Julian E. Barnes
Adam Entous
Anton Troianovski
A confiança de Vladimir Putin parece não ter limites. Impulsionado pela contraofensiva fracassada da Ucrânia e pelo enfraquecimento do apoio ocidental a seu governo, o presidente da Rússia afirma que os objetivos de guerra russos não mudaram.
Ao se dirigir aos seus generais na terça-feira (19), ele se vangloriou de que a Ucrânia estava tão sitiada que as tropas invasoras da Rússia estavam fazendo "o que queriam". "Não vamos desistir do que é nosso", prometeu ele, acrescentando com desdém: "Se eles querem negociar, que negociem".
Mas, em uma recente tentativa de diplomacia nos bastidores, Putin tem enviado uma mensagem diferente: ele está pronto para fazer um acordo.
Putin tem sinalizado por meio de intermediários, desde setembro, que está aberto a um cessar-fogo que congele o combate na situação atual, muito aquém de suas ambições de dominar a Ucrânia, afirmam dois ex-funcionários do alto escalão russo próximos ao Kremlin e autoridades dos EUA e internacionais que receberam a mensagem dos enviados do líder russo.
Na verdade, Putin também sondou um acordo de cessar-fogo um ano antes, no outono de 2022, segundo autoridades dos EUA. Essa abordagem discreta, não relatada anteriormente, ocorreu depois que a Ucrânia derrotou o Exército russo no nordeste do país. O presidente russo indicou que estava satisfeito com o território capturado pela Rússia e pronto para um armistício, disseram eles.
O interesse repetido de Putin em um cessar-fogo é um exemplo de como o oportunismo e a improvisação têm definido sua abordagem à guerra a portas fechadas. Dezenas de entrevistas com russos que o conhecem há muito tempo e com autoridades internacionais com conhecimento sobre o funcionamento interno do Kremlin mostram um líder manobrando para reduzir riscos e manter suas opções abertas em uma guerra que durou mais do que ele esperava.
"Eles dizem: 'Estamos prontos para negociar um cessar-fogo'", afirmou um funcionário internacional que se reuniu com oficiais de alto escalão da Rússia há poucos meses. "Eles querem permanecer onde estão no campo de batalha."
Não há evidências de que os líderes da Ucrânia, que prometeram retomar todo o seu território, aceitarão tal acordo. Alguns oficiais dos EUA dizem que isso pode ser uma tentativa familiar do Kremlin de desviar a atenção e não reflete uma disposição genuína de Putin para fazer concessões.
Nos últimos 16 meses, Putin engoliu várias humilhações —recuos embaraçosos, motins de um líder mercenário antes amigável— até chegar ao seu atual estado de confiança tranquila. Ao longo do caminho, ele travou uma guerra que matou ou mutilou centenas de milhares, ao mesmo tempo que exibiu contradições que se tornaram marcas registradas de seu governo.
Enquanto está obcecado pelo desempenho de seu Exército no campo de batalha e pelo que ele vê como sua missão histórica de retomar as "terras russas originais", Putin tem se esforçado para que a maioria dos russos continue com a vida normal.
Enquanto prepara a Rússia para anos de guerra, ele silenciosamente tenta deixar claro que está pronto para encerrá-la. "Ele realmente está disposto a parar nas posições atuais", disse um dos ex-funcionários russos de alto escalão ao The New York Times, transmitindo uma mensagem que ele disse que o Kremlin enviava discretamente. "Ele não está disposto a recuar um metro."
Putin, segundo os atuais e ex-oficiais, vê uma confluência de fatores criando um momento oportuno para um acordo: um campo de batalha que parece estar em um impasse, as consequências da ofensiva decepcionante da Ucrânia, seu apoio enfraquecido no Ocidente e, desde outubro, a distração da guerra entre Israel e o Hamas.
As autoridades falaram sob condição de anonimato, como outros entrevistados desta reportagem, devido à natureza sensível das abordagens nos bastidores.
Respondendo a perguntas por escrito após recusar um pedido de entrevista, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou em uma mensagem de voz que "conceitualmente, essas teses que você apresentou estão incorretas". Questionado se a Rússia estava pronta para um cessar-fogo, ele apontou os comentários recentes do presidente; Putin disse neste mês que os objetivos de guerra da Rússia não haviam mudado.
A Ucrânia tem buscado apoio para sua própria fórmula de paz, que exige que Moscou entregue todo o território ucraniano capturado e pague indenizações. O presidente Volodimir Zelenski disse na terça-feira (18) que não via nenhum sinal de que a Rússia quisesse negociar. "Vemos apenas uma vontade descarada de matar", afirmou.
Putin cogitou pela primeira vez a possibilidade de negociações de paz nas semanas iniciais da guerra, mas elas fracassaram depois que as atrocidades da Rússia na Ucrânia vieram à tona. Em seguida, no outono de 2022, após a retirada embaraçosa da Rússia do nordeste da Ucrânia, o Kremlin enviou novamente mensagens para Kiev e o Ocidente de que estaria aberto a um acordo para congelar os combates, segundo autoridades dos EUA.
Alguns dos apoiadores da Ucrânia, como o general Mark Milley, então chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, encorajaram Kiev a negociar porque o país havia alcançado tanto no campo de batalha quanto poderia razoavelmente esperar. Mas outros funcionários dos EUA acreditavam que era cedo demais para negociações. E Zelenski prometeu lutar até que todo o país fosse libertado do domínio russo.
À medida que a Ucrânia lançou sua aguardada contraofensiva em junho, Putin parecia tenso, ansioso por atualizações do campo de batalha, informaram pessoas próximas ao Kremlin. Em público, Putin se tornou um comentarista ao vivo da luta, ávido por reivindicar novos sucessos.
"O inimigo está tentando atacar", disse Putin no palco de seu prestigioso Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em 16 de junho, descrevendo uma batalha acontecendo "agora mesmo". "Acredito que as forças armadas da Ucrânia não têm chance."
No mesmo dia, uma delegação de líderes africanos chegou a Kiev, capital da Ucrânia, na esperança de intermediar a paz. Em certo momento, autoridades ucranianas os levaram às pressas para um abrigo, alertando sobre um ataque.
No dia seguinte, em São Petersburgo, na Rússia, o presidente Cyril Ramaphosa, da África do Sul, perguntou a Putin se ele realmente havia bombardeado a capital ucraniana enquanto os líderes africanos estavam lá. "Sim, eu fiz", respondeu Putin, segundo duas pessoas próximas a Ramaphosa, "mas garanti que fosse muito longe de onde vocês estavam".
Uma semana depois, o líder mercenário Ievguêni Prigojin lançou sua rebelião fracassada. No final do verão no hemisfério norte, os eventos se voltavam a favor de Putin. A morte de Prigojin em um acidente de avião, amplamente vista como obra do Kremlin, eliminou seu inimigo doméstico mais perigoso. No campo de batalha, a Rússia já parecia ter sucesso em repelir a contraofensiva da Ucrânia.
Em um sábado de outubro, Putin comemorou seu 71º aniversário com os líderes do Uzbequistão e do Cazaquistão, dois países da Ásia Central que tentaram adotar uma postura neutra na guerra. Quando eles chegaram à sua residência nos arredores de Moscou, Putin assumiu o volante de uma nova limusine russa, mostrando uma das maneiras pelas quais, segundo o Kremlin, a Rússia está se tornando mais autossuficiente.
Uma vez dentro de casa, os três líderes discutiram um plano para vender gás russo ao Uzbequistão. Uma pessoa presente lembrou-se da confiança calma de Putin e de sua postura relaxada. Segundo o informante, ele não parece um homem que está travando uma guerra. Somente após um almoço de aniversário eles compreenderam a plena importância dos eventos em outros lugares.
Era 7 de outubro. O ataque terrorista do Hamas naquele dia —e a feroz resposta militar de Israel— provaram ser uma vantagem de marketing para a Rússia, ao desviar a atenção da Ucrânia e permitir que Putin se alinhasse com grande parte do mundo ao condenar o bombardeio da Faixa de Gaza e o apoio americano a Israel.
"Ele vê que a atenção do Ocidente está se afastando", disse Balazs Orban, assessor do primeiro-ministro Viktor Orbán, que participou da reunião do líder húngaro com Putin em outubro.
Desde pelo menos setembro, autoridades ocidentais têm captado sinais renovados de que Putin está interessado em um cessar-fogo. As mensagens chegam por meio de vários canais, incluindo governos estrangeiros com laços tanto com os EUA quanto com a Rússia. Emissários russos não oficiais falaram com interlocutores sobre os contornos de um possível acordo que Putin aceitaria, disseram autoridades americanas e outros.
Segundo um oficial internacional que se reuniu com altos funcionários russos há poucos meses, Putin e o Exército russo não querem esticar ainda mais sua capacidade. O líder russo também fez comentários públicos vagos sobre estar aberto a negociações.
Muitos no Ocidente são céticos em relação a um cessar-fogo porque afirmam que Putin se rearmaria para um futuro ataque. O presidente Edgars Rinkevics, da Letônia, argumentou em uma entrevista que Putin estava comprometido com a guerra porque sonha em "restabelecer o império".
"Eles nunca honraram nenhum acordo", disse Rinkevics sobre os russos, "e os violaram imediatamente quando viram que era conveniente".
NEW YORK TIMES
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