January 25, 2025

Na mira de pistoleiros

 


 Em sete dias, os Avá-Guarani sofrem quatro atentados em território sob demarcação no oeste do  Paraná

 
P O R  FA B Í O L A  M E N D O N Ç  A

"Estamos em um barraco com
um monte de crianças. Por
favor, acionem a Força Na-
cional e a Polícia Federal.
Estamos cercados por pis-
toleiros. Vocês precisam fazer alguma coi-
sa por nós!” Gravado em vídeo, o desespe-
rado pedido de socorro é de uma indígena
Avá-Guarani, em pânico durante um vio-
lento ataque à aldeia Yvy Okaju, na Terra
Indígena Tekoha Guasu Guavirá, no mu-
nicípio de Guaíra, oeste do Paraná. A ação
criminosa, deixou um saldo de quatro pessoas

 feridas à bala, dentre
elas uma criança de 4 anos e um ho-
mem atingido no maxilar, que segue in-
ternado na UTI em estado grave. Esse foi
o quarto atentado sofrido pela comunida-
de em apenas sete dias. O primeiro foi em
29 de dezembro, quando atearam fogo na
vegetação e em uma das casas da aldeia.
Em meio a fogos de artifício lançados con-
tra os indígenas, também ocorreram dis-
paros de arma de fogo. Nos dias 30 e 31,
novos incêndios e tiros. Um deles atingiu
uma mulher da etnia. Até agora, nenhum
criminoso foi identificado.

 
Ataques aos Avá-Guarani nesta épo-
ca do ano estão se tornando recorrentes.
Os criminosos aproveitam o recesso das
autoridades para agir. Nessa passagem
de ano, a violência também reinou na al-

d eia Yvy Okaju, com atentados em 25 de
dezembro e 1º de janeiro, que resultaram
em três pessoas baleadas. “A gente não
tem a oportunidade de ter uma ceia de
Natal, de desejar felicidade e prosperida-
de aos nossos parentes no Réveillon. A vi-
rada do ano para nós tem sido complicada.
Estamos em choque, todo mundo abati-
do. Não temos segurança nenhuma dentro
do nosso território e não há expectativa de
mudança nos próximos anos. Já estamos
perdendo a esperança. Os últimos anos
têm sido bem difíceis, mas esse início de
2025 foi muito mais chocante”, lamenta
Ilson Okaju, liderança indígena da região.

 
De acordo com ele, alguns indígenas
aproveitaram a folga do fim de ano para
construir casas no território, o que pode
ter provocado a ira dos especuladores e es-
timulado a violência. Antes de os ataques
se concretizarem, já circulavam nas re-
des sociais e grupos de WhatsApp men
sagens ameaçando a comunidade e agen-
tes da Força Nacional, responsáveis pela
segurança do local. As ameaças foram de-
nunciadas ao Poder Público, que nada fez
para proteger a população. Os indígenas
apontam certa conivência das autoridades
com os criminosos. Segundo Okaju, um
soldado da Polícia Militar chegou a falar
para um cacique que era só “parar de inva-
dir terras que vocês param de levar tiros”.
Ele não arrisca um palpite sobre quem es-
tá por trás dos ataques, mas acredita que
são grupos com estrutura paramilitar.

 
“São pessoas que chegam na calada da
noite, mascaradas, fazem o que querem e
depois simplesmente desaparecem. Por
onde saem? Como saem? Como a polícia
não encontra ninguém? Dá para deduzir
que estamos sendo atacados por homens
muito bem preparados, treinados para is-
so. Talvez sejam milicianos, porque as pe-
gadas, os rastros, eram de coturnos”, ob-
serva, criticando o baixo efetivo policial
para garantir a segurança na região. “Só
tem duas viaturas, uma fica circulando e
a outra parada num ponto fixo. E os ou-
tros pontos que dão acesso à comunida-
de? A gente continua exposto.”

 
Um pedido de socorro enviado pelo
WhatsApp durante o ataque do dia 3 não
deixa dúvida quanto ao nível de insegu-
rança vivenciado pela comunidade. “Não
temos apoio nenhum aqui. A Força Nacio-
nal está dizendo que foi só um rojão. Se-
rá que a gente precisa enterrar um paren-
te para provar que estamos sendo ataca-
dos de verdade? Estamos cansados de ver
crianças sendo baleadas e ninguém nos
está ouvindo. Quando a Justiça brasilei-
ra vai agir?”, desabafa uma indígena que
pediu para não ser identificada.

 
Há um histórico conflito fundiário na
TI Tekoha Guasu Guavirá, que circuns-
creve os municípios de Guaíra, Terra Ro-
xa e Altônia. Além da pressão de proprie-
tários rurais, os indígenas queixam-se da
especulação imobiliária, porque parte do
território está no limite do centro urba-
no, muito próximo do bairro Eletrosul, em
Guaíra. São 24 mil hectares de área, sobre-
postos por 165 fazendas. Em 2018, a Fu-
nai delimitou e identificou a TI, o primei-
ro passo para a demarcação. Os trabalhos
ficaram paralisados no governo Bolsonaro
e só foram retomados em 2023, com Lula.

 
No entanto, uma ação movida pelas prefei-
turas de Guaíra e Terra Roxa e outra de au-
toria da Federação da Agricultura do Es-
tado do Paraná conseguiu suspender no-
vamente o processo, aumentando a inse-
gurança jurídica e a violência na região.

 
Em resposta aos atentados, o Ministé-
rio da Justiça enviou, no sábado 4, novos
agentes da Força Nacional, aumentando
o efetivo em 50%. Na segunda-feira 6, um
novo reforço dobrou o número de agen-
tes no local. “A ampliação visa intensi-
ficar as ações de segurança e garantir a
proteção das comunidades indígenas, em
colaboração com os demais órgãos de se-
gurança pública e representantes indíge-
nas”, diz uma nota da pasta, ressaltando
que a Polícia Federal abriu um inquérito
para identificar os autores dos ataques.
“O monitoramento contínuo busca evi-
tar novos incidentes.”

 
Para o pesquisador Clóvis Brighenti,
que integra o Conselho Indigenista Mis-
sionário (Cimi), a impunidade serve de
estímulo à escalada de violência. “Não se
tem investigação, não se apuram as res-
ponsabilidades, não se faz uma ação de
desarmamento na região. Pelos cartu-
chos encontrados no local, dá para ver que
usam armas de grosso calibre. E isso não é
investigado, ninguém responde pelos cri-
mes. É claro que os criminosos se sentem
incentivados a cometer novos atos de vio-
lência.” Os indigenistas também se quei-
xam do governo do Paraná de fazer vista
grossa, de não agir no sentido de cessar
a violência contra a população indígena.

 
Na sequência de uma série de ataques
violentos contra os povos Avá-Guara

entre julho e agosto do ano passado, o go-
vernador Ratinho Júnior, do PSD, decla-
rou que não iria “admitir que índios para-
guaios invadam terras privadas no Para-
ná”, em crítica endereçada ao governo fe-
deral, que, segundo ele, estaria demorando
para fazer a retirada dos indígenas do ter-
ritório. “Vira e mexe, o governador acusa
os guaranis de serem paraguaios e invadir
terras. Isso também estimula os ataques
aos indígenas”, destaca Osmarina de Oli-
veira, geógrafa que também atua no Cimi.

 
Em nota, o governo do Paraná se eximiu
de qualquer responsabilidade, enfatizan-
do que “a responsabilidade constitucional
pela solução dos conflitos e pelas terras
indígenas é do governo federal”. E acres-
centa: “Em outubro de 2024, o governador
Carlos Massa Ratinho Júnior formalizou
um ofício ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, cobrando uma resposta firme e
imediata da União. Desde então, nenhuma
solução concreta foi apresentada, expon

população da região a constantes riscos”.

 
O Ministério dos Povos Indígenas con-
denou os atos de violência contra os po-
vos Avá-Guarani e disse acompanhar a
situação por meio do seu Departamento
de Mediação e Conciliação de Conflitos
Fundiários Indígenas, que já solicitou ao
Ministério da Justiça uma investigação
sobre os grupos armados que atuam na
região. Também por meio de nota, a Fu-
nai afirmou ter reforçado sua equipe no
local, para dar suporte aos indígenas feri-
dos e dialogar com as instituições locais
e órgãos de segurança pública.

 
A Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil (Apib) divulgou um documen-
to, assinado conjuntamente com outras
entidades indígenas, no qual acusa o go-
verno estadual de incitar o ódio contra os
povos Avá-Guarani. O texto diz ainda que
a Força Nacional relativiza as denúncias,
que a Funai não tem capacidade de inter-
venção no contexto local e que o Minis-
tério dos Povos Indígenas não tem dado
a resposta necessária em face de tanta
brutalidade. “O governo parece acovar-
dado. Essa covardia traz dor, sofrimen-
to e muita angústia aos originários habi-
tantes daquela região, os Avá-Guarani.”

 
Para o indigenista Sydney Possuelo,
ex-presidente da Funai, a situação dos in-
dígenas no Brasil beira o abandono. “Não
vejo o Legislativo nem o Judiciário faze-
rem nada, mas esperava mais do gover-
no Lula. Se, pelo menos, o presidente ti-
vesse colocado as forças à disposição de-
le para retirar os invasores das terras in-
dígenas, já teria um grande impacto. Mas
isso não está sendo feito. Eles põem uma
força mínima, 10, 12, 15 homens para fa-
zer um mise-en-scène e dizer que estão
operando, mas não tem nada con

CARTA CAPITAL        

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