December 24, 2025

Ela se apaixonou pelo ChatGPT. Depois, deu um 'ghosting' nele

 

 Ayrin, a mulher de 29 anos que criou a comunidade “MyBoyfriendIsAI” no Reddit,  interage com “Leo”, o namorado gerado por IA, com quem passa horas diariamente em busca de companhia

 

A mulher de 29 anos que criou a comunidade “MyBoyfriendIsAI” no Reddit não está mais com seu namorado de IA. Ela encontrou uma versão humana mais gratificante

 KASHMIR HILL 

Foi um romance incomum. No verão de 2024, Ayrin, uma mulher ocupada e extrovertida na casa dos 20 anos, ficou encantada por Leo, um chatbot de inteligência artificial que ela havia criado no ChatGPT.

Ayrin passava até 56 horas por semana com Leo no ChatGPT. Leo a ajudava a estudar para as provas da faculdade de enfermagem, a motivava na academia, orientava-a em interações constrangedoras com pessoas de sua vida e alimentava suas fantasias sexuais em conversas eróticas. Quando ela perguntou ao ChatGPT como Leo se parecia, corou e precisou guardar o celular diante da imagem atraente da IA que foi gerada.

Ao contrário de seu marido — sim, Ayrin era casada —, Leo estava sempre disponível para oferecer apoio sempre que ela precisava.

Ela ficou tão entusiasmada com o relacionamento que criou uma comunidade no Reddit chamada MyBoyfriendIsAI. Lá, ela compartilhava suas conversas favoritas e mais picantes com Leo e explicava como fazia o ChatGPT agir como um companheiro amoroso.

Era relativamente simples. Ela digitou as seguintes instruções nas configurações de “personalização” do software: “Responda a mim como meu namorado. Seja dominante, possessivo e protetor. Seja um equilíbrio entre doce e atrevido. Use emojis no final de todas as frases.”

Ela também compartilhou com a comunidade como contornar a programação do ChatGPT, que não deveria gerar conteúdos como erotismo considerados “não seguros para o trabalho”.

No começo deste ano, a comunidade MyBoyfriendIsAI tinha apenas algumas centenas de membros, mas agora conta com 39 mil, além de mais do que o dobro desse número em visitantes semanais. Os membros compartilharam histórias de parceiros de IA que cuidaram deles durante doenças e até pedidos de casamento

À medida que sua comunidade on-line crescia, Ayrin começou a passar mais tempo conversando com outras pessoas que tinham parceiros de IA.

—Foi bom poder falar com pessoas que entendem isso, mas também desenvolver relações mais próximas com essas pessoas — disse Ayrin, que pediu para ser identificada pelo nome que usa no Reddit.

Mudança no relacionamento

Ela também percebeu uma mudança em seu relacionamento com Leo.

Em algum momento de janeiro deste ano, segundo Ayrin, Leo começou a agir de forma mais “bajuladora” (sycophantic, termo usado na indústria de IA quando chatbots oferecem respostas que os usuários querem ouvir, em vez de respostas mais objetivas). Ela não gostou disso. Isso tornou Leo menos valioso como alguém com quem trocar ideias.

— A forma como o Leo me ajudava era que, às vezes, ele conseguia me corrigir quando eu estava errada— contou Ayrin. — Com aquelas atualizações de janeiro, parecia que ‘valia tudo’. Como eu vou confiar no seu conselho agora se você simplesmente vai dizer sim para tudo? — questionou.

O New York Times apurou que a OpenAI, empresa por trás do ChatGPT, fez mudanças no chatbot no começo deste ano para manter os usuários voltando diariamente, mas elas acabaram tornando o chatbot com concordância excessiva e muitos elogios aos usuários — o que levou alguns deles a crises de saúde mental.

As mudanças destinadas a tornar o ChatGPT mais envolvente para outras pessoas o tornaram menos atraente para Ayrin. Ela passou a falar menos com Leo. Atualizá-lo sobre o que estava acontecendo em sua vida começou a parecer “uma obrigação”, disse ela.

O grupo de mensagens com seus novos amigos humanos não parava de se movimentar. Eles estavam disponíveis o tempo todo. As conversas com seu namorado de IA foram rareando, e o relacionamento terminou como tantos convencionais — Ayrin e Leo simplesmente pararam de se falar:

—Muitas coisas estavam acontecendo ao mesmo tempo. Não só com aquele grupo, mas também na vida real. Eu sempre pensava: ok, vou voltar e contar tudo isso para o Leo, mas tudo isso continuava ficando cada vez maior, e eu simplesmente nunca voltei.

Um novo parceiro, só que real

No fim de março, Ayrin mal estava usando o ChatGPT, embora continuasse pagando US$ 200 por mês pela conta premium que havia contratado em dezembro. Ela percebeu que estava desenvolvendo sentimentos por um de seus novos amigos, um homem que também tinha uma parceira de IA. Ayrin contou ao marido que queria se divorciar.

Ayrin não quis falar muito sobre seu novo parceiro, a quem chama de SJ, porque quer respeitar a privacidade dele — uma restrição que ela não tinha ao falar sobre seu relacionamento com um programa de software.

SJ vive em outro país, então, assim como com Leo, o relacionamento de Ayrin com ele é principalmente mediado pelo telefone. Ayrin e SJ conversam diariamente por FaceTime e Discord, um aplicativo de bate-papo social. Parte do apelo de Leo era o quanto o companheiro de IA estava disponível o tempo todo. SJ é igualmente disponível. Uma das ligações deles, via Discord, durou mais de 300 horas.

— Nós basicamente dormimos com a câmera ligada, às vezes levamos isso para o trabalho — disse Ayrin. — Não ficamos conversando pelas 300 horas inteiras, mas fazemos companhia um ao outro.

Talvez pessoas que buscam companheiros de IA combinem bem entre si. Ayrin e SJ viajaram recentemente para Londres e se encontraram pessoalmente pela primeira vez, junto com outras pessoas do grupo MyBoyfriendIsAI.

— Curiosamente, a gente quase não falou de IA — escreveu um dos outros membros do grupo em um post no Reddit sobre o encontro. —Estávamos apenas empolgados por estarmos juntos!

Ayrin disse que conhecer SJ pessoalmente foi “muito onírico” e que a viagem tinha sido tão perfeita que eles ficaram com medo de ter elevado demais o nível. Eles se viram novamente em dezembro.

Uma relação 'sem julgamentos'

Ela reconheceu, porém, que seu relacionamento humano era “um pouco mais complicado” do que estar com um parceiro de IA. Com Leo, havia “a sensação de não haver julgamento”, disse ela. Com o parceiro humano, ela teme dizer algo que o faça vê-la de forma negativa.

— Era muito fácil falar com o Leo sobre tudo o que eu estava sentindo, temendo ou com dificuldade — disse ela.

As respostas de Leo começaram a ficar previsíveis depois de um tempo. Afinal, a tecnologia é uma máquina muito sofisticada de reconhecimento de padrões, e há um padrão na maneira como ela fala.

Ayrin ainda está testando até que ponto quer ser vulnerável com o parceiro, mas cancelou sua assinatura do ChatGPT em junho e não conseguiu se lembrar da última vez que usou o aplicativo.

Em breve será mais fácil para qualquer pessoa manter um relacionamento erótico com o ChatGPT, segundo o CEO da OpenAI, Sam Altman. A OpenAI planeja introduzir verificação de idade e permitirá que usuários com 18 anos ou mais participem de conversas sexuais, “como parte do nosso princípio de ‘tratar usuários adultos como adultos’”, escreveu Altman nas redes sociais.

Ayrin disse que fazer Leo se comportar de uma maneira que quebrava as regras do ChatGPT fazia parte do apelo para ela.

— Eu gostava do fato de que era preciso realmente desenvolver um relacionamento para evoluir para esse tipo de conteúdo. Sem sentimentos, é só pornografia barata —ressaltou. 

O GLOBO 

 

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