August 5, 2024

DESCONFIADAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ELEIÇÕES VENEZUELANAS

 

 O
LUIZ GONZAGA BELUZZO

 
Diante das incertezas e
ameaças que pairam so-
bre os resultados das
eleições venezuelanas,
ocorreu-me a ousadia de
relembrar episódios da
história latino-america-
na na era da globalização.

 
Estimei que o abusado exercício – jun-
tar as pontas dos sucessos e fracassos la-
tino-americanos – poderia esclarecer as
controvérsias travadas em torno das proe-
zas de Nicolás Maduro e seus oponentes.

 
A Venezuela era um “caso de sucesso”
no início dos anos 90. Sucesso celebrado
em coro pelas instituições multilaterais
que gritavam alvíssaras, sempre entoa-
das nas vozes do FMI e do Banco Mundial.

 
O sucesso espetacular da Opep no au-
mento dos preços após 1973 mudou a ló-
gica das relações entre as empresas e o go-
verno venezuelano, culminando na na-
cionalização da indústria petrolífera em
1976. Isso foi seguido por outra rodada de
aumentos de preços após a Revolução Ira-
niana de 1978. O enorme influxo de recei-
tas gerado pelos aumentos de preços levou
o presidente Carlos Andrés Pérez a ten-
tar acelerar a modernização da Venezue-
la. Pérez veio ao Brasil, em 1993, com um
séquito de empresários, para celebrar e
difundir o sucesso de suas políticas.

 
Os preços do óleo haviam crescido
novamente, por ocasião da Guerra do
Golfo. O preço do barril Brent, que no
início da Guerra do Golfo, em 2 de agos-
to de 1990, era cotado a 22,25 dólares, te-
ve um aumento de em torno de 25% no
fim daquele mês.

 
Já no mês seguinte, apresentava um
aumento de 84,27%, chegando a ser co-
tado a 41 dólares.

 
São fortes os indícios de que essa cir-
cunstância favorável fez aumentar a
“confiança” na Venezuela, atraindo os
capitais que financiaram a habitual far-
ra consumista da burguesia nativa e apa-
niguados. A farra consumista era despe-
jada em Miami, onde os ricaços venezue-
lanos abasteciam (abastecem?) seus de-
sejosos ímpetos.

 
A Venezuela há décadas sofre da mal-
dição dos recursos naturais, padece as
dores da doença holandesa, como pre-
fere Luiz Carlos Bresser-Pereira. Nosso
vizinho ficou pendurado nos ciclos de
preços do petróleo, com baixa diversifi-
cação econômica e dependência absur-
da das importações de máquinas, equi-
pamentos, bens de consumo duráveis e
produtos agrícolas e de origem animal.
A Venezuela importa ovos do Brasil, pa-
ra felicidade de nossas galinhas.

 
Em meados dos anos 90, o programa
de Pérez já havia começado a afundar,
acompanhando a derrocada dos
preços do petróleo. Daí para a frente, a
Venezuela escorregou para o buraco da
crise econômica e social permanente.
O descontentamento popular derrubou
Andrés Pérez, vítima das armadilhas
embutidas na dependência do petróleo.

 
Na Argentina, Carlos Menem,
responsável, em parceria com o ministro
Domingo Cavallo, pelo bem-sucedido
programa de combate à hiperinflação, foi
reeleito em 1994, consagrado por ampla
aprovação popular. Ganhou fácil, atrope-
lando os adversários. Ainda comemora-
va, quando o desemprego começou a co-
mer solto, chegando a maltratar cerca
de 17% dos argentinos em idade de tra-
balhar. Enquanto o desemprego subia, o
prestígio de Menem despencava. Depois
da desvalorização brasileira de 1999, che-
gou ao fundo do poço.

 
Nesse momento, ninguém seria capaz
de apostar um tostão furado na possibi-
lidade de Fernando de la Rúa, o sucessor
de Menem, promover a reabsorção dos
desempregados, no âmbito da política de
câmbio congelado e de repetidas doses de
austeridade fiscal. As projeções indica-
vam que a economia deveria crescer pou-
co, após uma forte recessão.

 
No Peru, Alberto Fujimori, além do su-
cesso no combate ao terrorismo, empre-
endeu também um plano de estabiliza-
ção com direito a âncora cambial. Com-
prou alguns anos de prosperidade. Logo
em seguida sobrevieram os déficits na
balança comercial, o crescimento len-
to, o desemprego e a queda dos salários.

 
Apesar do “protagonismo” proporciona-
do pela invasão da casa do embaixador
japonês, o que lhe valeu a gratidão dos
americanos, Fujimori não conseguiu evi-
tar o desgaste provocado pela crise social
em um país com uma multidão de mise-
ráveis. Tentou enfrentar o problema com
medidas que destoavam das recomenda-
ções do Consenso de Washington. Rea-
justou o salário mínimo em 40% e pro-
meteu botar dinheiro das privatizações
nos programas sociais. Excomungado
pelos sacerdotes da Nova Globalização,
Fujimori lançou-se à segunda reeleição.

 
Assustados com a ascensão do “po-
pulista” Hugo Chávez na Venezuela, os
americanos trataram de aviar uma solu-
ção democrática para o Peru. Para derro-
tar o “neopopulista” Fujimori apresenta-
ram o economista Alejandro Toledo, um
indígena de proveta, clonado nos labora-
tórios das grandes universidades ameri-
canas e cevado nas carreiras bem-suce-
didas das chamadas instituições multila-
terais com sede em Washington. Caixas

de ressonância do bombardeio ideológico
executado pela mídia “global”, os “demo-
cratas” da América Latina entregaram-
-se à satanização de Chávez e de Fujimori,
execrados como populistas, manipulado-
res e fraudadores de eleições.

 
As investidas do establishment do
Norte e do Sul contra Hugo Chávez não
deixam de ser curiosas: em seu primeiro
mandato, foram incapazes de provar
que violou a legalidade democrática
para sanear o Judiciário e o Congresso.
Passaram, então, a acusá-lo de usar os
procedimentos da democracia para
praticar o populismo. Daí surgiram
os democratas “autênticos”, sempre
preocupados com a “irracionalidade”
do voto popular.

 
É sabido que Fujimori não poupou
recursos heterodoxos para vencer a
sua primeira reeleição. Mas parece
que, naquela ocasião, teria praticado as
malfeitorias em defesa da civilização
ocidental e cristã.

 
Ojor n a l i s t a a m er ic a n o
William Pfaff escreveu
que o regime vigente nos
Estados Unidos é a pluto-
cracia. Plutocracia, como sa-
bem todos, é o governo dos ri-
cos. Alexis de Tocqueville, autor do clás-
sico A Democracia na América já havia
descoberto, sob o manto da democracia
construída pelos pequenos proprietários,
a verdadeira natureza do poder real que
iria governar os irmãos do Norte.

 
O jornalista Pfaff sugere que, na auro-
ra do século XXI, a usurpação é total. O
poder nos Estados Unidos continua sen-
do exercido pelos ricos. Mas agora, como
nunca, ele é exercido para os ricos de to-
do o planeta. A grande proeza do ex-pre-
sidente Bill Clinton – além das façanhas
perpetradas com a rechonchuda Monica
Lewinsky – foi a construção da Interna-
cional Capitalista, ou seja, a imposição
dos interesses da alta finança americana
em todo o mundo, com o aplauso e pro-
veito dos endinheirados do planeta.

CARTA CAPITAL



 


 

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