February 19, 2017

Caminhando com Trump


Adriana Carranca

Reação a governo controverso gera mobilizações positivas em diferentes áreas

Para não dizer que não falei das flores, em meio ao cataclismo dos primeiros 15 dias de Donald Trump na Presidência dos EUA há pelo menos um efeito provocado por seu governo até agora que pode ser visto sob uma perspectiva um pouco mais positiva. A ver. 

Trump conseguiu levar às ruas de Washington e outras 500 cidades americanas um número estimado entre 3,3 milhões e 4,6 milhões de pessoas na Women’s March, a maior marcha da História dos EUA, mesmo considerando as estimativas mais baixas (o cálculo foi possível graças a um grupo de cientistas que se voluntariou para analisar dados de satélites, balões meteorológicos, fotos e imagens do Google Maps, após a polêmica em torno do público presente na cerimônia de posse do presidente). É um marco e tanto. Os protestos reuniram mais gente do que as marchas de Selma a Montgomery, em 1965, que resultaram em conquistas históricas para o movimento de direitos civis americano.

Dois dias depois, milhares de estudantes em todo o país esvaziaram as salas de aula e se colocaram na frente das universidades em protesto contra “um Gabinete bilionário e corrompido movido a combustíveis fósseis”, nas palavras dos líderes do movimento. “A juventude está se levantando”, disse Greta Neubauer, diretora de um dos grupos universitários que estão reavivando o movimento estudantil americano. Vinte e um estudantes entraram com uma ação na Justiça contra o governo por incapacidade de lidar com os efeitos das mudanças climáticas. “Há 75 milhões de pessoas neste país com menos de 18 anos. Nós não tivemos a oportunidade de votar nas eleições passadas”, disse um deles ao site EcoWatch, que criou uma plataforma chamada TrumpWatch para acompanhar de perto as medidas do novo presidente que possam ter impacto no clima. “Nosso direito a um futuro justo e sustentável é inegociável.”

Um professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de Syracuse, David Sobel, lançou uma plataforma na internet para que filósofos compartilhem ideias de como reagir a Donald Trump. Mais de 40 ganhadores do Prêmio Nobel, dezenas de acadêmicos prestigiados, integrantes das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina e milhares de professores assinaram uma petição contra o decreto de Trump anti-imigração
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Horas depois de anunciado, advogados correram ao Aeroporto Internacional JFK para defender como voluntários quem estava sendo barrado e preso. No saguão, milhares de manifestantes se amontoavam com cartazes improvisados: “Muslims are welcome here, no hate, no fear!” (“Muçulmanos são bem-vindos aqui, sem ódio, sem medo”). Um juiz agiu rápido e bloqueou em parte a ordem de Trump. O mesmo ocorreu em outros aeroportos.

A comoção incentivou doações a organizações como No One Left Behind, de veteranos, que ajuda imigrantes afegãos e iraquianos que contribuíram com as tropas americanas na guerra a se estabelecerem nos EUA. Numa pequena cidade do Texas, judeus entregaram a chave da sinagoga aos vizinhos muçulmanos para que tenham um lugar para rezar até ser reconstruída a mesquita local, incendiada.

Ex-funcionários públicos criaram o site IndivisibleGuide.com, em que revelam as práticas mais eficientes para chegar aos congressistas e “bloquear a agenda de Donald Trump”. Outro grupo tem ensinado cidadãos a se registrarem para votar à distância e a usarem apps como TurboVote, que alerta sobre votações locais próximas, e Countable, que rastreia políticas em discussão no Congresso.

Também os estão incentivando a reservar ao menos uma hora por semana para escrever e telefonar a seus representantes no Congresso. Modelos de cartas foram distribuídos. Tuítes compartilhando os números diretos, alguns de celular, dos senadores se multiplicaram. Nos últimos dias, as ligações congestionaram as linhas telefônicas do Senado. Senadores disseram ter mudado de opinião sobre a nomeação de Betsy DeVos para a pasta da Educação após receberem “um volume pesado de ligações” com denúncias sobre seu desconhecimento da área, deixando-a a apenas um senador de ser rejeitada.

Os principais jornais dos EUA, entre eles “New York Times”, “Washington Post” e o site ProPublica, tiveram aumento de assinantes após as eleições, o que muitos acreditam ser uma resposta à profusão de notícias falsas pelo presidente, sua equipe e apoiadores. 

Trump seguirá com uma política agressiva. Mas não será sem resistência.

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