
EUCLIDES DA CUNHA: O centenário da morte do escritor não foi tão badalado quanto o de Machado de Assis, ano passado, mas talvez tenha motivado lançamentos mais importantes. A “Poesia reunida” (Unesp), organizada por Leopoldo Bernucci e Francisco Foot Hardman, aumentou em muito o número de poemas editados do autor, corrigiu erros de edições anteriores e contribuiu para abrir todo um novo campo de estudos euclidianos. Igualmente importante é a biografia “Euclides da Cunha: uma odisseia nos trópicos” (Ateliê Editorial), do pesquisador americano Frederic Armory, que morreu em fevereiro, antes de ver seu trabalho publicado. Baseado numa pesquisa exaustiva, e sem o partidarismo de estudiosos anteriores, Armory produziu uma obra de referência para a compreensão da vida e também dos livros de Euclides. A nova edição revista e ampliada das “Obras completas” (Nova Aguilar) tem importância óbvia, e, entre os muitos estudos críticos, “Euclidiana” (Companhia das Letras), de Walnice Nogueira Galvão, se destaca.

CLARICE, de Benjamin Moser (Cosac Naify): Apaixonado pela obra de Clarice Lispector, o americano Benjamin Moser trabalhou por cinco anos nesta biografia, que conseguiu, por um lado, reavivar o interesse pela autora no exterior (principamente nos Estados Unidos, onde o livro foi bem acolhido por crítica e público) e, por outro, apresentar ao leitor brasileiro um olhar particular sobre ela. Refazendo o percurso de Clarice de sua aldeia natal, na Ucrânia, até o Rio, Moser investiga as raízes judaicas da escritora e coloca sua obra no contexto social e político do Brasil da época. Sem grandes revelações sobre a autora, a biografia se constrói em torno dos mistérios de sua vida e de sua escrita.
O FILHO DA MÃE, de Bernardo Carvalho (Companhia das Letras): Como em outros livros seus, neste romance Bernardo Car valho maneja com maestria as convenções da escrita realista, para de modo traiçoeiro por em questão as convicções do leitor a respeito da psicologia humana, das identidades e da própria literatura. Tendo como pano de fundo a guerra entre Rússia e Tchetchênia, o livro flerta com o melodrama, mas recusa o sentimentalismo para construir um cenário pautado pelo ódio étnico, pelo militarismo e pela homofobia.
CAIM, de José Saramago (Companhia das Letras): Vinte anos depois de “O evangelho segundo Jesus Cristo”, o escritor português volta a se inspirar na Bíblia, desta vez tomando como mote a história do irmão assassino de Abel para criticar os dogmas e as contradições da religião. Com um humor corrosivo, Saramago sugere que o crime expõe a crueldade e o capricho de deus (sempre em letras minúsculas para o autor ateu), que teria desprezado os sacrifícios de Caim em prol daqueles oferecidos por Abel.
MEU AMOR, de Beatriz Bracher (Editora 34): Em seu primeiro livro de contos, Beatriz — autora dos romances “Azul e dura” (2002), “Não falei” (2004) e “Antonio” (2007), este último finalista dos prêmios Jabuti, São Paulo de Literatura e Portugal Telecom — amarra delicadamente diversas narrativas em torno das múltiplas expressões do amor. São encontros, desencontros, alegrias, expectativas, perdas, rejeições, que revelam ao leitor o que o amor tem de mais concreto: a multiplicidade de vozes.
LEITE DERRAMADO, de Chico Buarque (Companhia das Letras): O quarto romance publicado por Chico Buarque é protagonizado por Eulálio Montenegro d’Assumpção, patriarca de uma família tradicional e decadente.
No leito de morte, ele dita suas memórias para uma figura feminina na qual se confundem uma enfermeira, sua filha e sua ex-mulher. Mais que a vida de um personagem, o que “Leite derramado” oferece é um painel ao mesmo tempo ambicioso e conciso de dois séculos de História brasileira, borrado pelas deformações da memória do narrador.
CINE-PRIVÊ, de Antonio Carlos Viana (Companhia das Letras): A epígrafe bíblica escolhida por Viana para abrir o livro — “Toda a cabeça está enferma, e todo o coração abatido” — dá o tom do que está por vir: vinte contos sobre personagens desamparados e desesperançosos, escritos numa linguagem seca, que não abre espaços para a redenção. Autor de “Aberto está o inferno” (2004) e “O meio do mundo e outros contos” (1999), o contista sergipano confirma nesta nova obra o domínio da narrativa e o apreço pela concisão.
O CONTROLE DO IMAGINÁRIO E A AFIRMAÇÃO DO ROMANCE, de Luiz Costa Lima (Companhia das Letras): A percepção de que a literatura brasileira era submetida a exigências recorrentes de exotismo e engajamento levou o crítico Luiz Costa Lima a desenvolver nos anos 1980 a noção de controle do imaginário, depois estendida à idade moderna. Com esse estudo, ele refina o conceito e mostra como o romance foi objeto de tentativas de controle desde seu nascimento, devido a sua vinculação com o prosaico e ao abandono dos tons e temas elevados da épica.
A MINHA ALMA É IRMÃ DE DEUS, de Raimundo Carrero (Record): Com este romance , Carre ro completa sua tetralogia “Quarteto Áspero”, formada também por “Maçã agreste”, “Somos pedras que se consomem” e “O amor não tem bons sentimentos”. Em “A minha alma é irmã de Deus”, Camila, uma jovem solitária do Recife, conhece o pastor e músico Leonardo, da seita Os soldados da Pátria por Cristo, e segue com ele numa viagem pelo interior do Nordeste. Mas, ao ser abandonada pelo mentor, ela vê suas certezas desmoronarem.
A LITERATURA EM PERIGO, de Tzvetan Todorov (Difel): Um dos principais nomes da crítica literária estruturalista, Tzvetan Todorov causou controvérsia ao dizer que críticos, professores e até escritores têm contribuído para tornar a literatura irrelevante na sociedade contemporânea.
Em parte por culpa do próprio estruturalismo, diz, a crítica hoje se ocupa mais de seus conceitos e divisões do que da relação dos livros com o mundo. Entre o ensaio e o libelo, Todorov faz o mea culpa e defende uma reaproximação entre a literatura e a vida.
Os melhores de 2009 na literatura foram escolhidos pela equipe do Prosa & Verso (Guilherme Freitas, Mànya Millen, Miguel Conde e o crítico José Castello)
O Globo, 28 de dezembro de 2009
No comments:
Post a Comment