February 25, 2023
Brazil at the Crossroads
February 24, 2023
Faces do Subúrbio - Deus abençoe a todos
Abençoe todos aqueles que estão
pendurados no morros
arriscados a serem soterrados
por causa da negligência e incompetência
de porcos chamados governantes.
DUELO AO SOL
LULA RECLAMA DE ENFRENTAR
SOZINHO ROBERTO CAMPOS NETO,
p o r A N D R É B A R R O C A L
Lula foi ao
Rio de Janeiro, terra do presi-
dente do Banco Central, Rober-
to Campos Neto, para compro-
missos oficiais e, na volta a Bra-
sília, queixou-se no voo de que
não podia brigar sozinho com
a instituição. Os aliados políti-
cos, entre eles algumas testemunhas da
queixa, precisavam apoiá-lo. Mais cedo,
o petista tinha comparecido à posse de
Aloizio Mercadante no BNDES, o banco
público de apoio ao desenvolvimento na-
cional, e depois comentou no avião não ter
ficado lá muito satisfeito com o discurso
ouvido. Um ponto em especial o incomo-
dara. “Não pretendemos ficar disputando
mercado com o sistema financeiro priva-
do”, declarara Mercadante. Lula quer que
os bancos estatais concorram com os par-
ticulares. Baixar os juros dos empréstimos
aos cidadãos e às empresas tornou-se uma
obsessão. A expansão do crédito faz o mo-
tor da economia girar. O Brasil tem hoje
a maior taxa básica do mundo, 13,75% ao
ano. A chamada Selic dita o rumo dos ju-
ros bancários praticados no mercado e, no
tamanho atual, afoga o motor.
Em novembro, o deputado Lindberg
Farias, do PT do Rio, dizia a CartaCapital
que “o Banco Central pode ser um proble-
ma para nossa estratégia de retomada do
crescimento econômico e de geração de
empregos”. O receio confirmou-se, diante
da disposição expressa pelo BC, no início
do mês, de manter a Selic alta por um tem-
po maior. “É sabotagem contra o governo”,
afirma o parlamentar, autor de um pedido
de convocação de Campos Neto à Câma-
ra para prestar esclarecimentos. Segun-
do o deputado, a aprovação presidencial
será fundamental contra a oposição radi-
cal bolsonarista, terá de ser medida dia a
dia. Lula elegeu-se no aperto contra Jair
Bolsonaro, graças ao eleitor mais pobre, a
quem seus governos anteriores eram pro-
messa de vida melhor. O presidente acre-
dita ter derrotado o capitão, mas não o bol-
sonarismo. Diante da dinâmica das redes
sociais e da força da extrema-direita nas
plataformas digitais, o clima eleitoral se-
rá permanente. Quanto tempo irá durar
a paciência popular com o petista? Em
30 de janeiro, Bolsonaro, do autoexílio
em Miami, prognosticou em uma pales-
tra: pelo visto no primeiro mês, o gover-
no “não vai durar muito tempo”.
“Se o País não voltar a crescer, não sei
se a gente vai segurar”, declarou Lula no
evento no BNDES. Era uma referência à
intentona dos fiéis do capitão em 8 de ja-
neiro. “Não podemos brincar, porque um
dia o povo pobre pode se cansar de ser po-
bre e pode resolver fazer as coisas muda-
rem nesse País. E eu ganhei as eleições
exatamente para fazer as mudanças que
não eram feitas. Se nós conseguirmos de-
cepcionar esse povo, e o povo passar a de-
sacreditar em nós, eu fico pensando o que
será desse País.”
Dois dias após voltar do Rio, Lula reu-
niu no Palácio do Planalto parlamentares
e dirigentes partidários governistas e bo-
tou o Banco Central na berlinda. Não há
“justificativa” para o juro estar no nível vi-
gente, comentou, e foi uma “vergonha” a
explicação dada pela direção da institui-
ção para ter mantido a taxa e acenado que
seria assim por mais tempo do que ima-
ginava necessário. A explicação constava
do comunicado divulgado após o último
encontro do Comitê de Política Monetá-
ria, o Copom, em 1º de fevereiro, que ha-
via tirado Lula do sério. Em entrevista no
dia seguinte, o petista declarou guerra a
Campos Neto, chamado por ele de “esse
cidadão”. É para a batalha contra o eco-
nomista de 59 anos, herança de Bolsona-
ro por obra da lei de autonomia do BC, que
o presidente queria o apoio da tropa. E pa-
rece ter conseguido, ao juntá-la na quar-
ta-feira 8. “O presidente do Banco Cen-
tral tem que ser enquadrado, ser convo-
cado no Congresso, na Câmara, no Sena-
do, e explicar por que tem que manter ju-
ros reais de 8%”, disse publicamente um
participante da reunião, Paulinho, presi-
dente do partido Solidariedade e expoen-
te da Força Sindical.
O juro real é a Selic desconta-
da da inflação. É o lucro lim-
po de quem compra certo tí-
tulo público. Nos Estados
Unidos, para onde Lula em-
barcou na quinta-feira 9 a
fim de encontrar Joe Biden, a taxa bá-
sica está em 4,75% e a real, negativa em
1,75%. Na Europa, o juro real também es-
tá negativo (-6%). Na Rússia, que enfren-
ta a guerra na Ucrânia e sanções mun-
diais em razão do conflito, ele é de 4%.
China, Índica e África do Sul, outros par-
ceiros do Brasil nos Brics, convivem com
porcentuais bem menores do que o bra-
sileiro. Lula deseja reduzir a Selic a 7%,
8% nominais até dezembro. Foi o que
disse o líder do governo no Congresso,
Randolfe Rodrigues, no fim da reunião
no Planalto. Segundo o senador, com a
aprovação de uma reforma tributária, a
apresentação ao Congresso de uma lei de
controle de gastos e a votação de uma me-
dida provisória que eleve a arrecadação
federal contra calotes empresariais nos
impostos, o BC teria conforto para baixar
o juro. “Se nos resignarmos aos 13,75%, a
gente vai se conformar com 0,7% de cres-
cimento no fim do ano. Não aceitamos.”
PIB de 0,7% neste ano é o que pre-
vê a média do “mercado” consultado se-
manalmente pelo BC. Outras estimati-
vas são igualmente desanimadoras. Itaú:
0,9%. Consultoria XP: 1%. Fundo Mone-
tário Internacional: 1,2%. Bradesco: 1,5%.
Pelas mesmas apostas, 2024 será outra de-
cepção (de 1% a 1,5% de crescimento). “O
que não é possível é continuar crescendo
meio por cento ao ano. Não é possível. Não
há conflito distributivo superável cres-
cendo meio por cento ao ano. Nós não va-
mos nos entender com esse crescimento.
As tensões tendem a piorar.” Palavras de
Fernando Haddad, o ministro da Fazen-
da, em novembro, em um almoço de fim
de ano da Febraban, a federação dos ban-
cos. Lula pretende convocar ao Planalto
os dirigentes da Febraban e o comandan-
te da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo, Josué Gomes da Silva, pa-
ra pedir adesão à campanha contra o ju-
ro alto. “É preciso, Josué, que você saiba
que se a classe empresarial não se mani-
festar, se as pessoas acharem que vocês es-
tão felizes com o 13,5%, sinceramente eles
não vão baixar juros”, disse o presidente
no BNDES. Gomes da Silva, que recusou
o convite para o Ministério da Indústria, é
filho do falecido vice de Lula nos dois man-
datos anteriores, José Alencar, inimigo da
alta taxa, que cairia de 25% para 10% ao
ano entre 2003 e 2010.
Na cruzada contra Campos Neto, Lu-
la parece movido pela desconfiança de
que falta o apetite de Alencar ao minis-
tro da Fazenda quando se trata do mes-
mo assunto. É o que diz um político do PT
que conversou com o mandatário nos úl-
timos dias. O presidente, diz essa fonte,
acredita ter um legado a preservar e que
sua biografia está em jogo. Colaboradores
lulistas como Haddad e Mercadante esta-
riam, ao contrário, em busca de aceitação
do “mercado”. Essas impressões do polí-
tico foram corroboradas por Lula na reu-
nião na quarta-feira 8. “A gente não tem
que pedir licença para governar, a gente foi
eleito para governar. A gente não tem que
agradar ninguém, a gente tem que agradar
o povo brasileiro, que acreditou num pro-
grama que nos trouxe até aqui e é esse pro-
grama que nós vamos cumprir.”
HADDAD BUSCA
ABAIXAR A
FERVURA E
ENCONTRAR UM
PONTO DE
DIÁLOGO,
ENQUANTO LULA
OPTA POR MANTER
A PRESSÃO
Do início da campanha de Lula contra o
BC até o momento da reunião com os alia-
dos, integrantes do governo ou assessores
haviam dito anonimamente à mídia que
aconselhavam o mandatário a maneirar
nos ataques a Campos Neto. Um ministro
da área econômica chegou a comentar com
o portal G1 que a “ofensiva” de Lula “está
acima do tom e é hora de deixar a equipe
econômica trabalhar”. Quem seria esse
ministro? A emedebista Simone Tebet,
do Planejamento, que havia concorrido a
presidente tendo como sua economista-
-chefe a liberal privatista Elena Landau?
Conselhos, se de fato houve, não demo-
veram Lula. Em 19 de janeiro, o ministro
da articulação política, Alexandre Padi-
lha, do PT, havia tuitado: “O governo sabe
que a política monetária e o papel de aná-
lise da macroeconomia do Banco Central
são de extrema importância. E, também
por isso, a convivência respeitosa entre
as instituições vai continuar sendo a or-
dem dessa gestão”. Numa entrevista um
dia antes, Lula chamara de “bobagem” a
autonomia do BC e contestara a decisão
do banco de fixar a meta de inflação abai-
xo de 4%. Quanto menor a meta, mais o
BC é levado a pesar a mão no juro. A de-
cisão de reduzi-la tinha sido tomada em
2018 pelo antecessor de Campos Neto,
Ilan Goldfajn, e o Ministério da Fazenda,
ainda no governo Temer. Apesar do tuí-
te de Padilha, Lula seguiu a criticar Cam-
pos Neto e o BC, e de modo ainda mais
contundente. Detalhe: na eleição, Padi-
lha era cotado para comandar a Fazen-
da. Seu chefe de gabinete é um ex-analis-
ta político da XP, Richard Back, bússola
sobre os humores do sistema financeiro.
Haddad também preferia con-
temporizar. Na terça-feira 7,
véspera da reunião com alia-
dos no Planalto, o ministro ti-
nha classificado de “amigável”
a ata do Copom divulgada na-
quele dia sobre a decisão de manter o ju-
ro em 13,75% e de conviver com essa taxa
mais tempo. O breve comunicado da se-
mana anterior havia sido interpretado por
analistas do “mercado” como uma reação
à intenção do governo de gastar mais. O
recado seria: mais gastos, mais inflação,
mais juros. A ata em si foi vista como uma
tentativa do BC de transmitir uma espé-
cie de voto de confiança no governo, daí a
leitura do ministro da Fazenda.
Haddad e Campos Neto estiveram três
vezes frente a frente. Em 13 de dezembro,
no BC, no período de transição. Em 30 de
dezembro, no hotel em que Lula estava
hospedado em Brasília (único tête-à-tête,
aliás, do presidente com o chefe do BC). E
em 30 de janeiro, no escritório do Minis-
tério da Fazenda em São Paulo. Em uma
dessas conversas, os dois concordaram em
procurar nomes consensuais para substi-
tuir uma dupla de diretores cujos manda-
tos terminam neste mês, o de Política Mo-
netária, Bruno Serra, e o de Fiscalização,
Paulo Sérgio Neves de Souza. A lei da auto-
nomia, ou independência, do BC, de 2021,
fixa mandato para os dirigentes. A direto-
ria de Serra é estratégica em razão da taxa
de juro. Não importam, porém, acertos en-
tre Haddad e Campos Neto: cabe ao presi-
dente da República enviar a indicação ao
Senado para aprovação.
O mandato do presidente do BC vai até
dezembro de 2024 e ele tem dito que nao
pretende sair antes. Pela lei, poderia ser
demitido por incompetência. Foi o que
uma certa voz lembrou no Planalto, após
o comunicado do Copom de 1º de fevereiro,
aquele que Lula tachou de “vergonha”. Nos
últimos dois anos, justamente na era da
autonomia, a inflação estourou o teto da
meta. A julgar pelas previsões do “merca-
do” (de 5,7% de IPCA este ano), será igual
em 2023 (teto de 4,75%). É possível que
o governo altere a meta deste ano (3,7%)
e dos dois vindouros (3%, com teto de
4,5%) em uma reunião do Conselho Mo-
netário Nacional no dia 16. O CMN é for-
mado por Haddad, Tebet e Campos Neto.
Seria uma forma de criar condições para
o juro cair. Os ministros da Fazenda e do
Planejamento conversaram na terça-fei-
ra 7 sobre a pauta do conselho. No “mer-
cado”, há quem diga que, se for para mu-
dar a meta, que seja logo, e não só em ju-
nho, como é costumeiro. É a opinião, en-
tre outras, do economista-chefe do Bra-
desco, Fernando Honorato.
Vozes do dito mercado saíram
em defesa nos últimos dias
de Campos Neto. É o caso de
Arminio Fraga e Henrique
Meirelles, ex-presidentes do
BC. A dupla diz, em suma, que
as manifestações presidenciais atrapa-
lham o Banco Central e pioram as coisas,
pois a autoridade monetária sente-se for-
çada a pegar ainda mais pesado no juro, a
fim de mostrar independência e desfazer
estragos causados nas expectativas dos
agentes econômicos pelas críticas do go-
verno. Recorde-se: uma das razões para a
eleição de Lula foi o aumento no custo de
vida e a perda do poder de compra na era
Bolsonaro. O salário médio está em 2,7 mil
reais, mesmo nível de 2012. Em janeiro de
2019, primeiro ano do capitão, uma ces-
ta básica em São Paulo custava em média
meio salário mínimo. Agora, dois terços,
conforme o Dieese. Na época da eleição,
cerca de 80% das famílias mais pobres es-
tavam endividadas. Contra isso, o gover-
no prepara um programa de rolagem das
dívidas, o “Desenrola”, esforço conjun-
to de credores, devedores e bancos públi-
cos e privados. Com isso, diz o secretário
de Política Econômica do Ministério da
Fazenda, Guilherme Mello, os consumi-
dores terão mais poder de compra e pode-
rão voltar a tomar empréstimos. “O pro-
grama tem potencial para dinamizar a
economia”, afirma Mello.
Quem conhece Campos Neto reforça
a visão de Fraga e Meirelles: 2023 é ano
perdido no PIB e os ataques do presidente
ameaçam comprometer 2024 também. A
inflação do próximo ano entrou nas aná-
lises do Copom em fevereiro e será ainda
mais levada em conta na reunião de mar-
ço. Campos Neto, diz um conhecido, é afá-
vel e Lula até poderia gostar dele, se ambos
conversassem com calma. O petista tinha
boa impressão do economista, considera-
va-o razoável. Foi o que Haddad disse cer-
ta vez, em 2021, a analistas de uma empre-
sa do sistema financeiro. O fato de Campos
Neto ter ido votar, em outubro passado,
com a camisa da Seleção brasileira, uni-
forme bolsonarista, deve ter afetado essa
percepção. Idem sua presença, até 10 de
janeiro, no grupo de WhatsApp “minis-
tros de Bolsonaro”. A presença foi desco-
berta naquele dia pela fotógrafa Gabriela
Biló, da Folha de S. Paulo, no celular do se-
nador Ciro Nogueira, do PP, ex-chefe da
CasaCivil de Bolsonaro e um dos cabeças
da campanha à reeleição
Campos Neto e Nogueira tinham inti-
midade. Em outubro de 2021, o então mi-
nistro promoveu um churrasco em casa
e o economista esteve presente, de ber-
mudas. Foi o que se viu em uma foto tui-
tada por Nogueira. Estavam por lá tam-
bém outros dois então ministros, Fabio
Faria e Tarcísio de Freitas, agora gover-
nador de São Paulo, cuja posse foi presti-
giada pelo presidente do BC. Dias depois
do churrasco, veio a público um áudio no
qual Campos Neto consultava o banquei-
ro André Esteves, do BTG, sobre qual se-
ria o juro mínimo aceitável para o Brasil.
O áudio era do próprio Esteves, gravado
durante uma palestra. À época, a Asso-
ciação Brasileira de Imprensa requereu
ao Supremo Tribunal Federal uma inves-
tigação contra o dirigente da instituição
pública por uso de informação privilegia-
da. A Corte pediu a opinião da Procurado-
ria Geral da República, esta não viu nada
demais, assunto encerrado.
Parte da mídia está do lado de
Campos Neto na guerra decla-
rada por Lula. Em editoriais re-
centes, a Folha e O Globo critica-
ram o petista. Esse tipo de ma-
nifestação, somada à posição
de Fraga e Meirelles, indica que aquela
união informal de setores da elite e dos
meios de comunicação à campanha lulis-
ta contra Bolsonaro não terá vida longa,
por causa justamente da política econô-
mica. Recorde-se: Fraga e Meirelles decla-
ram voto no petista.
A política monetária de Bolsonaro, Pau-
lo Guedes (antecessor de Haddad) e BC “foi
derrotada nas eleições, porque fez o País
andar pra trás”, tuitou Gleisi Hoffmann,
a presidente do PT. “Essa parece a última
trincheira do bolsonarismo no poder.”
Trincheira que, aliás, cometeu um “erri-
nho” de 14 bilhões de dólares na conta sobre
o fluxo cambial no Brasil no ano passado. •
CARTA CAPITAL