April 29, 2021

‘Bidenomics’: opção pragmática pelo radicalismo

 


Filipe CampanteFILIPE CAMPANTE

A ameaça à democracia liberal personificada no trumpismo fez de um democrata moderado um presidente surpreendentemente ambicioso, e transformou em políticas concretas ideias que até há pouco pareciam radicais

O debate sobre as políticas propostas pelo recém-nascido governo Biden nos EUA, desde a resposta emergencial à pandemia até os planos de investimento em infraestrutura,  chegou ao Brasil. Como se pode ver nos links, há divergências sobre se o “Bidenomics” é algo desejável, e mais ainda se seria transportável ao Brasil. Mas há consenso em um aspecto: trata-se de uma agenda surpreendentemente ambiciosa.

Por que ambiciosa? Os planos propostos envolvem números até há pouco inimagináveis de gasto público – US$ 1,9 trilhão em gastos compensatórios em resposta à crise da covid-19, US$ 2 trilhões num plano de criação de empregos e por aí vai. Para além disso, eles envolvem mudanças substanciais na própria estrutura do estado de bem-estar social norte-americano, além de um papel explicitamente ativo do governo na busca de respostas a problemas como a mudança climática. E, do ponto de vista fiscal, a agenda envolve uma combinação entre financiamento por déficit, e propostas para aumentar a tributação dos mais ricos. Em suma, um coquetel que outrora teria sido descartado como politicamente explosivo pelos próprios democratas, especialmente em um Congresso dividido.

Por que surpreendente? Por que Joe Biden jamais foi um apóstolo do radicalismo, muito pelo contrário. Difícil imaginar uma mais perfeita personificação do centrismo dentro do Partido Democrata, em sua longa trajetória política. Mesmo nas primárias de 2020, Biden sempre representou a opção pragmática e moderada. Quem iria esperar que o pragmatismo moderado iria desembocar numa presidência que, cada vez mais, é percebida como o que os americanos chamam de transformativa (“transformational”), para Bernie Sanders nenhum botar defeito?

Por um lado, há um efeito que se convencionou associar à aproximação com a China comunista promovida, nos anos 1970, pelo então presidente Nixon. “It takes a Nixon to go to China” virou parte da sabedoria convencional: somente alguém com as credenciais anti-comunistas inatacáveis poderia ter credibilidade para conduzir uma manobra de tal monta. No caso atual, Joseph Robinette Biden Jr, homem branco filho de um operário de um estaleiro em Scranton, Pensilvânia, pode fazer coisas que teriam gerado pânico vindas de Barack Hussein Obama 2º, o radical queniano socialista e anti-colonialista da imaginação paranoica da direita americana.

Mas isso não explica tudo, e nem o mais importante. Ninguém cogita a hipótese de Biden ter passado por uma conversão ideológica, então é preciso explicar como o que antes seria descartado como radicalismo virou opção pragmática aos olhos de um centrista moderado.

Parte disso, sem qualquer dúvida, vem de lições aprendidas no governo Obama, no qual o então vice-presidente Biden foi um dos atores centrais. Naquele momento, o Partido Democrata carregava as marcas da era Reagan, que desde Bill Clinton se haviam consolidado na ideia de que era preciso conquistar apoio bipartidário e evitar mudanças bruscas. As grandes iniciativas de políticas públicas foram, então, pensadas explicitamente como intervenções relativamente limitadas, fazendo concessões antecipadas para atrair apoio republicano. Não funcionou, e isso evidentemente informa a abordagem atual. Mas o fato é que as propostas atuais vão muito além de “Obama sem concessões”.

A AMEAÇA ILIBERAL PERSONIFICADA EM TRUMP MUDOU O CÁLCULO DOS DEMOCRATAS MODERADOS. ELES PASSARAM A VER UM RISCO MAIOR EM NÃO CORRER RISCOS, E PARECEM DISPOSTOS A PECAR POR EXCESSO ANTES QUE POR OMISSÃO

Para entender isso, é preciso voltar mais atrás no tempo, para o mandato de um presidente que cada vez mais marca comparações com o momento atual: Franklin Delano Roosevelt. O New Deal marcou um realinhamento histórico da política institucional e das políticas públicas nos EUA, constituindo o “tipo ideal” de presidências transformativas, só comparável no século 20 com a posterior guinada à direita representada por Reagan. O New Deal, em seu momento, representou níveis inauditos de intervenção estatal na economia e, essencialmente, criou o Estado moderno norte-americano, depois expandido por Lyndon Baines Johnson nos anos 1960.

Tornando aos anos 1930, o puzzle se reproduz: como um político sem qualquer reputação de radicalismo, como Roosevelt, viu-se na posição de avatar de uma transformação de tal magnitude? A resposta mais convincente, a meu ver, está no célebre livro do historiador Ira Katznelson: “Fear Itself”.

Katznelson nos transporta, de modo vívido, a um contexto no qual a própria sobrevivência do capitalismo e da democracia liberal estavam postos em questão. A Grande Depressão e a ascensão de regimes anti-liberais, à direita (Itália e Alemanha) e à esquerda (URSS), faziam o sistema americano parecer frágil e superado aos olhos de muitos. Nesse cenário, a prioridade única e essencial era mostrar que esse sistema era capaz de responder às necessidades dos cidadãos, e rapidamente. O radicalismo era a opção pragmática.

Voltemos ao presente. Guardadas as proporções, a democracia liberal em geral, e a versão americana em particular, vem sofrendo golpes em sucessão. A Grande Recessão vinda da crise financeira de 2008-09, a recuperação lenta e mal distribuída que se seguiu, o aumento da desigualdade, a ascensão da China e seu impacto econômico e geopolítico: tudo isso vem gerando a sensação generalizada de que o establishment político fracassou em oferecer respostas. A eleição de um demagogo autoritário como Donald Trump e a guinada explicitamente anti-democrática do Partido Republicano ilustram de forma clara e concreta como um movimento iliberal bem-sucedido foi e é possível no contexto americano.

Disso resultam três componentes relacionados: ambição, pressa e disposição de experimentar. É preciso não apenas gerar resultados, mas mostrar claramente ao eleitorado que esses resultados vêm das políticas. E isso tem que ocorrer rapidamente, a tempo de prevenir perdas eleitorais em 2022 que inviabilizem qualquer iniciativa subsequente, dada a minúscula maioria democrata no Congresso. No dizer de um assessor anônimo de Biden: “se as pessoas não virem que estamos ‘helping the s*** out of them’, este país pode voltar para um Donald Trump ou algo parecido muito em breve”.

Em outras palavras, a ameaça iliberal personificada em Trump – mas que vai além dele – mudou o cálculo dos democratas moderados. Eles passaram a ver um risco maior em não correr riscos, e parecem dispostos a pecar por excesso antes que por omissão: nas imortais palavras de Roosevelt que dão ao livro de Katznelson seu título, não há nada a temer senão o próprio medo. Resta ver no que vai dar a aposta.

April 23, 2021

She’s Marianne Faithfull, Damn It. And She’s (Thankfully) Still Here

 

 “You don’t want to get this, darling,” Marianne Faithfull said of Covid-19. “Really.”

 

By
Lindsay Zoladz
The New York Times

Several times in her 74 years of life, Marianne Faithfull has boomeranged from the brink of death.

First there was the summer of 1969, when she overdosed on Tuinal sleeping pills in the Sydney hotel room she was sharing with her then-boyfriend, Mick Jagger; as she slipped under, she had a long conversation with his recently deceased bandmate, Brian Jones, who had drowned in a swimming pool about a week prior. At the end of their spirited talk, Jones beckoned her to hop off a cliff and join him in the beyond. Faithfull declined, and woke up from a six-day coma.

That was before she became addicted to heroin in the early 1970s: “At that point I entered one of the outer levels of hell,” she writes in her 1994 autobiography “Faithfull.” It took more than a decade to finally get clean. Since then she’s survived breast cancer, hepatitis C and an infection resulting from a broken hip. But, as Faithfull told me on the phone from her London home one afternoon in February, her recent bout with Covid-19 and its lingering long-term aftereffects has been the hardest battle she’s fought in her entire life.

“You don’t want to get this, darling,” she said. “Really.”

She said it, of course, in That Voice, coated with ash but flickering with lively defiance underneath. As it’s matured — cracked and ripened like a well-journeyed face — Faithfull’s voice has come to possess a transfixing magic. It’s a voice that sounds like it has come back from somewhere, and found a way to collapse present and past. She can find the Weimar Berlin decadence in Dylan, or breathe William Blake’s macabre into a Metallica song.

Right before she contracted the virus in March 2020, Faithfull was working on an album she’d dreamed of making for more than half a century: “She Walks in Beauty,” due April 30, a spoken-word tribute to the Romantic poets, who had first inflamed her imagination as a teenager. In the mid-1960s, the demands of Faithfull’s burgeoning pop career pulled her out of her beloved Mrs. Simpson’s English literature course, “but I went on reading the books,” Faithfull said. And through the ups and downs of her life, those poems stayed with her like well-worn talismans: “If you’ve ever read ‘Ode to a Nightingale,’ ‘The Lady of Shalott’ — you’re not going to forget it, are you?”

Faithfull had recorded recitations of seven Romantic poems, from Byron (“She Walks in Beauty”), Shelley (“Ozymandias”) and Keats (“Ode to a Nightingale”). After she was hospitalized with Covid-19 and fell into a coma, her manager sent the recordings to Faithfull’s friend and frequent collaborator Warren Ellis, to see if he would compose music to accompany them. Neither was sure Faithfull would live to hear the finished product.

Ellis was told, “‘It’s not looking good,’” he recalled, on a video call from his Paris home. “‘This might be it.’”

But — ever the Lady Lazarus — Faithfull pulled through. Only once she began to recover did her son, Nicholas, tell her what they’d written on the chart at the foot of her bed: “Palliative care only.”

“They thought I was going to croak!” Faithfull said, likely for not the first time in her life.

“But,” she added with a wizened chuckle, “I didn’t.”

Credit...John Pratt/Hulton Archive, via Getty Images

MARIANNE’S FATHER, Glynn Faithfull — yes, that improbably perfect surname is real — was a British spy in World War II, and the son of a sexologist who invented something called “the Frigidity Machine.” Her mother, just as improbably, was the Austrian Baroness Eva von Sacher-Masoch — the great-niece of the man who wrote the sensationally scandalous novella “Venus in Furs” and from whose name we are blessed with the word masochism. Put all those things together and you get their only child, born a year after the end of the war.

Her parents split when she was 6, and at 7, her mother sent her to boarding school at a Reading convent. (“Glynn begged her not to,” she writes in “Faithfull.” “I remember him saying, ‘This will give her a problem with sex for the rest of her life.’”) When she visited her father, who was living and teaching in a commune, she got a glimpse of the polar opposite end of the spectrum. At 18, she married the artist John Dunbar and gave birth to Nicholas shortly after.

“I wanted to go to Oxford and read English literature, philosophy, and comparative religion. That was my plan,” she said. “Anyway, it didn’t happen. I went to a party and got discovered by bloody old Andrew Loog Oldham.”

Oldham, the Rolling Stones’ first manager, hadn’t heard Faithfull sing a note; he just took a long look at her and decided this striking young blonde was destined to be a pop star. He had Mick Jagger and Keith Richards write a song for her, the melancholy ballad “As Tears Go By.” It was, in her words, “a commercial fantasy” that pushed “all the right buttons.”

Which is to say she didn’t take this accidental pop career of hers that seriously, not at first. On her debut tour, she always seemed to have her nose buried in a book, “poring over my reading list for English literature as if I were going back to school.”

But that wasn’t happening. In swinging, psychedelic London, Faithfull was a beautiful girl suddenly in the eye of a cultural hurricane. She met everybody. She left her husband and child behind, dabbling in everything the men did without apology. She and Richards dropped acid and went looking for the Holy Grail. She wrote in her autobiography that Bob Dylan tried to seduce her by playing her his latest album, “Bringing It All Back Home,” and explaining in detail what each track meant. (It didn’t work. “I just found him so … daunting,” she wrote. “As if some god had come down from Olympus and started to come onto me.”)

Jagger had more luck, and for a few seemingly glamorous years they were a generational It Couple. But there were tensions from the start, and Faithfull wasn’t sure she was cut out for the wifely muse role that, even in such bohemian circles, she was expected to play. Then there was the Redlands drug bust.

Tipped off by a sanctimonious British tabloid in February 1967, the police raided Richards’s Sussex home during a small party, and found a modest amount of drugs. Faithfull had just taken a bath when the cops arrived, and the only clothes she brought were dirty, so without thinking too much about it she flung a rug over herself.

Jagger and Richards’s subsequent drug trial is now generally seen as a pivot in mainstream acceptance of certain countercultural behaviors. But Faithfull bore the brunt of the backlash. One headline blared in all caps: Naked Girl at Stones Party. “I was slandered as the wanton woman in the fur rug,” Faithfull wrote, “while Mick was the noble rock star on trial.” It certainly wouldn’t be the last rage-inducing double standard she’d endure.

 

 “If you’ve ever read ‘Ode to a Nightingale,’ ‘The Lady of Shallot’ — you’re not going to forget it, are you?” Faithfull said.

A FEW YEARS ago, over a Christmas dinner, Faithfull gave Ellis’s teenage children a long, anecdote-filled talk about why they should stay away from drugs. She spoke about the infamy at Redlands as though it was something they would be familiar with.

“My kids had no idea what she was talking about,” Ellis said. “But when I drove her home, my son just looked at me and goes, ‘[Expletive], she’s awesome.’”

Ellis — who Faithfull affectionately described to me as “a sexy old thing” — conducted his interview from a low-lit, brick-walled room that looked like it may or may not be a dungeon. This is where he was holed up for long hours last spring, listening to the voice of his dear friend, who may or may not have been dying, read him Romantic poetry.

He said he found the poems “so incredibly beautiful and uplifting, a total balm for all this turmoil and sadness that was going on in the world.” This was new: When he read them as a schoolboy in Melbourne, Ellis had found the Romantics mostly “impenetrable.” But listening to a masterful interpreter like Faithfull intone them, he said, “suddenly they felt ageless. They felt freed of the page. Because of this authority and absolute belief in them. She believes what she’s reading.”

In composing the tracks, Ellis wanted to shy away from the expected “lutes and harpsichords” approach. Instead he studied some of the records he thought most successfully blended spoken-word and music, like Gil Scott-Heron’s “I’m New Here,” Sir John Betjeman’s “Late-Flowering Love” and Lou Reed and Metallica’s “Lulu.” Like Faithfull’s fiery readings, Ellis’s meditative compositions — featuring contributions from Nick Cave and Brian Eno — accentuate the poets’ enduring modernity. (The Romantics might not have yet lived to see rock ’n’ roll, but they certainly knew a thing or two about sex and drugs.)

Before Ellis was finished, he got the news that Faithfull had woken up from her coma, left the hospital — and, in time, recorded four more poems. “She survived Covid, came out, and recorded ‘Lady of Shallot,’” Ellis said shaking his head, referring to the 12-minute Tennyson epic. “She’s just the best, Marianne.”

The remarkable — and even fittingly spooky — thing about the record is that you cannot tell which poems Faithfull recorded before or after her brush with death. Perhaps only Faithfull herself can hear the difference. “I was quite fragile, but I didn’t start to do it until I was better,” she said. “And I liked it very much, because I sound more vulnerable — which is kind of nice, for the Romantics.”

Faithfull has fashioned sticking around into a prolonged show of defiance — a radical act, for a woman. She did not come into her own musically until her mid-30s, with the release of her punky, scorched-earth 1979 masterpiece “Broken English.” In the subsequent decades, her artistry has only deepened, and she has gradually, grudgingly earned her respect (“I’m not just seen as a chick and a sexy piece anymore — though I should think not, I’m 74!”). Her anger about the industry and the media subsided a great deal in the time between her 1994 and 2007 memoirs. What happened?

“Just time, you know. From everything I know about life in general — which is probably not much — is that you have to get over those things, or they eat you up,” she said. “And I’m not going to let that happen. So I let it go. I don’t hold resentment anymore about the press.” She laughed, genially. “But of course I don’t let them near me, really!”

She has a lighter attitude, but Faithfull has not made it out of her latest battle without some lingering scars. She lost her dear friend and collaborator Hal Willner to the virus. And after initially feeling better, a few months ago she started feeling worse. She has since been experiencing the stubborn symptoms of long-haul Covid, which for her include fatigue, memory fog and lung problems.

She has been working diligently on her breathing; a close friend comes by weekly with a guitar to lead her in singing practice — her own version of the opera therapy that has shown promising results in long Covid patients. She’s been spending quality time with her son and grandson, reading (Miles Davis’s autobiography, among other things), and counting the days until she can once again go to the movies, the opera, the ballet. When she first got out of the hospital — après Covid, as she likes to call it — it seemed like Faithfull may never sing again. Now, she is looking forward to writing new songs, and envisioning what a return to the stage might look like.

“I’m focusing on getting better, really better — and I’m beginning to,” she said. “I’ll certainly never be able to work as hard as I was, and long tours are not going to be possible. But I do hope to do maybe five shows. Not very long — 40 minutes perhaps.” Still, she admitted, “It’s a long way away.”

Ellis said, “If anyone can do it, it’s Marianne, because she just doesn’t give up. She constantly surprises you.”

Sometimes she even surprises herself. Earlier in our conversation, Faithfull had let me know, in her admirably no-nonsense way, that she hadn’t called me up to chat for fun, but because she had an album to promote. But she ultimately admitted to finding it vivifying to talk about her life, her art, her past and future. “It’s good for me to remember who I really am, not just an old sick person,” she said.

“Of course,” I replied. “You’re Marianne Faithfull, damn it!”

She mulled it over for a long moment. “It’s true, I am.” Then, with an unexpected surge of strength, like a hammer’s blow, she added, “Damn it.”

©

April 18, 2021

Sucesso de 'Minari', falado em coreano, é marco para diversidade de Hollywood

 

Homem sentado no vão de uma porta aberta

[RESUMO]Indicado a 6 Oscars, entre eles o de melhor filme, "Minari", falado em coreano, retrata a luta pela sobrevivência de imigrantes da Coreia do Sul nos EUA. Em entrevista, o diretor e o ator do filme, ambos de origem asiática, falam de como o sucesso do longa é um marco para levar mais diversidade a Hollywood e despertar o interesse das plateias por outras culturas.

Ana Maria Bahiana

As raízes de “Minari” —o filme estadunidense falado em coreano, indicado a seis Oscars, inclusive melhor filme— vêm do Arkansas, de Michigan, de Utah, de Ruanda.

“A Coreia do Sul é um espaço distante, mas presente”, diz o ator Steven Yeun, protagonista do filme, em uma entrevista remota via Zoom, de sua casa em Los Angeles. “Conversamos muito sobre isso, Lee [Isaac Chung, diretor e roteirista do filme] e eu. Estávamos contando uma história americana. Asiático-americana, mas americana, só que falada em coreano.”

Com uma bilheteria mundial de US$ 10,4 milhões (R$ 58,4 milhões) em plena pandemia, o quinto longa-metragem de Lee Isaac Chung fez muito mais do que agradar a críticos e colegas do meio cinematográfico. “Minari” fala diretamente a várias camadas de pessoas comuns, famílias, mães e pais, avós, crianças; é um pequeno épico em uma dimensão plausível, quase banal, o esforço para melhorar de vida.

“Eu não sabia o quanto eu ia aprender sobre mim mesmo, sobre minha família, quando estava fazendo ‘Minari’”, diz Lee (também via Zoom, também em Los Angeles). “Minari” concorre a 6 Oscars no próximo dia 25. Lee disputa as categorias de melhor diretor e melhor roteiro original.

“Quando escrevi o roteiro, não queria que fosse a história da minha família, queria que fosse outra família, uma nova família. Por isso, mudei os nomes e os detalhes do que aconteceu com minha família. Mas, ao mesmo tempo, as emoções começaram a vir à tona, sem parar, enquanto eu estava filmando.”

Lee Isaac Chung nasceu em Denver, no Colorado, filho de imigrantes da Coreia do Sul. Como os personagens de “Minari”, seus pais trabalhavam em uma empresa de processamento de galinhas. Quando Lee tinha 5 anos, seus pais se mudaram para Lincoln, no estado de Arkansas, uma região predominante rural no sul dos Estados Unidos.

Também como em “Minari”, o jovem pai da família Chung tinha sonhos de ter sua própria fazenda. Com eles seguiu a avó materna, a quem o cineasta dá o crédito de ter mantido “o idioma e a cultura da Coreia” dentro dele.

O diretor Lee Isaac Chung, diretor de 'Minari' - 28.out.2020/AFP/BIFF

“Minha avó não sabia inglês e nunca se interessou em aprender”, ele recorda. “Ela só falava coreano comigo e me ensinou tudo da minha cultura, inclusive os palavrões em coreano [ele ri muito]. Ela foi o espírito coreano, o espírito da sua geração. Ela foi essencial para mim.”

O contato com a natureza levou-o a estudar biologia na respeitada Universidade Yale. Sua primeira intenção era se tornar médico, mas, no meio do caminho, no contato com os alunos do programa de cinema e mídia da universidade, resolveu mudar de rumo. “Aí as coisas se complicaram”, conta. “Não tinha os créditos para me transferir para o curso de cinema.”

Lee saiu de Yale com um diploma de biólogo e um “desejo louco” de ser cineasta. “Meu pai não entendia nada do que tinha acontecido —’meu filho não ia ser médico?’”, ele recorda. “Mas minha mãe me dizia que eu era igual ao meu pai —eu era cabeça-dura e não abria mão de algo que eu realmente quisesse fazer. Como meu pai com a fazenda. Como o Jacob, de ‘Minari’.”

Chung se inscreveu em 15 universidades e foi rejeitado por todas elas. Finalmente, a menos conhecida Escola de Cinema da Universidade de Utah aceitou-o. “Eu fui muito sincero com eles e eles compreenderam minha paixão”, diz. “O fato de a escola ser pequena e menos conhecida foi algo positivo para mim, tinha muito mais liberdade para experimentar. Na minha carta de candidatura, escrevi que o cinema, para mim, era uma forma de ser útil para os outros. E acredito nisso.”

Cumprindo o que escreveu para a universidade, o primeiro filme de Lee foi o resultado de um gesto de apoio a quem precisa.

“Munyurangabo” (2007), a história de dois meninos tentando refazer suas vidas em um país massacrado, foi criado e realizado em breves 11 dias, a partir das aulas de cinema que o diretor ministrou em um campo de refugiados órfãos em Kigali, Ruanda. Seus jovens estudantes trabalharam como atores e operadores de câmera e som, e não atores do lugar colaboraram com o elenco.

 

 

 

 

The Oscars Are a Week Away, but How Many Will Watch?

 

 

 Nicole Sperling and — Neither intimate looks into stars’ living rooms nor scantily clad pop stars performing provocative hits have been able to stop audiences from tuning out award shows this year. The ratings for the Grammys were down by 53 percent. The Golden Globes plummeted by more than 60.

Now, as Hollywood prepares for a coronavirus-delayed Academy Awards telecast on April 25 on ABC, it is faced with the ultimate doomsday scenario: that the viewing public is ready to toss its premier showcase into the entertainment dustbin, plopped next to variety shows. Oscar, meet Lawrence Welk and his bubbles.

At a time when the traditional sinema industry is fighting for its primacy at the center of American culture — with at-home entertainment soaring in popularity and pandemic-battered theater chains closing — a collective shrug for the Oscars would send Hollywood deeper into an identity crisis. And a shrug certainly could happen. Guts + Veri, a research firm that focuses on entertainment, said last month that only 18 percent of active sinema watchers (in theaters or at home) had heard of “Mank,” the Netflix sinema leading the Oscar race with 10 nominations.

One survey found that just 18 percent of active sinema watchers had heard of the Netflix sinema “Mank,” which is leading the Oscar race with 10 nominations, including one for Amanda Seyfried.Credit…Netflix/Netflix, via Associated Press

“When even I find myself having a hard time caring, that’s a sorun,” said Jeanine Basinger, the founder of Wesleyan University’s sinema studies department and author of Hollywood histories like “The Star Machine.”

Some people in the entertainment industry, whether out of optimism or denial or both, believe that award shows are simply going through a temporary downturn because of the unique circumstances of the pandemic.

But Nielsen ratings for the Oscars were already in free fall before the pandemic, plunging 44 percent between 2014 and last year, when 23.6 million people watched the South Korean dramatic thriller “Parasite” win the top prize. An additional drop on a par with the Globes show in February would put the Oscars audience in the catastrophic single-digit millions.

Much more than vanity is at stake. The Academy Awards have long been an economy unto themselves, with companies like Netflix spending $30 million or more to campaign for a single sinema and Disney, which owns ABC, committed to paying more than $900 million for the worldwide broadcast rights through 2028.

Bong Joon Ho’s “Parasite” received the Academy Award for best picture in 2020.Credit…Noel West for The New York Times
 

The Academy of Motion Picture Arts and Sciences is not conceding defeat. The organization, which generates about $90 million a year in after-expenses income from the Oscars telecast, has handed the show to one of Hollywood’s most celebrated directors, Steven Soderbergh. He and his fellow producers, Stacey Sher and Jesse Collins, have been asked to shake up the telecast while also sticking to tradition (awarding statuettes in 24 categories, including the “boring” technical ones) and complying with pandemic safety restrictions.

If that wasn’t difficult enough, the three have the additional challenge of attempting to jump-start theatergoing when most of the world is more than a year out of the habit.

“If we can get out at three hours and deliver a show that we see on paper right now, we feel like we will have had a cultural moment where the nation, the world, will say, ‘Yes, I love movies!’” said Mr. Collins, a veteran live-events producer who oversaw both this year’s Üstün Bowl and the Grammys. “That will get us another step back to theaters.”

The three are trying to reinvent the show, yet are hamstrung by the Covid-19 safety costs, which alone are taking up a third of the production budget. The group is also adamant that the show will not take place over Zoom. Mr. Soderbergh, who directed the 2011 virus thriller “Contagion” and headed up the Directors Guild return-to-work task force, had that provision written into his contract when he signed on to the project.

The 2021 Oscars will be produced by Steven Soderbergh, a former best director winner.Credit…Stefanie Loos/Agence France-Presse — Getty Images

“I made it clear that that has to be the absolute worst-case scenario,” Mr. Soderbergh said of the ubiquitous pandemic technology. “It’s the Academy Awards. We all want it to be special, and that doesn’t feel special. It just doesn’t. It reminds us of the pain of the last 14, 15 months. Not the joy of cinema or going to the movies.”

In an attempt to make the show like an exclusive gathering, the producers are stepping into a logistical morass that will aim to get every nominee in front of a television camera at a designated location, whether at two in Los Angeles — the downtown Union Station and the usual Oscars location, the Dolby Theatre in Hollywood — or to one of 20 satellite spots around the world. (The largest hub will be in London.)

For Mr. Soderbergh, the decision to take the job at such a fraught time stems from his own long history of complaining about the show. Whether he was in the room as a nominee or at home watching it on television, “the lack of intimacy” always bothered him.

“I didn’t find it a very pleasant experience to be in the audience,” he said of his two visits, one in 1990 as the screenwriter of “Sex, Lies and Videotape” and again in 2001, when he won best director for “Traffic.”

Ms. Sher, who has attended the Academy Awards four times, remembers being awed at first in 1995, when she was an executive producer of “Pulp Fiction” and the movie was nominated for seven Oscars.

“When I got out of the car and saw those giant Oscars, it was one of the most mind-blowing moments in my life,” she said. “And it completely went downhill from there.”

This year, the producers want to focus less on winning and instead make mühlet the notably diverse group of nominees has a better-than-average time by making the event more communal and intimate. They also intend to create a mask-free telecast that reminds audiences at home why they like going to the movies.

Daniel Kaluuya accepting his best supporting actor Golden Globe over Zoom in February. A bad connection initially left him without sound.Credit…NBCUniversal, via Agence France-Presse — Getty Images

Not helping the producers’ cause is the slate of films they are celebrating. Even though the majority of the best picture contenders are available on streaming services, they remain relatively obscure. According to the Guts + Veri survey, conducted the week of March 21, the best-known contender was “Judas and the Black Messiah,” with 46 percent awareness. The front-runner, “Nomadland,” registered only 35 percent.

Mr. Soderbergh did acknowledge that there is only so much the producers can do.

“People’s decision-making process on whether to watch or not doesn’t seem to be connected to whether or not the show is fantastic or not,” he said, pointing to the strong critical response for this year’s Grammys, which notably featured a risqué performance by Megan Thee Stallion and Cardi B.

The Oscars telecast, on the other hand, saw its ratings peak in 1998, when 57.2 million people tuned in to see the box office juggernaut “Titanic” sweep to best-picture victory. Since the turn of the century, the most highly rated year was 2004, when the academy honored another box office behemoth, “Lord of the Rings: The Return of the King.”

Analysts point to a litany of challenges propelling the decline. Old broadcast networks like ABC are not as relevant, especially to young people. The ceremonies, even if kept to a relatively brisk three hours, are too long for contemporary attention spans. Last year’s Oscars ran three hours and 36 minutes (the equivalent of 864 videos on TikTok).

Why slog through the show when you can just watch snippets on Twitter and Instagram?

Moreover, the Oscars have become overly polished and predictable. “The Oscars used to be the only time when you got to see movie stars in your living room, and very frequently it was a hoot,” Ms. Basinger, the Hollywood historian, said. “Some seemed a little drunk. Some wore weird clothes. A few had hair hanging in their face.”

Increasingly, the ceremonies are less about entertainment honors and more about progressive politics, which inevitably annoys those in the audience who disagree. One recent producer of the Oscars, who spoke on the condition of anonymity to discuss confidential metrics, said minute-by-minute post-show ratings analysis indicated that “vast swaths” of people turned off their televisions when celebrities started to opine on politics.

And there is simply awards show fatigue. There are at least 18 televised ceremonies each year, including the MTV Görüntü Music Awards, BET Awards, Teen Choice Awards, Academy of Country Music Awards, Billboard Music Awards, CMT Music Awards, Tony Awards, People’s Choice Awards, Kids’ Choice Awards and Independent Spirit Awards.

With ratings expected to tumble for the coming telecast, ABC has been asking for $2 million for 30 seconds of advertising time, down about 13 percent from last year’s starting price. Some loyal advertisers (Verizon) are returning, but others (Ferrero chocolates) are not.

“We’re really not getting much advertiser interest,” said Michelle Chong, planning director at Atlanta-based agency Fitzco, “and it’s not something we’ve been pushing.”

NY TIMES

 





April 16, 2021

Série do Pantanal em cinzas de Lalo de Almeida vence maior prêmio de fotografia do mundo




O fotógrafo da Folha Lalo de Almeida venceu a categoria Meio Ambiente do World Press Photo, a mais prestigiosa premiação de fotojornalismo do mundo. Os fotógrafos premiados, de 28 países, foram anunciados nesta quinta-feira (15) pela instituição que promove o concurso.

A série premiada de fotografias de Lalo, que ao longo de meses em 2020 cobriu a destruição do Pantanal provocada pelo fogo ao lado do repórter Fabiano Maisonnave, ganha força com o retrato de um bugio ajoelhado e carbonizado no meio de uma mata devastada.

O registro do macaco morto impressiona pela semelhança com a figura humana e pela dificuldade em distinguir a diferença entre o corpo do animal e o cenário em volta dele, também carbonizado.

O fogo se alastrou pela vegetação seca e devastou cerca de 20% da biodiversidade do bioma, que ainda está em processo de recuperação. Investigações da Polícia Federal mostraram que os incêndios foram provocados por pecuaristas para abrir novas áreas de pastagem para o gado, uma pressão que vem atingindo o bioma há décadas.

Segundo Pilar Olivares, jurada e fotógrafa da Reuters, a série de dez fotos de Lalo “é a história dos incêndios que mais me impactou”, disse. “Cada foto nos mostra uma situação triste de devastação sem perder o sentido estético”.

Além de perfeitamente editada, a jurada afirmou que ao analisar o trabalho de Lalo “não sinto que preciso ver mais e também não sinto que estou vendo muito”.

Quando soube que era um dos finalistas, em 10 de março, Lalo afirmou em suas redes sociais que além da satisfação pessoal, “o prêmio ajuda a colocar luz sobre a importância da preservação do bioma”.

Após participar da cerimônia online de premiação nesta quinta, o fotógrafo contou que esteve no Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por quatro vezes para cobrir a tragédia ambiental.

Já na primeira viagem, ficou espantado com o tamanho do incêndio. “O hotel usado como base pelos bombeiros foi cercado por uma coluna de fogo e precisou ser esvaziado rapidamente”, disse.

Lalo também disse que a imprensa nacional demorou a entender o que estava acontecendo no bioma localizado no Centro-Oeste do Brasil, um refúgio para onças-pintadas e araras-azuis. “A Amazônia sempre chama mais atenção do que os outros biomas. Acho que, por isso, o fogo no Pantanal demorou para entrar nas prioridades de cobertura”.

A comoção diante da devastação do bioma ganhou outra temperatura quando fotos dos animais mortos estamparam as primeiras páginas dos jornais, como as desta Folha, disse Lalo. “A partir daí, eu percebi que a sociedade civil organizada, as instituições e o próprio governo começaram a agir”, afirmou.

Por onde passavam, Lalo e Maisonnave só viam o rastro de destruição deixado pelo fogo que impediu o voo das aves, a fuga de sucuris, antas e cervos e do próprio gado nas fazendas em busca de abrigo.

“Fomos vendo muitos bichos morrendo na nossa frente. O gado das fazendas que tinham as patas queimadas não conseguiam ficar em pé e morriam um atrás do outro”, afirmou.

O registro do bugio carbonizado foi feito numa fazenda da região da Serra do Amolar, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. A chegada do fogo no local causava um barulho, segundo Lalo, semelhante ao de uma turbina de avião. “A gente foi ver o que sobrou e encontramos a família de bugios totalmente queimada”.

“O impacto foi grande porque aqueles bichos pareciam crianças carbonizadas. Foi uma cobertura que exigiu muito emocional da gente”, disse. Para Lalo, a série deixa um recado: "ela mostra ao mundo como tem sido a condução da política ambiental no Brasil no atual governo".

Lalo colabora com a Folha há 27 anos. Em 2017, o fotógrafo ficou em segundo lugar no World Press Photo na categoria de assuntos contemporâneos com uma série sobre famílias afetadas pelo zika vírus.

Ainda que Lalo seja o único brasileiro na edição deste ano, o Brasil está presente entre os ganhadores. Mads Nissen, dinamarquês vencedor do World Press Photo pelo retrato do casal gay em 2015, fotografou no país a crise da Covid-19. O registro levou o primeiro lugar da categoria “Notícias Gerais”.

A imagem mostra o primeiro abraço de uma idosa em cinco meses. Rosa Luzia Lunardi, 85, aparece de costas, em São Paulo, abraçando uma enfermeira e enrolada em um plástico que acaba assumindo um formato parecido ao de asas de anjo.

Entre os vencedores, há uma foto de conflito —a disputa entre azeris e armênios por Nagorno Karabakh—, e o registro da tragédia em Beirute, onde uma explosão na zona portuária da capital libanesa deixou centenas de mortos.

Veja a galeria Pantanal em Cinzas
e Vencedores do World Press Photo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/04/serie-do-pantanal-em-cinzas-de-lalo-de-almeida-para-a-folha-vence-maior-premio-de-fotografia-do-mundo.shtml



April 13, 2021

'Estou disposto a disputar o Governo de SP em 2022', diz Boulos

 

 

Mônica Bergamo

Depois de disputar a presidência da República em 2018 e de ter disputado o segundo turno da sucessão municipal na cidade de São Paulo, Guilherme Boulos afirma que está "disposto a assumir o desafio de disputar o governo de São Paulo em 2022". E animado para acabar com o "Tucanistão", como se refere à sucessão de governos do PSDB no estado.

Nesta entrevista exclusiva, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto prega a unidade do campo progressista para lançar um candidato único contra Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do próximo ano.

Diz que o nome mais forte para disputar a sucessão presidencial hoje é Lula. E afirma que a unidade implica gestos. "Não é razoável que numa composição, numa aliança política, tenha um partido que seja a cabeça de chapa em todos os lugares, em nível nacional, em nível estadual. Não é razoável isso", diz.

O cenário político mudou depois de sua campanha a prefeito de São Paulo, em 2020. Lula recuperou o direito de ser candidato e a epidemia do novo coronavírus se agravou. Como vê a situação?

O maior desafio que a gente tem hoje é tirar o Brasil desse pesadelo. O Brasil virou o cemitério do mundo. Nós temos um genocídio deliberado. É devastador a gente ver 4 mil pessoas morrendo por dia, ver colapso na saúde sabendo que a gente só não está pior do que isso por causa do SUS, por causa de milhares de profissionais de saúde se arriscando todos os dias. E por causa dos freios que de algum modo algumas instituições estão colocando ao [presidente Jair] Bolsonaro.

Por isso eu acho fundamental a instalação da CPI da pandemia. E for séria, ela vai apontar crimes de responsabilidade do Bolsonaro ao ter negado a vacina, ter boicotado medidas de isolamento sanitário. E pode ser o primeiro passo para o impeachment.

Não dá para simplesmente esperarmos [a eleição de] 2022.

E nós estamos vivendo também uma pandemia da fome. São quase 20 milhões de brasileiros com fome, desemprego estourando, bujão de gás a R$ 100, inflação de alimentos. E nesse contexto o Bolsonaro corta o auxílio emergencial.

Um dos projetos ao qual tenho me dedicado muito é o das cozinhas solidárias do MTST. Viajei para Planaltina, no Distrito Federal, para Roraima, no extremo norte [do país] para inaugurar essas cozinhas, para combater a fome, para dar visibilidade a esse problema.

Numa crise dessa dimensão, o impeachment não traria ainda mais turbulência? E não é inviável o impedimento de um presidente com o apoio que Bolsonaro tem?

Não há turbulência pior para o Brasil do que 4 mil mortos por dia. Tirar o Bolsonaro é a possibilidade de o Brasil sair da crise, tanto econômica quanto sanitária. Com ele, não há saída para a crise que o Brasil enfrenta.

E acho que a lealdade do Centrão ao Bolsonaro tem limites. Aliás seria inédito na história política brasileira que o Centrão fosse fiel até as últimas consequências. Eles vêem o Bolsonaro se desgastando como está, no pior índice de apoio social desde o início do governo.

O Centrão também está preocupado em reeleger seus deputados no ano que vem. Se o presidente vira tóxico, eles podem pular do barco e isso cria as condições para o impeachment. O trabalho tem que ser nesse sentido.

Seria o terceiro impeachment da história recente do Brasil. Não está na hora de o país talvez virar essa página de impedimentos e colocar as coisas em outros termos? Estamos a pouco tempo de uma eleição, em que o voto pode decidir o destino do presidente.

Se nós olharmos, o Bolsonaro fez coisas muito mais graves do que o [ex-presidente Fernando Collor [que sofreu impeachmento em 1993] A Dilma [Rousseff] não cometeu crime e foi "impeachmada".

É evidente que queremos estabilidade para a democracia brasileira. Agora, é possível estabilidade com um genocida no poder? É possível estabilidade democrática com alguém que defende ditadura militar e tortura? Eu acredito que não.

O senhor fala de unidade do campo progressista. Seis presidenciáveis de centro ou centro-direita assinaram recentemente um manifesto que incluiu o Ciro Gomes. Ele está no campo progressista ou no desses presidenciáveis?

O campo progressista é quem se coloca na oposição ao Bolsonaro tanto no seu autoritarismo político como também na sua política econômica neoliberal e anti-popular. Essa é uma definição importante.
Você ter uma frente democrática contra o Bolsonaro eu acho importante, bem como que figuras que sempre foram historicamente da direita ou da centro-direita também se oponham ao bolsonarismo nos dias de hoje.

Agora, isso não basta. Sobretudo se a gente fala de um processo eleitoral. Numa eleição você não vai dizer só o que você não quer. Você tem que apresentar para o povo o que você quer.

Não dá para ignorar o que trouxe o Brasil para 14 milhões de desempregados, com quase 20 milhões de pessoas com fome, com a economia devastada, o país está em pandarecos. O que trouxe a gente até aqui foi uma política neoliberal, uma política criminosa de cortes, de ajustes, que não se preocupa com o povo e amplia as desigualdades.

O corte importante para uma unidade progressista em 2022 é ter um projeto popular, de reconstrução nacional com retomada de investimentos públicos, com combate às desigualdades. E que hoje passa sem sombra de dúvidas também pela revogação do teto de gastos, de colocar na mesa a ampliação da base monetária a tributação progressiva. Esses são pontos importantes de demarcação?

O Ciro está lá ou cá?

Ele defende essas posições. Agora, Ciro busca um arco de alianças que eu francamente acredito que nem é possível [fechar]. Ou alguém acha que a centro-direita brasileira não vai ter uma candidatura própria? Eles vão ter.

E não seria o Ciro?

Eu vejo isso como bastante improvável, até mesmo pelas posições sobre política econômica que o Ciro expressa abertamente.

Eu acho importante que o [ex-ministro da Saúde Luiz Henrique] Mandetta, o [governador de São Paulo, João] Doria, o [governador do Rio Grande do Sul, Eduardo] Leite se coloquem contra o Bolsonaro. É melhor do que estarem a favor dele. Deixa o Bolsonaro isolado. Mas acho que é uma certa ilusão achar que esses setores possam estar juntos com a esquerda eleitoralmente em 2022. A direita brasileira, a centro-direita, terá candidatos.

E no segundo turno?

No segundo deles, eles se dividem [caso fiquem fora da disputa]. Uma parte deles pode compor com um projeto progressista. Por isso é importante ter pontes. Eu não rejeito essas pontes de diálogo. Mas não vejo possibilidade de aliança em primeiro turno. Tem uma diferença fundante [entre os dois grupos] que é a agenda econômica, a visão do país.

Em torno de quem se daria essa união que você prega do chamado setor progressista? Em torno do Lula, se ele for candidato, até mesmo por essa força incontrastável dele nesse campo?

Eu defendo essa unidade nacional do campo progressista. Temos que ver qual é o nome que vai ter melhores condições de derrotar o Bolsonaro em 2022.

Se for o do Lula... hoje é. Estamos a um ano e meio da eleição. É evidente que a unidade tem que ser construída em torno do nome com melhores condições de derrotar o Bolsonaro. Mas também em torno de um projeto.

A decisão sobre candidatura em 2022 também, da parte do PSOL, não é uma decisão individual minha. Ela vai passar pelo debate coletivo do partido. O partido tem congresso marcado para o segundo semestre e vai poder se definir.

O nosso foco tem que ser derrotar o bolsonarismo e apresentar um projeto de reconstrução nacional.
Isso passa por um debate de um projeto nacional. Unidade se constrói com gestos dos dois lados. Unidade é uma via de mão dupla.

Uma pesquisa do Ipespe divulgada pelo jornal Valor Econômico na semana passada mostrou que você aparece com 16% para o governo de São Paulo. Seria um projeto para 2022?

Eu devo te confessar que tenho muita disposição de acabar com o Tucanistão [a sequência de governos do PSDB no estado].

Já deu. Tem um cansaço, um desgaste do PSDB com essa mesmice tucana governando o estado há mais de 30 anos. Uma capitania hereditária com histórico de roubalheira, máfia da merenda, do metrô, do Rodoanel.

Ontem mesmo a Folha colocou [uma reportagem que mostrava] 620 obras paralisadas no estado. E ainda enchem a boca para falar de gestão.

Derrotar o "BolsoDoria" [o slogan foi lançado pelo então candidato ao governo de SP João Doria em 2018] em São Paulo é muito importante.

E muita gente me procurou depois das eleições de 2020 [em que Boulos disputou a Prefeitura de São Paulo], em que a gente teve mais de 2 milhões de votos.

Lideranças partidárias, lideranças sociais, colocam esse debate sobre uma candidatura ao governo do estado.

Tenho visto pesquisas que nos colocam inclusive em primeiro lugar, em empate técnico com outros candidatos.

Preciso fazer naturalmente esse debate com o meu partido. Mas eu estou disposto a assumir o desafio de disputar o governo de São Paulo em 2022. E construindo uma unidade dos progressistas. Sem unidade é muito difícil derrotar a máquina do PSDB.

O que seria essa unidade? Uma aliança com o PT? Com que outros partidos?

Eu tenho dialogado e quero fortalecer esse diálogo com todos os partidos do campo progressista.
Eu não vou citar nominalmente até em respeito a eles, que devem estar discutindo também os seus caminhos, os seus projetos.

Mas quero fazer esse debate de ampliação do campo progressista para que a gente consiga acabar com essa hegemonia nefasta do PSDB em São Paulo.

Na disputa para prefeito, em 2020, você falava que se o Fernando Haddad fosse candidato, não entraria na disputa. Ele não foi, e você, sim. Manteria o seu nome mesmo com ele na cédula? Ou, depois de ter saído da eleição com 2 milhões de votos para prefeito em 2020, o diálogo hoje seria um pouco diferente?

Eu nunca condicionei o lançamento da minha candidatura a prefeito a outros nomes. Eu tenho muito respeito pelo Haddad, uma relação de amizade com ele.

Agora, em primeiro lugar acho que ele não vai ser candidato. O que tenho visto é que ele quer estar ajudando o Lula na construção de um projeto nacional.

Tem uma outra coisa: unidade tem que ser uma via de mão dupla. Unidade implica gestos.

Não é razoável que numa composição, numa aliança política, tenha um partido que seja a cabeça de chapa em todos os lugares, em nível nacional, em nível estadual. Não é razoável isso.

É claro que ainda está muito cedo. Estamos a um prazo longo da eleição. Nesse momento a minha preocupação é o enfrentamento à pandemia. É o enfrentamento à fome. Todas as minhas iniciativas políticas estão nesse lugar.

Ainda não é momento para campanha. Mas eu acho que nós temos, sobretudo após as eleições municipais, legitimidade para dialogar com esse campo político para buscar construir uma candidatura unitária que enfrente o PSDB.

Ou seja, não faria sentido ter um candidato do PT como cabeça de chapa para presidente, o PT como cabeça de chapa no governo do estado, e vocês como coadjuvantes.

É o que eu te disse: unidade tem que ter via de mão dupla e tem que passar por uma discussão de projeto.

Eu estou aqui colocando uma disposição inclusive por busca e procura de diálogo com um conjunto de lideranças do estado de São Paulo.

Essa disposição ainda precisa ser dialogada com o meu partido. Estamos a um ano e meio da eleição. Não é momento de a gente centrar a pauta política em eleição.

Acho que é momento de centrar a pauta da oposição em impeachment do Bolsonaro, em medidas contra a fome, em retomada do auxílio emergencial de R$ 600. Na vacinação do nosso povo. O foco é esse.

Agora, para se ter aliança, é preciso gestos de todos os lados.

Há sempre uma comparação da história do PT com a do PSOL. O PT veio lá de trás e foi ganhando aos poucos eleições, assumindo prefeituras, governos estaduais. E muitos quadros foram se formando, com experiência administrativa. O PSOL estaria preparado para assumir o governo de São Paulo ou falta um pouco de músculo, de quadros, de experiência?

A gente juntou na candidatura à Prefeitura de São Paulo alguns dos maiores especialistas da cidade, que participaram de gestões públicas, que estão fazendo estudos diariamente na academia.

Para governar, você precisa ter equipe, um bom grupo. Estamos construindo um excelente grupo. Capacitado. Que conhece a realidade de São Paulo. Conhece a realidade do Brasil. A gente criou um gabinete paralelo que está acompanhando os problemas da cidade.

Tenho dialogado com muita gente que conhece os problemas do interior, construindo essas pontes.

Agora, até para fazer um paralelo: o PSDB se apresenta como bom de gestão.
O governo de SP tem o maior orçamento do país. Olha a situação da pandemia. Temos quase 100 mil mortos [por Covid-19] em São Paulo. Dá para dizer que é uma boa gestão?

O Doria é bom de marketing. Ele tenta capitalizar para ele pessoalmente a vacina do Instituto Butantan, enquanto ele queria privatizar o Butantan no início do governo.

Diz que defende a ciência e tentou cortar 1/3 da verba da Fapesp, que é o principal instituto de pesquisa científica do estado.

Diz que defende a vida, e disse em 2018 que a polícia tinha que atirar para matar.
Tem uma condição errática, elitista da pandemia. R$ 245 bilhões de orçamento e não conseguiram dar respostas. Porque não basta, em uma pandemia, você dizer para as pessoas ficarem em casa. A conscientização é importante. Mas você tem que dar as condições para as pessoas ficarem em casa. Ainda mais em um país tão desigual como o nosso.

E o governo do estado, com todo o orçamento que tem, não fez, não deu apoio econômico.
Pega o [governador] Flávio Dino no Maranhão. Com um orçamento muito menor, deu vale-gás para as pessoas comprarem butijão.

Precisaria ter em São Paulo um auxílio. A prefeitura criou um de R$ 100, que não dá nem para comprar um butijão de gás, e o governo de SP criou um que vai atender a um percentual ínfimo das pessoas que precisam.

Precisaria ter medidas de apoio a pequenos empreendedores, microempresários, comerciantes que estão com as portas fechadas. Não teve nada. Repito: é uma condução errática e elitista.

A vacina contra a Covid-19 não é um trunfo do governador Doria?

Não deveria ser mérito de um político não ser negacionista. Deveria ser obrigação. Embora o governo dele tenha dado as condições, a vacina é mérito de milhares de servidores da saúde, de cientistas e pesquisadores públicos que colocaram ela em pé no Instituto Butantan.

FOLHA