Somos todos treinados em aceitar tudo e qualquer coisa dos políticos, daqui e d’alémoceano.
Aceitamos que façam gato e sapato de nossas esperanças, que usem duas, três ou muitas caras.
Que sejam uma coisa na hora de prometer, e outra no momento de fazer.
É da regra do jogo, dizem. Mas pelo menos num ponto temos direito a bater pé: que façam o favor de não nos entediar. Aceitamos a gangorra da esperança e da decepção. Não é exatamente masoquismo cívico, mas porque parece que não tem outro jeito mesmo.
Mas, pelo amor das santas urnas, não nos chateiem. Engodo, pode ser, tédio cívico, jamais.
Sábios analistas, aqui abaixo do Equador e lá no lado de cima, já gastaram resmas de papel e esvaziaram uma profusão de tinteiros em doutas análises do primeiro debate entre John McCain e Barack Obama. Só não registraram a extraordinária e inesperada chatura do espetáculo.
Nem o veterano republicano nem o jovem democrata se arriscaram a qualquer aventura no campo da eloqüência dramática. Compreendese que o momento vivido pelo país não recomendava humor rasgado nem tolerava sarcasmo. Mas faltou mais do que isso.
Por que terá sido? Se não havia clima para ironia — mesmo que ela, quando bem dosada e pertinente, não seja sinônimo de palhaçada.
No outro extremo, uma boa dose de indignação seria absolutamente pertinente no que deveria ser, afinal de contas, a discussão sobre o futuro de um país mergulhado em crise espantosa.
McCain e Obama se empenharam em mostrar que o adversário não estava bem informado sobre a crise financeira e sobre a política bélica — melhor, belicosa — do governo Bush. Era a estratégia do “ele é pior que eu”. Não costuma ser tão eficiente quanto “eu sou melhor que ele”.
Segundo pesquisas, o democrata levou vantagem, por escassa margem.
Não é absurdo imaginar que já fosse dono da mesma vantagem ao entrar no palco. E, convenhamos: ganhar apertado um debate contra um rival que carrega nos ombros a obrigação de defender a política externa e econômica de um George Bush é muito perto de um fracasso.
É certo que em momentos de grave crise nacional — como o que vivem os EUA — qualquer pretendente ao poder tem de mostrar uma dose de contenção e sobriedade, tanto no tom de voz quanto na escolha de argumentos. Mas Obama exagerou na dose. E não tocou em questões de óbvia importância. Era importante lembrar que Bush praticamente abandonou a caçada aos terroristas que atacaram o território americano para se concentrar na invasão e na ocupação do Iraque. Mas o candidato deixou de lado pontos fundamentais: o porquê dessa decisão, quem lucrou com ela e de que maneira ela ajudou a fragilizar a economia americana.
Faltam cinco debates. Vamos tentar ficar acordados pelo menos em mais um.
October 1, 2008
Guerra do Iraque e atoleiro financeiro
para quem acessa o site da Folha
para quem preferir ler no original, com todos os links
TOM ENGELHARDT
DA "NATION"
Vamos começar pelo dinheiro que o governo Bush já despejou na Guerra do Iraque. De acordo com depoimento ao Congresso em junho de William Beach, diretor do Centro de Análise de Dados, a guerra já custou US$ 646 bilhões. O novo orçamento da Defesa para 2009 acrescenta mais US$ 68,6 bilhões para as guerras do Iraque e do Afeganistão. Mas o especialista em assuntos militares Bill Hartung, da New America Foundation, propõe uma estimativa conservadora de US$ 3,5 bilhões para o custo semanal da guerra no Iraque, ou seja, US$ 180 bilhões ao ano. A guerra no Iraque custará muito mais, no ano que vem, do que a porção reservada ao Iraque dos US$ 68,6 bilhões que o Congresso está prestes a aprovar. Esses custos adicionais serão bancados, como vem acontecendo, por verbas suplementares solicitadas pelo governo Bush (e qualquer governo que vier a seguir). Em algum momento de 2009, os custos totais da guerra ultrapassarão US$ 800 bilhões, US$ 100 bilhões a mais do que o custo do resgate ao sistema financeiro em debate em Washington. As estimativas dos custos em longo prazo da guerra, incluindo benefícios aos veteranos que se estenderão ao futuro distante, disparam para a estratosfera. Variam de entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões, nos cálculos do Serviço Orçamentário do Congresso, a até US$ 4,5 trilhões, nas contas dos economistas Joseph Stiglitz e Linda Bilmes. Estamos falando no equivalente ao valor de entre 1,5 e 7 resgates, em dinheiro dos contribuintes, desperdiçado no atoleiro do Iraque. O governo Bush, em negociações com o governo iraquiano, conseguiu arrancar um ano adicional para a retirada das tropas americanas; a data foi adiada de 2010 -o ano sugerido por Barack Obama e pelo premiê iraquiano Nouri al Maliki- para 2011. De acordo com entrevista de Maliki a uma estação de TV iraquiana, essa mudança deriva da preocupação do governo com a "situação interna" nos EUA -ou seja, a campanha de John McCain. "Na verdade", disse Maliki, "a data final seria o final de 2010, e o período entre o final de 2010 e o final de 2011 ficaria reservado à retirada de todas as tropas remanescentes no Iraque, mas eles pediram uma mudança [de datas] devido às circunstâncias políticas, relacionadas à situação interna dos EUA. De modo que, em vez de o fim de 2010 marcar a data de retirada, com um ano de prazo para a saída total, mencionaremos 2011 como a data final".
No Congresso
Ou seja, estamos falando em mais entre US$ 150 bilhões e US$ 180 bilhões em 2011 -mais ou menos o montante inicial que seria investido pelo governo para salvar a economia. Imaginem a situação em que poderíamos estar caso a guerra no Iraque não tivesse acontecido. Poderíamos realizar múltiplos resgates. Como aponta Chalmers Johnson em "We Have the Money" [nós temos o dinheiro], "se não conseguirmos reduzir nossos gastos militares de maneira severa, a bancarrota dos EUA é inevitável. Como demonstra o colapso em Wall Street, isso já deixou de ser uma possibilidade abstrata e se torna cada vez mais provável". Que estranho, portanto, que nenhum líder político ao menos pisque quando um novo e descomunal orçamento para o Pentágono passa sem objeções pela Câmara e é aprovado sem debate no Senado, enquanto negociadores em Washington lutam para encontrar montante semelhante para enfrentar o colapso financeiro. Os políticos convencionais tampouco se incomodam em estabelecer qualquer conexão entre aquele orçamento e os fundos de que não dispomos para outros usos, ou entre o saque ao Iraque e o saque ao sistema financeiro -e, em ambos os casos, o saque ao contribuinte dos EUA.
TOM ENGELHARDT é co-fundador do American Empire Project e autor de "The End of Victory Culture", entre outros
Tradução de PAULO MIGLIACCI
(Folha, 30/09/08)
para quem preferir ler no original, com todos os links
TOM ENGELHARDT
DA "NATION"
Vamos começar pelo dinheiro que o governo Bush já despejou na Guerra do Iraque. De acordo com depoimento ao Congresso em junho de William Beach, diretor do Centro de Análise de Dados, a guerra já custou US$ 646 bilhões. O novo orçamento da Defesa para 2009 acrescenta mais US$ 68,6 bilhões para as guerras do Iraque e do Afeganistão. Mas o especialista em assuntos militares Bill Hartung, da New America Foundation, propõe uma estimativa conservadora de US$ 3,5 bilhões para o custo semanal da guerra no Iraque, ou seja, US$ 180 bilhões ao ano. A guerra no Iraque custará muito mais, no ano que vem, do que a porção reservada ao Iraque dos US$ 68,6 bilhões que o Congresso está prestes a aprovar. Esses custos adicionais serão bancados, como vem acontecendo, por verbas suplementares solicitadas pelo governo Bush (e qualquer governo que vier a seguir). Em algum momento de 2009, os custos totais da guerra ultrapassarão US$ 800 bilhões, US$ 100 bilhões a mais do que o custo do resgate ao sistema financeiro em debate em Washington. As estimativas dos custos em longo prazo da guerra, incluindo benefícios aos veteranos que se estenderão ao futuro distante, disparam para a estratosfera. Variam de entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões, nos cálculos do Serviço Orçamentário do Congresso, a até US$ 4,5 trilhões, nas contas dos economistas Joseph Stiglitz e Linda Bilmes. Estamos falando no equivalente ao valor de entre 1,5 e 7 resgates, em dinheiro dos contribuintes, desperdiçado no atoleiro do Iraque. O governo Bush, em negociações com o governo iraquiano, conseguiu arrancar um ano adicional para a retirada das tropas americanas; a data foi adiada de 2010 -o ano sugerido por Barack Obama e pelo premiê iraquiano Nouri al Maliki- para 2011. De acordo com entrevista de Maliki a uma estação de TV iraquiana, essa mudança deriva da preocupação do governo com a "situação interna" nos EUA -ou seja, a campanha de John McCain. "Na verdade", disse Maliki, "a data final seria o final de 2010, e o período entre o final de 2010 e o final de 2011 ficaria reservado à retirada de todas as tropas remanescentes no Iraque, mas eles pediram uma mudança [de datas] devido às circunstâncias políticas, relacionadas à situação interna dos EUA. De modo que, em vez de o fim de 2010 marcar a data de retirada, com um ano de prazo para a saída total, mencionaremos 2011 como a data final".
No Congresso
Ou seja, estamos falando em mais entre US$ 150 bilhões e US$ 180 bilhões em 2011 -mais ou menos o montante inicial que seria investido pelo governo para salvar a economia. Imaginem a situação em que poderíamos estar caso a guerra no Iraque não tivesse acontecido. Poderíamos realizar múltiplos resgates. Como aponta Chalmers Johnson em "We Have the Money" [nós temos o dinheiro], "se não conseguirmos reduzir nossos gastos militares de maneira severa, a bancarrota dos EUA é inevitável. Como demonstra o colapso em Wall Street, isso já deixou de ser uma possibilidade abstrata e se torna cada vez mais provável". Que estranho, portanto, que nenhum líder político ao menos pisque quando um novo e descomunal orçamento para o Pentágono passa sem objeções pela Câmara e é aprovado sem debate no Senado, enquanto negociadores em Washington lutam para encontrar montante semelhante para enfrentar o colapso financeiro. Os políticos convencionais tampouco se incomodam em estabelecer qualquer conexão entre aquele orçamento e os fundos de que não dispomos para outros usos, ou entre o saque ao Iraque e o saque ao sistema financeiro -e, em ambos os casos, o saque ao contribuinte dos EUA.
TOM ENGELHARDT é co-fundador do American Empire Project e autor de "The End of Victory Culture", entre outros
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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(Folha, 30/09/08)
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