Leo Aversa
Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu vejo isso por cima de um muro
De hipocrisia que insiste em nos rodear
Se você passou os anos 80 com uma FM tocando ao fundo e os nomes Transamérica, Fluminense e Rádio Cidade o fazem ouvir jingles na memória, certamente vai lembrar dos primeiros versos de “Tempos Modernos”. Nada é mais eterno do que a música pop.Ela foi lançada em 82, ainda na ditadura, quando o então presidente se orgulhava de preferir o cheiro dos cavalos ao do povo. Em tempos sinistros,Lulu viu um futuro melhor.
Eu vejo a vida mais clara e farta
Repleta de toda a satisfação
Que se tem direito do firmamento ao chão
O fiscal de óculos escuros, com colete da prefeitura e jeito de segurança de bordel, percorreu os corredores da Bienal examinando livros, atrás de ofensas à moral do prefeito. Procurava dois homens se beijando. A ele, não incomodam o descaso, a ignorância e a própria incompetência, só as demonstrações de afeto alheias. O prefeito sabe que a censura – ainda — é ilegal e que sua bravata teria o efeito contrário, promovendo o que queria esconder.
Mas sua intenção nunca foi proteger crianças ou adolescentes, se assim fosse cuidaria das escolas, das ruas, da cidade. Quer apenas envolver o eleitor em espuma e fumaça, na esperança que, confuso, cometa o mesmo erro duas vezes.
Eu quero crer no amor numa boa
Que isso valha pra qualquer pessoa
Que realizar a força que tem uma paixão
Não só o prefeito, ele é apenas mais um. Entramos numa era de trevas, onde a ignorância, a brutalidade e intolerância parecem não ter fim. É uma celebração contínua de tudo que é negativo, deletério, desumano. De onde deveriam sair propostas, planos, projetos, só se vê destruição, desmonte e terra queimada. Essa exibição patológica de armas, esse orgulho da própria grosseria, essa exaltação da boçalidade como modo exemplar de vida vão tornando o cotidiano um suplício para quem um dia respirou aliviado pelo fim da ditadura.
Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim do que não
De onde tiram essa raiva toda? E pior, de onde vem essa vontade de espalhar o ódio como se fosse uma virtude, uma qualidade a ser cultivada? Por que essa ânsia de construir muros, de incitar a discórdia, de ofender a todo aquele que não pensa igual? Por que esse desprezo pela arte, essa aversão à ciência e ao conhecimento? Será que não podem imaginar outra forma de governo que não seja fomentar a intolerância e o rancor? Quanto tempo mais vamos perder?
Hoje o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo que volte, amor
Vamos viver tudo que há pra viver
Vamos nos permitir
Me desculpem o desabafo, leitores, mas é que a música do Lulu me apareceu ontem, por acaso, enquanto me lembrava daqueles tempos. Talvez tenha chegado a hora de juntar a gente fina, elegante e sincera e, mais uma vez, ver por cima do muro. Quem sabe a gente não consegue trazer de volta os Tempos Modernos?
Vamos nos permitir
No comments:
Post a Comment