August 22, 2010

Passeata Humor sem Censura

O decreto lei que proíbe os humoristas de falarem sobre os políticos durante o período eleitoral tem mexido com o humor dos comediantes, que não estão achando a menor graça. Indignados com a proibição, os humoristas cariocas que estrelam o stand up comedy “Comédia em Pé”, Fabio Porchat, Claudio Torres Gonzaga Fernando Caruso, Paulo Carvalho e Léo Lins, estão convocando todos os colegas de profissão, bem como a população, para participarem da passeata “Humor sem Censura”, que acontece no próximo dia 22 de agosto (domingo), a partir das 15 horas, na Praia de Copacabana, para protestar a favor da liberdade de expressão no humor.


Os humoristas do “Comédia em Pé” e seus amigos fazem a concentração da passeata em frente ao Copacabana Palace. Na sequência, os manifestantes seguem a pé até o Leme, onde fazem a leitura do Manifesto “Humor sem Censura”, quando recolherão assinaturas para um abaixo-assinado, que será entregue ao ator Sérgio Mamberti, Presidente da Funarte, que o encaminhará ao Ministro da Cultura, Juca Ferreira, no propósito que o MinC (Ministério da Cultura) leve essas considerações ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para que se reverta esta censura.


As trupes do Rock Bola, Pânico, Casseta & Planeta, Os Caras de Pau, Melhores do Mundo (DF), Zorra Total, Clube da Comédia (SP), Os Barbichas (SP) e Plantão de Notícias já confirmaram participação na passeata. Também marcam presença Danilo Gentili e a trupe do CQC, Marcos Mion e a galera de Os Legendários, Marcelo Adnet e Comédia MTV, além dos humoristas Bruno Mazzeo, Leandro Hassum, Paulo Bonfá, Fabiana Karla e do cartunista Chico Caruso. Sites de humor, como Kibe Loco, Jacaré Banguela, Anões em Chamas, dentre outros, também estarão representados no evento. Ainda estão sendo convocados todos os redatores de humor da TV, rádio, imprensa escrita e humoristas dos espetáculos em cartaz.


A indignação dos humoristas é decorrente da recente resolução do TSE, que proíbe os programas humorísticos a fazerem piadas ou ridicularizarem quaisquer candidatos, partidos políticos e/ou coligações. A resolução nº 23.191/2009 é uma atualização da Lei Eleitoral nº 9.504/97, originalmente promulgada em 1997, que normatiza como deve ser a propaganda eleitoral, registro de candidatos, realização de coligações, dentre outras condutas. Segundo o Decreto, as emissoras de TV que descumprirem a lei estão sujeitas ao pagamento de multa que pode chegar ao valor de R$ 100 mil reais e, no caso de reincidência, o valor pode ultrapassar os R$ 200 mil.


É a primeira vez que os principais grupos de humor brasileiros se reúnem em uma parceria pela cidadania e que se convoca a população através da internet. “Estamos lutando para exterminar qualquer resquício de censura que ainda exista, somos a favor da democracia, e portanto, da liberdade de expressão. Essa lei é o exemplo de que se não ficarmos atentos todo o tempo, o fantasma da ditadura pode voltar a nos assombrar. Deixem que as pessoas decidam por elas mesmas de qual piada devem rir”, afirma Fábio Porchat, do Comédia em Pé.


Seguem alguns trechos do Artigo 28, do Decreto Lei:

Art. 28.  A partir de 1º de julho de 2010, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário (Lei nº 9.504/97, art. 45, I a VI):

I – transmitir, ainda que sob a forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível identificar o entrevistado ou em que haja manipulação de dados;
II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação, bem como produzir ou veicular programa com esse efeito;
III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido político ou coligação, a seus órgãos ou representantes; (...)

§ 4º Sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 45 desta resolução, a inobservância do disposto neste artigo sujeita a emissora ao pagamento de multa no valor de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais), duplicada em caso de reincidência (Lei nº 9.504/97, art. 45, § 2º) (...)

cartaz de NANI

August 16, 2010

O óbvio ululante

Jogadores excepcionais não simplesmente se somam, mas se multiplicam

José Miguel Wisnik

Hoje eu quero simplesmente fazer a festa do óbvio ululante. O óbvio ululante, neste caso, é: nada como a seleção brasileira de futebol ser uma seleção brasileira de futebol. Nada como chamar para jogar melhor quem melhor sabe jogar. Nada como aceitar o poder da renovação. Nada como não querer impedir que isso aconteça. As circunstâncias do amistoso contra os Estados Unidos, na última terça-feira, assim logo depois da Copa, fizeram com que a partida assumisse, quisessese ou não, um caráter de prova e de contraprova.

Como se comportaria então aquela parte do futebol brasileiro que Dunga renegou, chamada em peso por Mano Menezes, agora com volantes jovens e inteligentes como Lucas e Hernanes a se somarem a Ramires, com um cérebro cheio de vislumbres e um domínio pleno da bola como os de Paulo Henrique Ganso, com atacantes ágeis e surpreendentes como Neymar e Alexandre Pato a se somarem a Robinho?

Com um dia e meio de treino, o resultado foi melhor que a encomenda, e está longe de se resumir no placar de dois a zero. O que se viu foi uma troca rápida e contínua de passes que mantinha a posse de bola e inventava entradas súbitas e verticais, com deslocamentos, dribles oportunos e cruzamentos precisos. Imobilizar e inibir as iniciativas de um adversário como os Estados Unidos (cujos componentes jogaram a Copa e não fizeram má figura) a partir de uma postura atacante e destemida é algo que depende do talento em todos os fundamentos.

Mas é justamente a aliança entre o toque de bola refinado e a inteligência imediata das variações do espaço do campo que produz, quando a c o n t e c e , u m efeito de lumin o s a a l e g r i a , gritando em sua obviedade: jogadores excepcionais não simp l e s m e n t e s e somam, mas se multiplicam. Essa evidência vai c o n t r a a q u e l a atitude mental que não se permite passar além da conta de somar e de diminuir, da troca de um por um e de seis por meia dúzia.

Nesse sentido, essa jovem seleção brasileira que gratificou o nosso gosto pelo futebol é, pela atitude, uma espécie de Santos Futebol Clube mais encorpado, a confirmação daquilo que o time santista trouxe de volta como afirmação de um campo de possibilidades que faz da incompatibilidade entre beleza e resultado uma falsa questão.

O Santos, aliás, que fez de seu ano até aqui uma demonstração viva desse fato, já tinha por isso mesmo suscitado ou ressuscitado a figura rodriguiana do “idiota da objetividade”.

(Vocês estão vendo que a minha festa do óbvio ululante é também uma homenagem ao Nelson Rodrigues cronista de futebol e ao inclassificável João Saldanha técnico de futebol e escritor). Há muito tempo o “idiota da objetividade” parecia aposentado por não ter muito com o que contrastar: o mundo do futebol dominante parecia ser uma extensão da ideia de que toda aventura do princípio do prazer está condenada ao brejo. É que o “idiota da objetividade” extrai prazer exatamente da maneira fingidamente realista com que investe no desejo desse fracasso.

É ele que está me dizendo agora, por exemplo, que esse jogo com os Estados Unidos foi apenas um episódio sem maior significação, uma partida sem compromisso, valendo nada, contra um time nem tão bom nem tão interessado, com o Brasil lançando estreantes que deverão ser substituídos oportunamente pelos verdadeiros titulares, mais experientes.

Como se a gente não soubesse que as verdadeiras dificuldades estão pela frente, que o efeito atual da surpresa encontrará oponentes mais fortes e mais avisados (Mano Menezes tem consciência disso), que o time jovem deverá s e r m e s c l a d o com a experiência, que só vai crescer evidenciando também suas fragilidades e contradições, que nada está ganho.

Mas nada está g a n h o n u n c a , nem para sempre — gozemos d u r a n t e . N ã o acredito literalmente na objetividade das estatísticas futebolísticas, mas sei que elas podem trazer indícios interessantes e sintomáticos. A seleção da E s p a n h a , p o r e x e m p l o , mostrou uma qualidade rara nesta Copa, que a fez campeã: a posse de bola, a troca rápida de passes, superando o número de 500 por jogo, traduzindo-se em belos deslocamentos, cortaluzes e domínio territorial.

Leio no entanto sobre os números do jogo do Brasil algo que confirma a impressão: a amostra de passes rápidos da seleção brasileira nesse jogo supera os 600, com um altíssimo grau de acerto (93%), superior à excepcional média espanhola, acrescido ainda de oportunidades de gol, finalizações e dribles inesperados que, como sabemos, não foram o forte da Espanha campeã. No perfil da vocação futebolística brasileira, a conferir em outros campos, a eficácia cresce sintomaticamente com a própria gratificação da liberdade de criação, e não o contrário.

Hoje sou todo a alegria do desafogo, porque o tamanho dessa potencialidade criativa e lúdica estampada no jogo — óbvia e ululante como potencialidade — esteve na sombra e à míngua

O Globo, 14 de agosto de 2010

August 14, 2010

Horário eleitoral sem graça

HELIO DE LA PEÑA



Deixar o humor de fora do processo eleitoral não eleva o nível das campanhas, não esclarece o povo e não torna os políticos mais respeitáveis


"E se a gente fizesse um jingle dizendo que agora o Lula está apoiando o Collor, e que o Collor apoia a Dilma?". Essa ideia poderia ter surgido numa reunião do "Casseta", do "Pânico" ou do "CQC".
Mas não, o jingle existe e faz parte da campanha eleitoral de 2010.
Segundo as novas regras do TSE, os humoristas estão proibidos de fazer piadas sobre os candidatos.

Mas eles podem. O que é isso?
Reserva de mercado?

A lei eleitoral nº 9.504/97 impede que emissoras de rádio e TV utilizem "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação".

A intenção era manter o debate eleitoral em bom nível, coibindo os candidatos de produzir propagandas que, ao invés de propostas, apresentem retratos grosseiros e caricatos de seus adversários. E o que nós, humoristas, temos a ver com isso?

Ao estender o rigor da lei aos programas humorísticos, ficamos proibidos de abordar um dos temas mais importantes da vida pública neste ano. Não podemos por o dedo nesta ferida, a população não pode rir da política, tem que levá-la mais a sério que os próprios políticos.

A impressão que temos é que os candidatos são uns pobres indefesos, vítimas das piadas. Os políticos brasileiros estão protegidos por uma legislação absurda e exagerada. É como se os coitados estivessem sofrendo de "bullying" praticado pelos humoristas.

Eles estão quase aparecendo nas propagandas eleitorais acompanhados dos pais para que não zoemos com eles. Não podemos criticá-los ou receberemos uma advertência na caderneta. Completamente diferente do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo.

A última campanha presidencial foi marcada pelo humor e pelo deboche. A comediante Tina Fey ganhou as páginas da imprensa mundial fazendo uma hilária imitação da Sarah Palin, candidata a vice na chapa de John McCain.

A própria Sarah fez uma participação no programa "Saturday Night Live" e não atribui sua derrota a esse fato. Ela tem certeza de que o público sabia que se tratava apenas de um programa de humor e que nada do que fosse falado ali era para ser levado a sério.

Deixar o humor de fora do processo eleitoral não eleva o nível das campanhas, não esclarece a população e não torna nossos políticos mais respeitáveis. Pelo contrário, enfraquece o debate, tira a corrida presidencial das conversas nas esquinas e nos cafés das empresas.

Impede o candidato de rir de si mesmo e, quem sabe, corrigir o rumo de sua campanha. Não estamos lutando pelo direito de difamar ou ferir a honra de ninguém, mas amordaçar nossos candidatos Dilmandona, José Careca e Magrina da Silva é um gol contra a democracia.

Impedir que a Sabrina Sato convença os presidenciáveis a dançar o "Rebolation", proibir que o "CQC" utilize recursos gráficos para nos fazer rir dos políticos é patético. Definitivamente, não é esta a forma de conscientizar o eleitorado da importância do pleito.

O público conhece os programas humorísticos e sabe quais são suas propostas. Cabe ao políticos apresentar as suas com seriedade, de forma que o povo não as confunda com as dos humoristas.


HELIO DE LA PEÑA é humorista do "Casseta & Planeta", exibido pela TV Globo.


Folha, 8 de agosto de 2010