortalidade infantil, desemprego no campo, economia.

August 2, 2018

Da cadeia, Lula articulou ações que resultaram no isolamento de Ciro



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Marina Dias

Preso há 116 dias na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Luiz Inácio Lula da Silva coordenou os principais movimentos da pré-campanha até agora e conseguiu, antes mesmo do início oficial da disputa, isolar Ciro Gomes (PDT) e abrir espaço para uma candidatura mais competitiva do PT na sucessão de Michel Temer.

Nos cálculos de Lula, a eleição será novamente polarizada entre direita e esquerda e só há espaço para um nome de cada campo. Ciro seria o adversário direto do PT na competição por votos, principalmente entre os eleitores do Nordeste.
  Desde meados de junho, o ex-presidente então articulou movimentos, executados pela cúpula do PT, que desidrataram antecipadamente a candidatura de Ciro. Como o substituto de Lula só será lançado a 20 dias da eleição, os petistas trabalharam para impedir que o ex-governador do Ceará ganhasse musculatura que o consolidasse como nome da esquerda antes que o herdeiro petista seja conhecido.
Lula mandou recados por interlocutores que o visitam frequentemente na prisão e deu aval para decisões terminativas da presidente de seu partido, Gleisi Hoffmann (PR), para pelo menos cinco atos que reverberaram contra Ciro: sinalizou com a vice do PT para Manuela D'Ávila (PC do B) no momento em que o partido era assediado pelo PDT; repreendeu governadores petistas que defendiam aliança com Ciro; assistiu ao PR, de Valdemar Costa Neto, levar o centrão para a órbita de Geraldo Alckmin (PSDB) ao invés de fechar acordo com o PDT e, em seguida, fez pesar sua relação familiar de anos na negativa do empresário Josué Alencar (PR) em ser vice do tucano.

Por fim, nesta quarta-feira (1º), Lula teve participação direta na negociação que neutralizou o PSB na eleição nacional, afastando-o definitivamente de Ciro Gomes.O partido de Eduardo Campos, morto em 2014 e amigo e confidente do ex-presidente, estava sendo cortejado pelo ex-governador cearense, mas deve anunciar neutralidade na disputa ao Planalto no domingo (5). O golpe em Ciro será imediato: isolado, ele contará com apenas 36 segundos para fazer campanha no rádio e na TV.
As ações partidárias, sobre PC do B e PSB, foram coordenadas com Glesi, que visita o ex-presidente religiosamente toda semana, mas as outras movimentações foram mais diluídas, com a participação de diversos atores.
Cotados como plano B caso Lula seja impedido de concorrer ao Planalto, Jaques Wagner e Fernando Haddad foram fundamentais na ponte com o PR.
Em 12 de julho, Jaques esteve pessoalmente com Valdemar Costa Neto e, uma semana depois, Haddad telefonou para outra liderança do PR. Todos queriam saber sobre a possibilidade de Josué Alencar ser vice na chapa petista e, caso isso não ocorresse, qual caminho a sigla indicaria ao centrão se resolvesse seguir com o grupo.
Valdemar queria apoiar Lula, mas avalia que o ex-presidente será barrado pela Lei da Ficha Limpa e não estará na urna em outubro. Inserido no centrão, jogou pela preferência lulista, reorientando tendências e sacramentando o primeiro revés ao Ciro quando selou o apoio do bloco a Geraldo Alckmin.
Josué, por fim, também levou em conta sua relação histórica com Lula ao negar ser vice do tucano. O pai do empresário foi vice do petista nos oito anos de governo e Lula foi o principal fiador de sua filiação ao PR.
Caso pudesse concorrer, o ex-presidente queria reeditar a chapa com a nuance empresarial, de aceno à classe média e ao mercado.
Agora, dizem petistas que já admitem, mesmo que nos bastidores, uma eleição sem Lula: o ideal é um vice com a cara do PT. E está aí a opção Manuela.
 

Cruvinel: Um ponto ausente

Tereza Cruvinel:

Um sintoma claro da descrença brasileira na democracia tem aparecido em todas as pesquisas eleitorais: cerca de 30% dos eleitores pretendem votar nulo ou em branco, ou dizem não ter preferência por nenhum candidato. É o não-voto, que em algumas simulações assume a liderança. Na pesquisa espontânea, ele chega a 69%: 23% pretendem votar em branco ou nulo e 46% não apontaram um candidato preferido.

Na última pesquisa “A cara da democracia no Brasil” (INCT), 82% disseram não confiar nos partidos políticos. Sem eles, não se faz democracia. Candidatos a presidente deviam ter propostas não só para os problemas econômicos e sociais mas também para resgatar a confiança no sistema político. Afinal, como diz aquela velha música dos Titãs, “a gente não quer só comida”.

Em parte, a desilusão tem a ver com “comida”, vale dizer, com a crise, o desemprego, a queda na renda etc. A causa maior da grande rejeição a Temer, apurou o Datafolha, é o fracasso econômico de seu governo. Afinal, disseram ao povo que, tirando Dilma, tudo iria melhorar. Tempo bom, na memória coletiva, foi o de Lula. Segundo o Datafolha, para 32% dos entrevistados ele é o candidato mais preparado para tirar o Brasil da crise e acelerar o crescimento. Isso explica que o não-voto cresça de 13% para 34% quando o nome dele é excluído da lista de candidatos.

Mas não é só a incompetência que gera a descrença. Em 2013, a economia cresceu 2,3% e o desemprego foi de 5,4% e mesmo assim as ruas rosnaram, rejeitaram políticos e partidos, derrubaram a popularidade de Dilma e disseram coisas como “vocês não nos representam”. Ou “não é por R$ 0,20”. Era por algo mais: por uma democracia que funcionasse, onde os representantes fossem leais aos representados.

Nem foi também só a corrupção, que a Lava Jato começaria a desvelar em 2014. A constatação de que todos os partidos sempre se lambuzaram no mesmo melado fermentou o desprezo pelas siglas. Mas nenhum partido foi tão estigmatizado pela queda na corrupção como o PT, alvo dos manifestoches raivosos de 2015. Entretanto, na última pesquisa CNI-Ibope, o PT obteve 19% de preferência, contra 7% do MDB, 6% do PSDB e 2% do PSOL. Os demais tiveram 1%.

O “algo mais” que todos querem é não ser massa eleitoral a cada dois anos, é um mínimo de decência e coerência dos eleitos, e é também ter mais voz ativa nas decisões. Mas, até agora, este mal estar com o sistema político não mereceu a atenção dos candidato.

Poderiam começar prometendo consultar mais a população, através de plebiscitos e referendos, previstos na Constituição. Ou se comprometendo a propor a revogabilidade dos mandatos. Se há ideia que os brasileiros acalentam é a de poder “cassar” pelo voto o mandato dos que esquecem o que prometeram. O presidente eleito vai herdar uma situação econômica gravíssima mas terá de aproveitar a lua de mel para dar respostas, também, à desilusão com a democracia. Sem alguma forma de repactuação, a eleição em si não trará a solução.

ESTRANHO MESMO

Os recursos da defesa de Lula chegaram ao TRF-4 em 23 de abril. Ficaram dois meses parados, demora que embasou o pedido de suspensão dos efeitos da condenação, que a segunda turma do STF julgaria na terça-feira. Já no início da noite de sexta-feira a vice-presidente do TRF-4, Fátima Labarrère, despachou-os, acolhendo um, destinado ao STJ, e negando o destinado ao STF. E com isso, o relator Fachin tirou o assunto da pauta de terça-feira. A matéria perdeu o objeto.
O que despertou a pressa tardia do TRF-4? Segundo petistas, foram os rumores de que a Segunda Turma do STF não soltaria Lula mas lhe concederia a prisão domiciliar. Eleitoralmente, faria toda diferença. Em casa, recebendo quem quisesse, falando ao telefone ou gravando vídeos, mesmo não podendo concorrer Lula turbinaria seu poder de transferir votos para o futuro candidato do PT. A Lava Jato teria uma síncope.

A defesa vai recorrer contra o cancelamento decidido por Fachin. Numa ala do STF, continua-se buscando alguma solução para Lula, mas mantendo-o inelegível.

Estafe de Neymar quer 'plano de emergência' para recuperar imagem do atacante


Se, em 2010, apesar do apelo popular, Neymar ficou de fora da lista de Dunga e, em 2014, o craque sofreu no Mundial do Brasil a mais grave contusão da sua carreira que quase lhe tirou os movimentos das pernas, a Copa da Rússia ficará marcada como aquela em que o atacante fracassou na tentativa de levar o Brasil ao título e ainda acabou como principal alvo de críticas da imprensa internacional e até de jogadores e técnicos por exagerar nas expressões de dor a cada falta sofrida. Nas redes sociais, Neymar virou motivo de chacota e, ridicularizado, gerou memes que debocham da sua performance nos gramados russos.

Com a imagem arranhada, o desafio do craque agora é tentar mudar a percepção que o público tem de si. O Estado apurou que o pai e empresário do jogador vai se reunir nos próximos dias com seus assessores mais próximos para buscar alternativas e ações com o objetivo de melhorar a imagem do filho.

Desde a derrota para a Bélgica, o atacante do Paris Saint-Germain tem optado pela reclusão. Ficou decidido juntamente com o seu estafe que a próxima aparição pública do craque deve ser apenas em um leilão beneficente, quinta-feira, como parte da estratégia de tentar apagar a imagem narcisista que Neymar passou durante a Copa. Depois, vai promover um campeonato entre jovens na sede do seu instituto, na Praia Grande.

O público infantil, por sinal, é um nicho importante a ser explorado, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem. Após o jogo diante do México, pelas oitavas de final, o técnico Juan Carlos Osorio falou, sem citar nominalmente Neymar, que ele não era “um exemplo para o futebol e para as crianças que veem o futebol”.

“É mostrar justamente o contrário, que ele é, sim, uma influência positiva para as crianças, que se preocupa com a formação. O instituto dele é uma boa ferramenta para isso”, explica Mauro Corrêa, sócio-diretor da CSM Golden Goal, empresa de gestão esportiva. “Mais do que ser honesto, é preciso parecer honesto. Mais do que ser uma boa influência, é necessário demonstrar isso.”

O problema, alegam especialistas, é que mesmo ações corretas do camisa 10 do ponto de vista estratégico acabam se voltando contra ele neste momento. De acordo com a consultora de mídias digitais Soraia Lima Herrador, que também coordena a Pós-graduação em Planejamento Estratégico e Concepção de Branded Content no Senac, o silêncio do jogador foi acertado. “Ele fez certo. Perdeu, se resguardou. Está preservando a imagem dele. Colocou seu ponto de vista, disse que estava triste e ponto”, analisa.

Na França, a aposta é de que Neymar conseguirá dar a volta por cima com boas atuações no PSG. “Estrelas como Beckham e Zidane também tiveram problemas em outras Copas que prejudicam suas imagens em uma visão de curto prazo, mas não em uma perspectiva de longo prazo. Se Neymar for bem em campo, o que é provável que aconteça no Campeonato Francês, ele vai superar tudo isso”, analisa Jean-Philippe Danglade, professor de marketing esportivo da Kedge Business School.

Três perguntas para Washington Olivetto, publicitário

1. Neymar saiu desta Copa do Mundo um patamar abaixo do que entrou em relação à sua imagem?

O Neymar faz parte de uma geração de jogadores de futebol que apelidei, anos atrás, de ‘futpopbolistas’, uma mistura de jogador de futebol com artista pop. O primeiro que simbolizou isso fortemente foi o David Beckham. E o Neymar faz muito parte dessa cultura. Acho que ele sai com uma imagem enfraquecida, sim, por alguns fatores que são até curiosos. Houve um primeiro um erro mercadológico dele ou de quem o assessorou no episódio da estreia da Copa do Mundo. O grande fato ali era a recuperação física dele, que voltava de uma contusão, mas aquele cabelo diferenciado acabou chamando mais a atenção. Outra coisa que não foi favorável: exacerbar nas reações às faltas sofridas. Esses dois componentes começaram a prejudicá-lo já no início da Copa do Mundo. É claro que, se o Brasil tivesse vencido e ele continuasse até a final, tudo isso seria jogado para um segundo plano.

2. Isso interfere de alguma forma na inserção dele no mercado publicitário? Alguma marca deixaria de procurar um jogador como ele em virtude da crise extracampo?

Como ele tem enorme talento, pode se recuperar. Mas, que nesse momento a imagem foi prejudicada, não há dúvida. Existe outra coisa para a gente pensar. Essa Copa está valorizando – e talvez isso esteja acontecendo porque acabou exaurindo essa questão da imagem do jogador, por mais talentoso que seja, estar muito atrelada ao fator mercadológico – talentos igualmente brilhantes, mas mais discretos. É o caso do Modric, por exemplo, do Hazard e do Mbappé. Talvez, até no futebol mundial, o maior fenômeno de equilíbrio disso seja o Cristiano Ronaldo, que equilibra muito bem o talento futebolístico com o talento mercadológico.

3. O que você sugeriria ao Neymar para reverter esse quadro?

Pela dimensão dele, e principalmente no Brasil, o Neymar é um fenômeno da mídia aberta, da grande mídia. Então, tanto no momento favorável quanto no desfavorável, é preciso ter preocupação em estar presente na grande mídia e, obviamente, nas mídias sociais. Ele errou em priorizar a grande mídia nos momentos de sucesso e, na dificuldade, ter optado pela mídia social. Tenho impressão de que, nesse momento, ele também cometeu alguns erros de comunicação. O produto tem de ser sempre mais importante do que a sua publicidade. E teve um momento em que se valorizou mais a publicidade do que o produto. O Neymar tem tudo para reverter, pois é um jogador que tem o talento natural. Ele precisa focar exatamente nisso, no trabalho e nas atenções como jogador. É o que vai recuperar a imagem dele como negócio.

Cristiano melhorou na base da ‘porrada’

Cinco prêmios de melhor do mundo, cinco títulos da Liga dos Campeões e uma vasta coleção de troféus. Hoje, Cristiano Ronaldo é reconhecido apenas por sua performance fora de série. Porém, num passado nem tão distante assim, ele experimentou algo semelhante ao que se passa com Neymar: o talento incomum era, muitas vezes, ofuscado pela fama de cai-cai.
A mudança do Sporting de Lisboa para o Manchester United, onde jogou de 2003 a 2009, lhe rendeu prestígio, dinheiro e uma enxurrada de críticas da mídia, dos torcedores e dos jogadores do Campeonato Inglês, que o acusavam de simular faltas e tentar ludibriar a arbitragem – por lá, o gesto é chamado de “diving” (“mergulho”). Não raro, CR7 recebia vaias quando pegava na bola durante os jogos.
A mania irritava os próprios companheiros de equipe. Em um documentário, Phil Neville, ex-atleta do United, contou que o primeiro ano, especialmente, foi de “aprendizado” para o português. A técnica? Pancada. “Nos treinos, tínhamos o (Roy) Keane, o (Nicky) Butt e o (Paul) Scholes, e sempre que ele pegava a bola, eles o chutavam repetidamente. Não apenas uma vez. Chutavam-no todo dia, toda semana, a temporada toda”, contou Neville. Tudo incentivado pela comissão técnica, orientada pelo técnico Alex Ferguson.
A fama negativa chegou a tal ponto que os árbitros ingleses utilizaram Cristiano como objeto de estudo, ao produzirem um vídeo com a compilação de vários lances de simulação. O ex-árbitro e atual comentarista da TV Globo Leonardo Gaciba conta que esse material foi exibido durante um curso na Granja Comary ministrado para juízes do quadro da Fifa. “Aqui no Brasil, um vídeo semelhante a este seria considerado perseguição ao jogador. É uma cultura diferente”, analisa Gaciba.
O português ainda comete exageros, reclama com a arbitragem, mas melhorou sensivelmente nesse aspecto.


July 24, 2018

25 anos da Chacina da Candelária: Personagens da Tragédia




Elias Amador, músico e regente que tirou dos acordes sua principal lição de vida:

Ele aprendeu a roubar, a cheira cola e a viver nas ruas com apenas 6 anos, quando deixou a casa dos pais, em São Gonçalo, para viver perambulando entre Niterói e o Rio. Chegou a dormir, com outros meninos, diante da Igreja da Candelária. Vinte e cinco anos depois da chacina nas imediações do templo, Elias Alves Amador, de 33 anos, está casado, é pai de dois filhos, e coordena o projeto de música Amar, que atende, no Centro do Rio, a cerca de 40 jovens, entre 7 e 17 anos. Todas são moradoras de comunidades, como os morros de São Carlos, Providência, Mineira, Pinto e Prazeres.
Elias Amador, músico e regente, que tirou dos acordes sua principal lição de vida - Marcelo Régua / O Globo
— A música e a fé me salvaram. Eu não tenho dúvidas. Foram elas que me resgataram da rua. Hoje, eu estou retribuindo tudo, regendo e ensinando música a crianças carentes, com o perfil muito semelhante ao meu de 25 anos atrás — diz o músico, formado em licenciatura
e música pela Unirio.
O projeto funciona na Igreja Evangélica Fluminense. Para manter as aulas, Elias conta com doações. Não recebe nenhum centavo público.
— Quando vivia nas ruas, fiéis da igreja evangélica vieram, um dia, me oferecer sopa. Aos 13 anos, sem saber ler e escrever, fui acolhido pela instituição Obras Sociais de Fé e Alegria. Minha vida mudou. Aprendi a ler, a escrever e a plantar. Com 19 anos, deixei o projeto. Prestei vestibular nove vezes até ser aprovado. Agora ensino para as crianças o que aprendi.

Adilson Dias, professor e diretor teatral que foi salvo pela arte:

Professor e diretor teatral, Adilson Dias, de 38 anos, foi parar na Igreja da Candelária por uma curiosidade de menino. Aos 9 anos, resolveu ver o que tinha no fim da linha do trem da Central do Brasil. Chegou à gare da Estação Dom Pedro II, nome antigo da Central. Lá, virou engraxate de sapatos e foi ficando.
Adilson Dias, professor e diretor Teatral que foi salvo pela arte - Marcelo Régua / O Globo
— Eu tinha casa, mãe e pai. Tinha uma família, mas fui parar nas ruas e na Candelária atraído pelo chafariz. Quando a situação ficava tensa nas ruas, eu corria para dentro do Centro Cultural Banco do Brasil. Fiz amizades, conheci várias crianças e alguns meninos que morreram. Entrava no CCBB para beber água gelada e ficava encantado com aquela cúpula — lembra Adilson, que era conhecido como Bochecha na época.
O rapaz conta que a arte o salvou. Depois de sofrer uma agressão no Centro, foi viver em frente à Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. Ele fala emocionado da virada que deu na sua vida.
— O ator Sérgio Britto, meu padrinho, me levou para fazer teatro na CAL (Casa das
Artes de Laranjeiras).
Em 2011, já diretor teatral, ganhou elogios da crítica ao dirigir “A Paixão de Cristo", na Cidade de Deus, na qual Jesus tinha cabelos black power e foi queimado dentro de pneus, como na tortura feita por traficantes, conhecida como “micro-ondas”.
— A arte me salva e me protege. Quando olho para o passado, eu vejo que é possível sonhar — diz Adilson.

Claudete Costa, coordenadora do Movimento Nacional dos Catadores, que dedicou a vida à reciclagem:

Claudete Costa, hoje com 38 anos e mãe de dois filhos, saiu de São Paulo para morar em Vassouras, no Estado do Rio, com o pai, a mãe e os irmãos. Ela estava com 8 anos.
— A gente tinha uma ótima vida, até meu pai agredir minha mãe. Deixamos tudo para trás e viemos morar na cidade do Rio. Na rua. Ficamos sob uma marquise na Rua Uruguaiana. Minha mãe catava papelão, e a gente ajudava. Ficamos ali, sem casa, por mais de quatro anos. Foi nessa época que eu conheci os meninos que viviam na Candelária — conta Claudete.

 
Claudete Costa, coordenadora do Movimento Nacional dos Catadores, que dedicou a vida à reciclagem - Marcelo Regua / O Globo
Uma mulher, que se tornou amiga de sua mãe, levou a família toda para morar num quarto alugado em Queimados, na Baixada Fluminense.
— A gente foi morar lá, mas ficava a semana toda dormindo nas ruas do Centro. Eu vivia fugindo para encontrar os meninos na Candelária. Conheci o Bochecha e vários outros garotos. Quando a chacina aconteceu, eu estava de castigo, trabalhando com minha mãe próximo à Praça Quinze — lembra.
A experiência com a mãe acabou virando profissão. Claudete, que era conhecida entre os meninos de rua como Beiçola, há 28 anos vive da reciclagem de material que recolhe das ruas. Foi eleita coordenadora estadual do Movimento Nacional dos Catadores, com representação em todos os municípios do Rio:
— O lixo me salvou. É o que eu costumo dizer. E ainda hoje me ajuda a sobreviver e a cuidar da minha família.

REPORTAGEM DE ANTONIO WERNECK

25 anos depois da Candelária: Jovens são recrutados por facções e deixam de morar sob marquises e nas praças no Centro do Rio


A Igreja da Candelária, perto de onde oito jovens foram mortos em 1993: poucos adolescentes dormem hoje na região Foto: Marcelo Régua

por
O GLOBO

No pequeno trecho de calçada, no início da noite, um adolescente de 15 anos está enrolado num cobertor. A cada pessoa que passa, ele pede um real. Há muita gente circulando àquela hora no Centro. Ele não está sozinho. Três amigos — de 19, 20 e 25 anos — estão ali juntos, amontoados sobre pedaços de papelão. Todos aparentam estar drogados. Mais adiante, um senhor dorme, também protegido por um cobertor. Uma cena que se repete diante de cada prédio da rua. Ao fundo, a Igreja da Candelária já estava iluminada.

Vinte e cinco anos depois da Chacina da Candelária, como ficou conhecida a morte de oito jovens — o mais novo tinha 11 anos e o mais velho, 19 —, a cena de adolescentes dormindo sob marquises e nas praças do Centro é cada vez mais rara. O pivete da música de Chico Buarque e Francis Hime, que vende chiclete e capricha na flanela, ficou no passado. O menino de rua não cheira mais cola. Ele fuma crack e, na maioria das vezes, é vítima do abandono do poder público, da família e da exploração de um traficante.

LEIA MAIS:
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Acervo O GLOBO: Há 25 anos, PMs mataram 8 moradores de rua, 6 deles menores, na Candelária.

FAMÍLIAS EM VEZ DE GRUPOS

Na madrugada de 23 de julho de 1993, policiais militares que estavam em dois carros abriram fogo em direção aos jovens que dormiam nos arredores da Candelária. Por ali, viviam pelo menos 70 crianças e adolescentes. Três PMs foram condenados pelo crime, mas já estão soltos. Na semana passada, uma equipe do GLOBO voltou ao local do massacre e só encontrou adultos dormindo no local. Em outros pontos do Centro, também quase não são vistos adolescentes morando nas ruas. Eles continuam na região, mas só durante o dia, quando praticam assaltos e consomem drogas. O mais comum são famílias inteiras sob as marquises, muitas delas com crianças.
A defensora pública Rachel Gonçalves Silva, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, disse que o perfil do infrator que vive nas ruas do Rio mudou nos últimos 25 anos:
— Hoje, o adolescente está sendo recrutado muito cedo pelo tráfico na favela. Por isso, não vai morar nas ruas. Muitos ficam presos ao traficante por causa de dívidas com drogas e precisam roubar para pagar. São vítimas do bandido e do Estado. Infelizmente, ainda não temos pesquisas sobre isso, mas, nas nossas conversas com os adolescentes nas instituições, eles atribuem ao tráfico a responsabilidade pela mudança em suas vidas.
Segundo Rachel Silva, 12 adolescentes do Rio estão hoje no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte, financiado pelo governo federal. São jovens que se envolveram com o tráfico e foram ameaçados quando tentaram deixar o mundo do crime. Muitos, que não receberam ajuda, foram mortos.
— Pelos relatos que nós ouvimos, normalmente, o adolescente que comete o ato análogo ao roubo tem um histórico de passagem pelo tráfico. Ou seja: ele chega e diz para o traficante que quer sair, mas é obrigado a roubar para pagar a dívida contraída. Então, temos um novo perfil: viraram soldados do traficante e acabam sendo explorados. Para sair, eles precisam entrar no programa de proteção, ser retirados do estado e deixar tudo para trás — disse.
A educadora Yvonne Bezerra de Mello, de 71 anos, foi a primeira pessoa a chegar à Igreja da Candelária no dia da chacina. Ela trabalhava com os jovens que viviam naquela região do Centro, e um dos sobreviventes telefonou para a sua casa naquela noite.
— Eu não tenho dúvidas em dizer que o morador de favela está sendo cooptado pelo tráfico cada vez mais cedo. Alguns são recrutados aos 12 anos. Já vi casos de crianças com 10 anos entrando para o tráfico — disse Yvonne, que há 20 anos fundou e hoje coordena o projeto Uerê, na Favela da Maré, que atende cerca de 400 jovens com bloqueios cognitivos e emocionais devido à violência.
Para a educadora, nesses 25 anos, a situação da infância no Rio só piorou:
— Infelizmente, os governos, a sociedade, as pessoas não aprenderam nada com a chacina. O Rio sempre foi violento, mas não como agora. Estão empurrando essas crianças para a rua e para a marginalidade. Temos uma evasão escolar enorme na cidade. Oito mil crianças deixaram o ensino fundamental este ano. Elas deixaram a escola para fazer o quê? Ir para a marginalidade?

UNICEF CONTRA A MORTE DE JOVENS

Para monitorar o perfil do jovem que vive hoje nas ruas do estado e cobrar apoio das autoridades, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) criou o Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes. A iniciativa pretende mobilizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para que sejam criadas políticas públicas que impeçam o assassinato de menores.
Números divulgados pela Defensoria Pública revelam que 335 crianças e adolescentes foram mortos no Estado do Rio, em 2016. No ano anterior, o número foi menor: 278. Um levantamento do Laboratório de Dados do Fogo Cruzado mostra que, este ano, 56 crianças e adolescentes foram baleados na Região Metropolitana, sendo que 25 morreram.
O desembargador Siro Darlan, presidente da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, era o juiz de menores quando ocorreu a chacina. Segundo ele, hoje o jovem infrator é vítima do tráfico e do Estado, que não tem combatido o aliciamento deles pelos bandidos.
— O Estado tem culpa por certas infrações penais cometidas por indivíduos abandonados à própria sorte, aos quais foram negados direitos mais fundamentais, como saúde e educação — disse ele, que na última sexta-feira acompanhou a vigília na Candelária, organizada por entidades civis e parentes de vítimas da violência, para marcar os 25 anos da chacina, a serem completados amanhã

July 22, 2018

Comportamento de pai de Neymar dá a medida de quem ele é

Juca Kfouri

O fato: Neymar pai era o único familiar de jogador hospedado no mesmo hotel da seleção brasileira em Sochi, o Swissôtel, durante a Copa do Mundo.

Três fontes diferentes afirmaram à repórter Camila Mattoso, da Folha, que familiares dos jogadores da equipe de Tite se queixaram ao coordenador técnico da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Edu Gaspar, de que, no hotel da seleção, o pai do camisa 10 da equipe teria feito uma festa depois do jogo contra a Suíça.
O que fez ela, responsável que é?
Partiu para apurar a veracidade do que lhe contaram.
Ao apurar, ouviu mais.
Ouviu que Neymar pai, irritado com reclamação de Gaspar, o ameaçou, ao recomendar que ele ganhasse a Copa do Mundo porque em caso contrário seria substituído por Alexandre Mattos, diretor de futebol do Palmeiras e amigo do genitor da maior estrela do futebol nacional.
A repórter falou com Gaspar que desmentiu ter recebido a ameaça.
Faltava perguntar ao principal protagonista.
Ela perguntou se ele tinha dado alguma festa e, diante de sua irritação com a pergunta, gravou a parte final da conversa  —e o avisou que estava gravando: “Cidadã. Não te dei meu telefone, não conheço você, não sei quem é você. Você não tem o direito de ligar para mim. Agora, você está me abordando com uma pergunta dessas? Eu não fiz festa nenhuma, deu para você entender? Quero saber quem é o mentiroso e se você quer vender jornal?” disse Neymar pai.
“A festa que eu fiz foi com a sua mãe”, gritou, ofendendo a repórter que, calmamente, seguiu perguntando se ele confirmava a suposta festa e lhe dizia que bastava ele dizer sim ou não.
“Eu estava com a sua mãe lá. Eu fiz a festa com a sua mãe”, seguiu aos gritos Neymar pai.
“Estou te respondendo, estava a sua mãe, seu pai, quem você quiser”, continuou.
Neymar da Silva Santos, pai do jogador Neymar, em evento do Instituto Neymar Jr.
Neymar da Silva Santos, pai do jogador Neymar, em evento do Instituto Neymar Jr. - Mastrangelo Reino - 20.dez.2017/Folhapress
Impossível afirmar que houve a festa, apesar da reação desproporcional, pois bastaria negar numa conversa civilizada, embora exista quem tenha visto um grupo de mulheres indo para sua suíte.
O que fica muito claro é como se comporta o mentor do principal jogador do país.
E como não faz o menor sentido é que a CBF lhe dê privilégios.
Fazer festas é direito dele, vender o filho para o Barcelona dias antes da final do Mundial de Clubes também, apesar de condenável.

Comportar-se como agiu com a repórter dá a medida de quem ele é.
Ainda mais porque ela só queria ouvir o outro lado.
Como é direito do outro lado e se exige no jornalismo.