January 19, 2014

Troca-troca (2)


Ilhas do Rio: É hora de zarpar




A barca abandona a estação da Praça Quinze ao som de vendedores ambulantes cantando “olha a água, olha o picolé”, povoada por personagens carregados de isopores, muitos protegidos por chapéus e com telefones celulares em punho para bater fotografias da Baía de Guanabara com o Pão de Açúcar e o Cristo ao fundo. O cenário, de repente, muda de posição, e o Corcovado é reverenciado de um ângulo bem diferente.

O continente fica para trás. O destino é Paquetá, e o que leva um monte de gente para lá nos fins de semana ensolarados é o prazer de aproveitar um dia numa ilha com oito quilômetros de extensão rodeada por atrações que vão de uma volta de charrete a uma roda de samba e um refrescante banho de mangueira na calçada de um restaurante. Há também quem arrisque um mergulho no mar — no boletim divulgado pelo Inea na última terça, as praias da Ribeira e da Moreninha estavam pró-pri-as.

Chegar a Paquetá é prático e barato: as barcas saem de hora em hora da Praça Quinze e levam mais ou menos 60 minutos para atravessar a Baía (e, entre outros momentos curiosos, passar sob a Ponte Rio-Niterói). Como lá não circulam carros, um passeio de charrete pelas praias Grossa, Gaivotas, Moreninha, entre outras é a parada.

- É uma pescaria; tem dias que tem maior procura, e outras são de baixa. Dá movimento mesmo no verão - conta o charreteiro José Batista.



Outra opção na Ilha - que foi refúgio de Dom João VI e abrigou o patriarca da independência, José Bonifácio - é o táxi eletrico, como são chamadas as bicicletas coletivas.

Fora os roteiros guiados, a atração número 1 de Paquetá são as rodas de samba. Todo terceiro domingo do mes (como este próximo) tem. Hoje quem se apresenta no Iate Clube a partir das 13h30n é o Grupo Jequitibá.

Em 1º de fevereiro, a moradora ilustre Cristina Buarque de Hollanda (irmã de Chico) convida o Terreiro Grande para tocar pérolas de Candeia e Cartola, no mesmo lugar.

- O grupo é de São Paulo e fica louco quando chega aqui, com esse sossego, sem nenhum trânsito... - comenta Cristina, que só se desloca de bicicleta.



Também agita a programação cultural o Domingo no Darke, no Parque Darke de Mattos - evento trimestral que reune música, teatro de rua e artesanato locais, além de exposições de fotografia. O próximo será em 26 de janeiro.

E que tal um banho de mangueira para abstrair o calor? No bar da Tia Lloyde, na Praia José Bonifácio, a mordomia rola na própri calçada, onde também ser servidos peixinho frito com pirão e cerveja de garrafa. Mas o melhor, mesmo, é que não tem taxa de serviço, e você ainda se diverte com a dona figuraça, que, em tom brincalhão, chama a garçonete de "despacho de macumba" e recebe o apelido de Rivotril em troca.

Partiu mar adentro? Ou prefere enfrentar mais um fim de semana de praias lotadas? Escolha difícil essa...


CAROLINA RIBEIRO


fotos DANIELA DACORSO 

publicado no suplemento RioShow
O Globo, janeiro de 2014.

August 3, 2013

CASO AMARILDO - HIPÓTESES


A nova versão no caso Amarildo, é de que ele teria sido capturado por uma facção do narcotráfico ao sair da UPP, assassinado e o corpo levado da favela por um caminhão da Conlurb que o jogou no lixão do Cajú, tudo com o objetivo de inculpar a PM. Como as câmeras comunitárias não
funcionaram neste dia, não é possível confirmar a saída de Amarildo da UPP. Essa versão, que vem das investigações policiais, e do próprio secretário Beltrame respondendo a ministra dos Direitos Humanos, é ainda mais dramática do que a anterior. Afinal, a Rocinha era dita como “pacificada” e de repente a polícia afirma o contrário, inclusive identificando mais de uma facção do poder paralelo do narcotráfico naquela comunidade, que deveria estar livre desse problema, conforme o reiterado discurso do governador.


Portanto, há pelo menos três hipóteses do caso Amarildo: a primeira e melhor, Amarildo está vivo e escondido por alguém que não quer que ele apareça por motivos aleatórios; segunda, Amarildo foi vítima fatal de um “acidente do trabalho policial” no interior da UPP e o corpo levado para desova numa viatura sem GPS localizador; terceira, após liberado Amarildo, supostamente envolvido com o narcotráfico, foi capturado por uma facção rival, para incriminar a PM.


Infelizmente todas hipóteses sobre o caso demonstram o descompasso do discurso oficial com a realidade, expondo a fragilidade e inconsequência da segurança pública do estado, sobretudo nas comunidades tradicionalmente abandonadas pelo poder público. Contudo, o que mais incomoda a todos nós, é a empedernida insistência do governo de justificar seus erros e o equívoco de suas políticas.

Investigações policiais no Brasil têm sido corriqueiramente utilizadas para torcer a verdade e proteger pessoas e instituições, apostando na fragilidade e esquecimento da opinião pública. É mais que possível que o caso não seja elucidado, e pior, que jamais se saiba onde está Amarildo.

- Márcio Donicci 

February 17, 2013

A nova elite do Congresso do PMDB

Senadores e deputados devem refletir sobre a seleção que vem sendo escalada para dirigir o Congresso e ocupar cargos relevantes no plenário. A cúpula do Parlamento tem algo como 20 posições de destaque, que refletem a essência da liderança das duas Casas. Sempre houve casos esparsos, e graves, em que foram escolhidos parlamentares com mais prontuário que biografia. Jamais chegou ao que se está armando agora.

Para a presidência do Senado, o favorito é Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele já esteve nessa cadeira (ocupada pelo padre Diogo Feijó) e em 2007 renunciou porque foi revelada uma rede de relações perigosas na qual a empreiteira Mendes Júnior pagava as despesas da namorada com quem tivera uma filha.

O episódio valeu à senhora a oportunidade de posar para um ensaio de J. R. Duran na revista "Playboy".

Para a presidência da Câmara, já ocupada por Ulysses Guimarães, o favorito é o deputado Henrique Alves (PMDB-RN). Mantinha em sua assessoria (paga pela Viúva) o sócio da empresa Bonacci Engenharia, que recebeu R$ 6 milhões em verbas federais direcionadas para obras em 20 municípios do Rio Grande do Norte governados por correligionários. Na sede da empresa, o repórter Leandro Colon encontrou o bode Galeguinho.

Para a vice-presidência da Câmara, a bancada do PT escolheu o deputado André Vargas. Há poucos dias, quando o ex-governador gaúcho Olívio Dutra disse que José Genoino deveria renunciar ao mandato, Vargas exibiu a ética do PT 2.0: "Quando ele passou pelos problemas da CPI do Jogo do Bicho, teve a compreensão de todo mundo. (...) Ele já passou por muitos problemas, né?"

Para a liderança da bancada do PMDB de Calheiros e Alves, exercida em outros tempos por Mario Covas, o favorito é o deputado Eduardo Cunha (RJ). Começou sua carreira política durante o collorato, quando tinha o beneplácito de Paulo Cesar Farias. Tornou-se poderoso padrinho nas Centrais Elétricas de Furnas e no seu fundo de pensão. Em 2011, fechou todos os salões do Copacabana Palace para uma festa familiar com mil convidados. Tem o apoio de Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes.

Cunha disputa o lugar com o deputado Sandro Mabel, um dos homens mais ricos do Congresso. Acusado de ter oferecido R$ 1 milhão de luvas e R$ 30 mil de mesada a uma colega para que mudasse de partido, viu-se absolvido pelo plenário.

Na liderança do PT está o deputado José Guimarães (CE), irmão de José Genoino, ex-presidente do partido, que aguardará no plenário o desfecho da sentença do Supremo Tribunal Federal que o condenou a seis anos e 11 meses de prisão, impondo-lhe uma multa de R$ 468 mil. Em outra encarnação, ele liderou a bancada petista.

Em 2005, um assessor de Guimarães foi preso no aeroporto de Congonhas com R$ 200 mil numa mala e US$ 100 mil na cueca.

Juntos, o PMDB e o PT controlam 31 da 81 cadeiras do Senado e 165 das 513 na Câmara.
Essa nova elite parlamentar reflete um sentimento das bancadas e de boa parte do plenário. Elas seguem uma norma de don Vito Corleone:

"Para mim, não tem importância o que uma pessoa faz para ganhar a vida. Entendeu?"

ELIO GASPARI


ilustração de CRUZ


March 15, 2012

Angeli em crise


Em transição, cartunista da Folha é tema de mostra com desenhos, esboços e charges

Gabo Morales/Folhapress

Autorretrato de Angeli, em cartaz na mostra
Autorretrato de Angeli, em cartaz na mostra
MARCOS DÁVILA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A tira só tem um quadrinho. É o desenho de uma cobra com rosto de homem, em pleno processo de troca de couro. Não há balõezinhos nem palavras.
Essa tirinha hipotética bem poderia fazer parte da série "Angeli em Crise", do cartunista da Folha. Afinal, é assim que Angeli, 55, tem se sentido nos últimos três anos: trocando de pele aos olhos dos leitores. Diariamente.
"Tudo o que eu andava fazendo tinha virado uma fórmula. Senti que estava começando a colocar o pé na cova", afirmou o artista em entrevista por telefone.
"Resolvi mudar. Abandonei personagens e fiquei sem nada. Entrei numa crise real, não só na brincadeira do personagem Angeli em Crise."
É nesse momento de transição que o criador (e destruidor) dos anti-heróis mais ácidos dos quadrinhos brasileiros, como Rê Bordosa e Bob Cuspe, ganha a "Ocupação Angeli", em cartaz no Itaú Cultural a partir desta sexta.
Com curadoria da arquiteta e designer Carolina Guaycuru, 35, a mostra conta com mais de 800 obras. Entre elas, 80 são originais.
"Claro que os personagens e as charges políticas estão ali, mas buscamos outro lado, de esboços e desenhos mais gráficos", afirma a curadora, que é companheira de Angeli há mais de 15 anos.
O mote da ocupação é uma estilização do estúdio de criação, onde o cartunista passa 20 horas por dia debruçado sobre a prancheta. Esta, assim como as mapotecas, também faz parte da cenografia da arquiteta Patrícia Rabbat.
Mesmo sem ter um foco retrospectivo, a mostra terá obras do início da carreira de Angeli, que começou aos 14 anos. Um exemplo é o Feijãozinho, sua primeira publicação na Folha, em 1973. "Ele foi inspirado nos personagens do Ziraldo, era um garoto do bem, coisa que não faria hoje", conta ele.

CARTUM 'DO BEM'
 
Personagens "do bem" nunca fizeram companhia para figuras como a dupla revolucionária Meiaoito e Nanico, o porco chauvinista Bibelô e o guru mulherengo Rhalah Rikota, entre outros tantos desajustados que ganharam fama na revista "Chiclete com Banana", um marco da história dos quadrinhos nos anos 1980. Todas as capas estarão na exposição.
E preparem-se fãs: Angeli e Laerte estão planejando lançar uma nova revista.
Antes ainda dos personagens, Angeli publicava charges políticas desde 1975. "A política brasileira é quase uma ópera bufa. Minha posição é sempre ser duro."
Em suas tiras, que saem todos os dias nesta "Ilustrada", ele passou a usar menos texto e a valorizar mais o desenho. "Às vezes, alguém fala que não entendeu a tira, mas é porque espera algo que eu não faço mais."
Nem mesmo ele sabe como e quando vai terminar essa crise, mas de uma coisa Angeli está seguro: "Busco um humor mais porrada".


RHALAH RIKOTA (desaparecido desde 2006)
Terá o guru mulherengo alcançado o nirvana em algum sex shop?

BIBELÔ (desaparecido desde 2002)
Será que o machão vaga pelos escombros do Bar Riviera?

WOOD E STOCK (desaparecidos desde 2006)
Terão os dois hippies embarcado numa "trip" de LSD sem volta?


OCUPAÇÃO ANGELI
QUANDO abre sex., dia 16, até 29/4; ter. a sex., das 9h às 20h, e sáb. e dom., das 11h às 20h
ONDE Itaú Cultural (av. Paulista, 149; tel. 0/xx/11/2168-1777)
QUANTO grátis

July 29, 2011

Amy Winehouse: caretice autodestruitiva

Por Heitor Pitombo 

“Artistas como Amy Winehouse vivem em tempos nos
quais as drogas, efetivamente, encaretaram a música"

 Dizem que as mortes de Brian Jones, Jim Morrison,
Jimi Hendrix e Amy Winehouse foram deliberadamente
provocadas pelo consumo de drogas. Ora... Cobain
se encheu de Valium e heroína mas só morreu mesmo
porque se suicidou com um tiro. Joplin aplicou uma
dose de heroína cuja concentração, acidentalmente,
estava muito acima do normal. Hendrix tomou barbitúricos
e deu o azar de passar mal e engolir o próprio
vômito. O caso de Amy foi outro, seja qual for o resultado
da autópsia. A cantora teve a maior parte de
sua carreira pautada nos episódios em que expunha
sua decadência física. Com tanto espaço dado pela mídia
para tais efeitos, e com o próprio tempo que ela
dedicou ao uso de drogas —, a música, principalmente
depois do sucesso de “Back to Black”, acabou ficando
em segundo plano.
Dizer que Amy está em pé de igualdade com cantoras
seminais da soul music e do jazz, como Aretha
Franklin, Nina Simone, Etta James e Dinah Washington,
é um baita exagero. Ela, no máximo, reciclou o estilo,
que andava em baixa. A vivência com as drogas influenciou
as letras de suas canções, mas não abriu portas
para novos caminhos musicais. Artistas como Amy
vivem em tempos nos quais as drogas, efetivamente,
encaretaram a música.
Mas nem sempre foi assim. A
heroína, apesar do efeito letal
que trouxe para uma enorme
gama de jazzistas entre os anos
1940 e 1960, serviu de combustível
para o som que faziam. Se
os picos na veia não ajudaram
Charlie Parker a ser mais genial
e revolucionário do que já era,
dado ao seu estado avançado
de dependência, discos como o
genial “Jazz at the Massey Hall”
jamais poderiam ter sido gravados
não fosse pelo efeito
apaziguador da droga. Se Miles
Davis morreu por conta da obsessão
por heroína, ela fazia
parte do ambiente que despertou
no trompetista as ideias
que o levariam a criar, nos anos
1950, o cool jazz. A extensão
vocal de Billie Holiday, por conta
do consumo de drogas, foi diminuindo. Mas é justamente
em um de seus últimos e melhores discos,
“Lady in Satin”, que ela conseguiu se valer de suas limitações
técnicas para impostar a voz de um jeito que
mesclava fragilidade física e desenvoltura emocional.
Na década de 1960, o LSD e o psicodelismo mudaram
a história do rock. “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts
Club Band”, dos Beatles, seria um disco completamente
diferente se John e George não tivessem experimentado
ácido em 1965. A influência da substância no processo
criativo e nas paisagens descritas é inegável. Os
happenings que balançaram a Swinging London em
1967 — onde o LSD era recomendado aos seus freqüentadores
— fomentaram um novo som que rompeu
as amarras que a música pop tinha com fórmulas
mais antigas. Eventos como o 14 Hour Technicolor
Dream Extravaganza ajudaram o Pink Floyd a formatar
o seu som. Com o andar dos anos 1970, a energia criativa
motivada pelo LSD foi sendo substituída pela aridez
artística da cocaína, que por conta da natureza de
seu consumo — em que carreiras são cheiradas seguidamente
— roubou o tempo antes dedicado ao fluxo
criativo. Existe coisa mais careta do que Elis Regina
ter desperdiçado sua vida com uma substância que
não trouxe nada para a sua música? 

HEITOR PITOMBO é músico e jornalista da 
Revista de História da Biblioteca Nacional

O Globo, 28 de julho de 2011

 

June 25, 2011

Preconceito mora ao lado do Sítio do Picapau Amarelo?


Professores debatem futuro de Monteiro Lobato após polêmica sobre racismo


Alessandra Duarte e Dandara Tinoco


Marina Cartum,  8 anos: para o pai, Lobato dá  chance de se discutir racismo / Eliária Andrade

RIO - "Não reparem ser preta. É preta só por fora, e não de nascença. Foi uma fada que um dia a pretejou, condenando-a a ficar assim até que encontre um certo anel na barriga de um certo peixe. Então o encanto se quebrará e ela virará uma linda princesa loura". É Tia Nastácia, na apresentação feita por Narizinho em "Reinações de Narizinho". É também um dos motivos que levaram o autor Monteiro Lobato a se tornar pivô de uma polêmica envolvendo Ministério da Educação, professores e pais: a grande obra da literatura infantil brasileira, criadora de todo um universo, é racista?

Para profissionais de educação, esse debate pode até afetar o uso, pelos colégios, da obra de Lobato pelas futuras gerações de alunos. Independentemente de a obra ter ou não elementos racistas, professores já afirmam que ela deve ser sempre trabalhada mostrando-se aos alunos o contexto histórico - uma sociedade com resquícios escravocratas - no qual ela foi escrita.

A polêmica começou em outubro de 2010, quando parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendava que "Caçadas de Pedrinho" fosse distribuído às escolas públicas com nota explicativa sobre a presença de estereótipos raciais, que, dizia, estavam em trechos como "Tia Nastácia (...) trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima". O ministro da Educação, Fernando Haddad, rejeitou o parecer.

Semana passada, a discussão voltou, após o MEC informar que distribuirá a professores um livro que os orienta sobre como lidar com temas como preconceito - e, aí, cita Lobato. "Podemos inferir de suas obras (...) preconceitos e formas de discriminação facilmente atribuíveis a esse momento de nossa História (...). Entretanto, dizer que os livros infantis de Lobato são preconceituosos e recusá-los ou censurar passagens, em nome do combate ao preconceito, é esquecer que são ficções".

"Contradições do seu tempo"

 Há professores que adotam Lobato para alunos mais velhos, que já entendem o contexto histórico. No Colégio Santo Agostinho, Zona Sul do Rio, o autor não está no programa obrigatório do ensino fundamental, só no do 3 ano do ensino médio.
- Tem que ter a idade para (Lobato) ser trabalhado. Houve um histórico de que Lobato era para criança por causa do "Sítio do Picapau Amarelo". Achamos uma grande besteira trabalhar por trabalhar, porque a vovó leu - diz Teresinha Bregalda, coordenadora de língua, literatura e redação do colégio.

Em outras escolas, Lobato continua sinônimo de livro para crianças de todas as idades. No Pedro II, também no Rio, professores afirmam que seus livros permanecem sendo adotados no ensino fundamental.

Biógrafa de Lobato e curadora de sua obra, a historiadora Marcia Camargos crê que há, sim, risco de o autor passar a ter pecha de preconceituoso e que isso diminua seu uso:
" Se começarmos com essa censura, teríamos que banir Shakespeare (Marcia Camargos) "

- Espero que isso não ocorra, seria miopia. Ele, como clássico, reflete as contradições de seu tempo. Se começarmos com essa censura, teríamos que banir Shakespeare por causa da imagem de judeu avaro em "O mercador de Veneza", por exemplo - diz. - O Lobato expõe a exclusão na sociedade. Se algo do começo do século passado incomoda tanto até hoje, é porque isso continua presente.

Para Marcia, que acha desnecessária a cartilha do MEC com orientações a professores, o autor não seria racista - apesar de, no começo deste ano, cartas dele a a amigos, reveladas pela revista "Bravo", terem mostrado um Lobato simpático à organização racista Ku Klux Klan.
- Uma das histórias que a neta de Lobato (em um dos livros de Marcia, "Juca e Joyce - Memórias da neta de Monteiro Lobato") contou foi que certa vez chegou na casa deles, para jantar, um jovem escritor negro. A empregada deles, negra e que inspirou Nastácia, não quis servi-lo, pois ele "não sabia o lugar dele"; Lobato disse a ela que ele era uma visita como qualquer outra - diz Marcia, para quem boa parte do que poderia ser racista vem de Emília, "que é mesmo politicamente incorreta".

Uma das organizadoras de "Monteiro Lobato - Livro a livro", Marisa Lajolo diz que Lobato, "homem de seu tempo, entusiasmou-se por teorias diversas, algumas hoje execradas":
- Sua correspondência sugere múltiplas e nem sempre compatíveis crenças e práticas, mas delineia uma pessoa sempre disposta a se corrigir.

Intérprete de Tia Nastácia no remake do "Sítio", da TV Globo, entre 2001 e 2006, Dhu Moraes diz que mesmo um autor de clássicos "é capaz de ser infeliz numa colocação":

- Acho que foi o que aconteceu. E, se não foi isso, prefiro acreditar que foi, porque quero ter essa boa vontade com ele - diz Dhu, que acha importante o livro do MEC com orientações aos professores. - O professor vai explicar que aquilo foi escrito em certa época. Sem essa leitura, isso pode pôr por terra toda uma luta por igualdade de direitos.

Também negro, o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos diz que uma explicação crítica feita pelos professores pode "corrigir" os trechos racistas da obra de Lobato:

- Uma criança negra pode se sentir arrasada ao ler essas referências a negros. Hoje ninguém crê que o Brasil é uma democracia racial. Os negros estão entrando na escola. Parte dos leitores de livros infantis são negros e filhos de negros, e é claro que essa garotada não vai gostar de ler isso. Lobato é do tempo em que se acreditava na inferioridade do negro. A tendência é que vá sumindo das listas recomendadas, ao menos alguns de seus livros.
" Uma criança negra pode se sentir arrasada ao ler essas referências a negros "

Relatora do parecer do conselho do CNE sobre "Caçadas de Pedrinho", a professora Nilma Lino Gomes não quis dar entrevista sobre o assunto, dizendo que o conselho ainda não terminou de analisar o parecer depois que ele foi mandado de volta pelo MEC. Perguntada se ela se sentiu alvo de preconceito ao ler a obra de Lobato - Nilma é negra -, ela não respondeu.
Integrante do CNE, a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, diz que o tema volta ao debate em junho:

- Sou radicalmente contra a censura. Esses trechos devem ser trabalhados por professores com sensibilidade, independentemente da idade do aluno - diz Pilar, que lembra-se de ter ficado "incomodada" ao ler, aos 7 anos, o trecho em que Nastácia é comparada a um macaco.
Negra, a professora de História Maria Ferreira recorda-se de, pequena, ter identificado racismo em Lobato através de outro personagem, o Saci. Mãe de Malik, de 5 anos, e de Kayodê, de 2, ela acredita que, lendo as obras sem explicação, crianças podem "introjetar o preconceito":

- Acho que não daria "Caçadas de Pedrinho" para os meus filhos lerem. Daria outras obras de Lobato. Talvez dê ("Caçadas") quando estiverem maiores, com um trabalho para que leiam com olhar crítico.

Pai de Marina, de 8 anos, o arquiteto Marcos Cartum incentiva que a filha leia Lobato:
- A polêmica é a incapacidade de compreender a obra no contexto histórico. Lobato dá a chance de discutir o racismo.

 
"Todos tomaram café , menos Cinderela. - Só tomo leite - explicou a linda princesa. - Tenho medo de que o café me deixe morena. - Faz muito bem - disse Emília. - Foi de tanto tomar café que Tia Nastácia ficou preta assim...
- trecho de "Reinações de Narizinho


 Só não compreendo por que Deus faz uma criatura tão boa e prestimosa nascer preta como carvão. É verdade que as jabuticavas, as amoras, os maracujás também são pretos. Isso me leva a crer que a tal cor preta é uma coisa que só desmerece as pessoas aqui neste mundo. Lá em cima não há essas diferenças de cor
- Emília, em "Memórias da Emília"
 
O Globo, 22 de maio de 2011 

February 1, 2011

As garras de uma mãe tigresa


Filha de chineses, professora de Yale causa polêmica ao propor educação linha duríssima para as crianças.

Fernanda Godoy

Com um livro provocativo - no qual afirma a superioridade da forma chinesa de educar sobre a americana - Amy Chua, uma filha de imigrantes chineses que chegou ao corpo docente da Universidade de Yale, vem criando grande controvérsia nos Estados Unidos. A defesa de um sistema draconiano  - em que crianças são obrigadas a estudar horas intermináveis de piano e violino, proibidas de brincar ou de ver TV, de dormir na casa de amigos, e são punidas se não tirarem a nota máxima - provocou uma enxurrada de mensagens de ódio, múltiplos artigos na internet e em blogs, e até mesmo ameaças de morte.


"Battle Hymn of the Tiger Mother" virou best-seller, está a caminho de virar filme em Hollywood, e já começa a fazer sucesso na China, onde foi lançado com o título "Ser mãe na América". A polêmica começou com a publicação de trechos do livro no Wall Street Journal, com o título "Why Chinese mothers are superior", que gerou mais de oito mil comentários no site do jornal.

"O que os pais chineses entendem", escreve Amy Chua, "é que nada é divertido até que você seja bom no que faz. Para ser bom em alguma coisa, você tem que trabalhar, e crianças, por conta própria, nunca querem trabalhar, e é por isso que é crucial passar por cima das preferências delas. Isso geralmente requer uma fortaleza da parte dos pais, porque a criança resiste; as coisas são sempre mais difíceis no começo, que é quando os pais ocidentais tendem a desistir". A teoria explicaria por que ela ameaçou queimar os bichos de pelúcia da filha se ela não melhorasse o desempenho no piano.

Amy também conta que devolveu cartões de aniversário feitos pelas filhas, por considerar que não estavam à altura de sua capacidade, e que humilhou a filha mais velha, chamando-a de "lixo" , ao se sentir desrespeitada. Os relatos causaram reações furiosas, de pessoas que queriam denunciá-la por abusos contra menores e até pedir sua prisão. Na sua linguagem crua, Amy reconhece que "o fato é que pais chineses podem fazer coisas que pareceriam inimagináveis - e mesmo sujeito a ações legais - a ocidentais".

As duas meninas, Sophie, hoje com 18 anos, e Louise, de 15, tem currículos escolares brilhantes e viraram prodígios no piano e no violino. Mas Amy admite que teve que recuar um pouco no seu método depois que a filha mais nova se rebelou, aos 13, e abandonou o violino. No livro, Louise diz a uma amiga: "Eu não tenho tempo para nada divertido, porque sou chinesa". As duas meninas a tem acompanhado na platéia de programas de entrevista na TV, demonstrando apoio.

O marido, também professor em Yale, Jed Rubenfield, é judeu americano, e foi pego no meio da polêmica. Uma das respostas mais fortes veio de um artigo de uma mãe judia, Ayelet Waldman, entitulado "Em defesa da mãe ocidental, culpada, ambivalente e preocupada". No New York Times, o colunista David Brooks disse que "Amy Chua é fraca". "Praticar música por quatro horas requer atenção focada, mas não é de longe tão exigente do ponto de vista cognitivo como dormir na casa de amigas de 14 anos. Administrar rivalidades, negociar dinâmicas de grupo, navegar as distinções entre si mesmo e um grupo - esses e outros testes sociais impõem demandas que superam qualquer aula em Yale."

Mesmo Amy Chua, que antes da atual polêmica era mais conhecida por dois livros sobre relações internacionais - o mais recente deles sobre as razões para o declínio de impérios - começou a jogar água na fervura. Em entrevistas às TVs ABC e NBC esta semana, começou a suavizar suas declarações, depois de contar ter recebido ameaças de morte. No Colbert Report - um dos programas de humor de maior sucesso na Tv paga americana - Amy se disse surpresa com as reações.

- É um livro de memórias, era para ser engraçado, uma paródia de mim mesma. O livro fala do sistema de educação dos imigrantes chineses, no qual fui criada, e sobre alguns pontos fortes que vejo nesse sistema, mas também é sobre os meus erros, sobre como tive que recuar - defendeu-se.

Colbert pediu-lhe que não recuasse, dizendo que havia um componente políico que não podia ser desprezado.
- Nós estamos aterrorizados com os chineses, desde a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, quando vimos que eles tem muito mais disciplina do que nós - disse Colbert, em tom de brincadeira.

Na mesma noite, em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama tocou no tema do receio americano de perder a supremacia ao falar das mudanças ocorridas na economia mundial das ultimas décadas.

- Nações como a China e a Índia deram conta de que, com algumas mudanças por sua conta, elas poderiam competir neste novo mundo. E então ela começaram a educar seus filhos mais cedo e por mais tempo, com maior ênfase em Matemática e Ciências - disse Obama, citando que a China possui hoje o computador mais rápido do mundo e a maior unidade privada de pesquisa sobre energia solar.

O Globo, 30 de janeiro de 2011.





December 19, 2010

The making of Trout Mask Replica



Critically acclaimed as Van Vliet's magnum opus, Trout Mask Replica was released in June 1969 on Frank Zappa's newly formed Straight Records label. By this time, the Magic Band had enlisted bassist Mark Boston, a friend of French and Harkleroad. Van Vliet had also begun assigning nicknames to his band members, so Harkleroad became "Zoot Horn Rollo", and Boston became "Rockette Morton", while John French assumed the name "Drumbo", and Jeff Cotton became "Antennae Jimmy Semens". Van Vliet's cousin Victor Hayden, "The Mascara Snake", performed as a bass clarinetist Van Vliet wanted the whole band to "live" the Trout Mask Replica album. The group rehearsed Van Vliet's difficult compositions for eight months, living communally in a small rented house in the Woodland Hills suburb of Los Angeles. Van Vliet implemented his vision by asserting complete artistic and emotional domination of his musicians. At various times one or another of the group members was put "in the barrel," with Van Vliet berating him continually, sometimes for days, until the musician collapsed in tears or in total submission to Van Vliet. Drummer John French described the situation as "cultlike  and a visiting friend said "the environment in that house was positively Manson-esque." Their material circumstances also were dire. With no income other than welfare and contributions from relatives, the group survived on a bare subsistence diet, and were even arrested for shoplifting food (with Zappa bailing them out). French has recalled living on no more than a small cup of beans a day for a month. A visitor described their appearance as "cadaverous" and said that "they all looked in poor health." Band members were restricted from leaving the house and practiced for 14 or more hours a day.

Physical assaults were encouraged at times, along with verbal degradation. Beefheart spoke of studying texts on brainwashing at a public library at about this time, and appeared to be applying brainwashing techniques to his bandmembers: sleep deprivation, food deprivation, constant negative reinforcement, and rewarding bandmembers when they attacked each other or competed with each other. At one point Cotton ran from the house and escaped for a few weeks, during which time Alex Snouffer filled in for him and helped to work up "Ant Man Bee". French, who had thrown a metal cymbal at Cotton, ran after him yelling that he too wanted to come. Cotton later returned to the house with French's mother, who took him away for a few weeks, however he later felt compelled to return as did Cotton. Mark Boston at one point hid clothes in a field across the street, planning his own getaway.

John French's 2010 book Through the Eyes of Magic describes some of the "talks" which were initiated by his actions such as being heard playing a Frank Zappa drum part ("The Blimp (mousetrapreplica)") in his drumming shed, and not having finished drum parts as quickly as Beefheart would have liked. French writes of being punched by band members, thrown into walls, kicked, punched in the face by Beefheart hard enough to draw blood, being attacked with a sharp broomstick, and eventually of Beefheart threatening to throw him out of an upper-floor window. He admits complicity in similarly attacking his bandmates during "talks" aimed at them. In the end, after the album's recording, French was ejected from the band by Beefheart throwing him down a set of stairs with violence, telling him to "Take a walk, man" after not responding in a desired manner to a request to "play a strawberry" on the drums. Beefheart installed a hanger-on, Jeff Bruschelle, as the new Drumbo (playing on French's drumset) and did not include French's name anywhere on the album credits as a player or arranger.

from the Wikipedia

Reação ao WikiLeaks põe internet em risco



Ronaldo Lemos

SÓ SE FALA em WikiLeaks. Faz sentido. O assunto é fascinante e cheio de paradoxos. O site virou emblema das ‘novas mídias’. Mas, sem o apoio da ‘velha mídia’, sua importância seria muito menor.

É curioso ver como os jornais ficam orgulhosos em fazer parceria com o site. Na semana passada, ‘O Globo’ colocava na capa que havia se tornado ‘um dos sete jornais a publicar o conteúdo do WikiLeaks’.

Com isso, o site virou um divisor de águas: há os jornais que estão com ele e os que não estão. É um exercício de poder extraordinário: chamou toda a imprensa a tomar posição e tornou-se impossível ignorá-lo.
Muita gente tem falado que o site mostra como a internet é ‘incontrolável’. Minha visão é diferente.

A reação ao WikiLeaks periga acelerar a transformação da internet de rede aberta em rede fechada e controlável. As forças para que isso aconteça ficaram muito mais fortes depois dos vazamentos.

Vale lembrar que todos os endereços da internet são controlados por uma entidade norte-americana chamada ICANN. Até agora, ela tem mantido uma posição de neutralidade, dizendo que não intervirá.
O problema é que a ICANN é ligada ao Departamento de Comércio dos EUA. Se a coisa apertar, é fácil para o governo americano exercer sua influência.

Além disso, leis cabulosas para controlar a internet estão vindo por aí. Um exemplo é o projeto COICA, que avança rápido. Sob o pretexto de evitar violações dos direitos autorais, ele dá poderes ao governo americano de retirar qualquer site do ar, sem aviso prévio.

Mesmo sites fora dos EUA (como os sites brasileiros que terminam em ‘.com.br’, ‘.org.br’, ‘.net.br’ e assim por diante) ficariam sujeitos à lei americana.

Sob o pretexto de proteger direitos autorais, o governo americano passaria a ter controle total sobre a rede.
O WikiLeaks veio mudar a regra do jogo. Mas a reação a ele pode acabar mudando a internet para pior.

Folha, 13 de dezembro de 2010