Aline Ribeiro
Desde que o novo coronavírus se tornou pandemia, o enfermeiro intensivista Welby Cavalcante, de 37 anos, não se lembra de ter tido um instante de tranquilidade. Sua profissão, como outras tantas, o expõe ainda mais a esse inimigo invisível. Durante as 12 horas em que permanece em seu turno num hospital da capital paulista, Cavalcante vive com receio — teme desde encostar numa bancada contaminada até fazer gestos simples, como se distrair e levar uma das mãos ao rosto. Ao deixar o plantão, o estado de alerta constante só altera de cenário. Nas últimas semanas, São Paulo registrou alguns episódios de agressão a profissionais de saúde nas ruas e no metrô. “Antes eu tinha orgulho de vestir meu uniforme branco, agora tenho medo”, disse. “A população não consegue entender que, se temos contato direto com paciente suspeito ou confirmado, ou ainda com qualquer fluido, trocamos de roupa. Estamos aqui para ajudar, não queremos contaminar ninguém.”
“O enfermeiro e a enfermeira já foram hostilizados na rua. O coveiro percebeu que não fica imune à tristeza alheia. A técnica do laboratório tem trabalhado dobrado”Nos primeiros dias do isolamento recomendado pelo governo estadual, Cavalcante e a mulher deixaram o plantão numa manhã e foram para a padaria tomar café, como de costume. Ao se sentar, já começaram a ouvir os burburinhos. Um dos presentes disse que era um absurdo eles estarem ali de uniforme para “contaminar todo mundo”. Outro emendou que tinham de expulsá-los. Um terceiro, mais radical, falou que, se não saíssem por bem, ele “resolveria na porrada”. “Até a atendente estava com medo da gente. Decidimos levantar e ir embora”, recordou.
Cavalcante acredita ser quase inevitável ser infectado pelo novo coronavírus. Seu maior temor é transmitir a doença para familiares do grupo de risco. O casal tem um filho de 8 anos que fica com os avós idosos sempre que os pais se ausentam. Apesar de terem um trato de não conversar sobre os pacientes em casa, ele e a mulher acabam falando dos casos mais graves já na volta do trabalho. Não conseguem se desligar nem nas horas de descanso. Para tentar aplacar a ansiedade e espairecer um pouco, Cavalcante comprou um ukulele para ele, instrumento musical que parece um cavaquinho, e um cachorro Shih tzu para o filho. “Quando chega a hora de trabalhar de novo, o coração já começa a bater mais forte. Quando tudo isso acabar, muitos colaboradores vão se afastar por problemas psiquiátricos.”
O perigo maior, no entanto, é o contato com familiares das vítimas, potencialmente infectados. São comuns os casos em que parentes que vivem na mesma casa estão infectados. Paulo contou que, semanas atrás, um jovem que sepultou o pai já havia enterrado uma prima e estava também com a mãe contaminada. “No nosso dia a dia estamos sujeitos à contaminação. Meu maior receio é levar para dentro de casa. Minha mãe é diabética, tem pressão alta e mais de 70 anos. A gente fica com medo, não é?”
Sepultador há sete anos, Paulo disse que a média de enterros que fazia por dia, em tempos pré-coronavírus, era de 35. Atualmente, está em 50. Com o passar do tempo na profissão, imaginou que estava se tornando frio, mas agora percebe que manteve a sensibilidade. “Desde que perdi minha irmã, no fim do ano passado, voltei a enxergar a dor dos outros. Ainda mais quando a morte é desta forma repentina, a pessoa está bem e, em cinco dias, acabou.”
No laboratório privado onde trabalha a bióloga Vera*, um dos mais atuantes de São Paulo na realização de exames para descartar ou confirmar a contaminação pelo novo coronavírus, o perigo chega em forma de pequenas gotículas. Vera trabalha no setor onde são feitos os chamados testes moleculares, também conhecidos como RT-PCR. A partir de amostras de secreções coletadas do nariz ou da garganta de um potencial contaminado, colocadas em máquinas, a presença do código genético do novo coronavírus no material é identificada ou descartada.
Para se preservar, toma os cuidados básicos em casa, como deixar o sapato do lado de fora ao chegar, tomar banho e colocar as roupas para lavar. Quando pode, adere ao isolamento social. “Fico sozinha em casa e estou há quase dois meses sem ver meus pais. Só saberemos até quando vamos estar expostos se houver teste maciço da população.”
No comments:
Post a Comment