January 11, 2025

Direita vai bem, Bolsonaro vai mal e Trump não pode salvá-lo

 

 

 

Nova configuração de poder emerge no Brasil, com controle do centrão e conservadorismo mais pragmático que radical 

Christian Lynch  

 [RESUMO] O domínio do centrão nas eleições deste ano, sustenta o autor, aponta que o sistema político brasileiro, depois de um período de forte instabilidade e polarização extrema, passa por um processo de reequilíbrio, marcado por um presidencialismo de coalizão fraco e níveis menores de radicalidade ideológica. Partidos de centro-direita têm interesse em manter a inelegibilidade de Bolsonaro, e a esquerda, sem novos líderes, depende cada vez mais de Lula.

Os resultados das eleições municipais deste ano confirmam que o sistema político brasileiro passa por um processo de reequilíbrio em torno de novas bases ideológicas e de governabilidade. Bases distintas daquelas que definiram o período de estabilização do regime democrático entre os anos 1990 e 2010, assentadas sobre um eixo ideológico de centro-esquerda e do presidencialismo de coalizão forte ou imperial como modelo de governabilidade, que levava a reboque o chamado centrão.

Há cerca de dez anos, o eixo ideológico começou a se deslocar para a centro-direita, sustentado por partidos de centro-direita e direita, que deixaram a periferia do sistema para se tornar seu núcleo de estabilidade e controle. O modelo de governabilidade, perdido ou desarranjado durante aqueles anos de transição, parece agora se estabilizar na forma de um presidencialismo de coalizão fraco ou, conforme seus críticos, um "parlamentarismo bastardo".

Essas mudanças decorrem de uma crise de legitimidade do sistema representativo, que estalou nas jornadas de 2013, se aprofundou com o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2015 e culminou, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro (à época no PSL). Crise gerada pela emergência de uma nova direita que não se percebia no sistema político da República de 1988 e o hostilizava.

Embora Bolsonaro representasse a nova direita radical, que canalizava o ressentimento popular contra o sistema e o suposto establishment, o centrão renovado pela mesma eleição se adaptou à nova conjuntura, assumindo uma postura conservadora pragmática e reforçando seu papel como pilar de estabilidade. Passou a agir para limitar tanto as prerrogativas da Presidência quanto do STF.

Tudo aponta para uma tendência em direção a um novo equilíbrio sistêmico e ao afrouxamento da polarização para níveis menores de radicalidade.

A Constituição de 1988 foi concebida em um contexto progressista, em que havia um consenso de que o país deveria se afastar das práticas autoritárias da ditadura militar e se comprometer com um projeto de inclusão social e liberdades públicas. Esse espírito se refletiu nas primeiras décadas de democracia, em que o eixo ideológico predominante esteve à esquerda, sustentado por uma Constituição com fortes valores social-democratas.

Entre os anos 1990 e 2010, o sistema político se estabilizou em torno do chamado presidencialismo de coalizão, um arranjo em que o presidente, mesmo minoritário no Congresso, usava seu vasto poder sobre o Orçamento e a máquina governamental para construir maiorias legislativas e garantir a governabilidade.

Esse modelo se consolidou a partir do Plano Real, que gerou estabilidade econômica e legitimidade para Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Tanto ele quanto Lula e Dilma Rousseff, seus sucessores, governaram formando coalizões com partidos mais conservadores que se alinhavam pragmaticamente ao governo em troca de cargos e influência.

Era esse um presidencialismo forte ou imperial, marcado pelo poder de agenda do chefe de Estado na definição de políticas progressistas, voltadas para promover um ambiente de maior liberdade política, civil e econômica, mas também maior igualdade social, racial e de gênero.

No entanto, a partir dos anos 2010, o consenso progressista começou a dar sinais de desgaste. O contexto político e social havia mudado: a sociedade brasileira, transformada por décadas de políticas sociais e de inclusão, se tornou mais complexa e polarizada. Em paralelo, denúncias de corrupção e o colapso do modelo de presidencialismo alimentaram uma crise de legitimidade.

As manifestações de 2013 expressaram o descontentamento generalizado com a classe política e marcaram o início de um período de grande instabilidade. Bancado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e pelo STF, a "revolução judiciarista" pautou a Operação Lava Jato, derrubou Dilma Rousseff, quase derrubou Michel Temer (MDB), além de prender e condenar dezenas de figuras do establishment a título de purgá-lo da corrupção.

Esse processo abriu espaço para que o centrão reagisse em busca de sobrevivência. Para alcançar esse fim, precisaria deixar de ser apenas um grupo de apoio pragmático e passasse a atuar de forma mais autônoma e ativa, buscando consolidar sua hegemonia.

Nesse contexto, o centrão se adaptou para sobreviver e fortalecer sua influência. Até então, seus partidos haviam operado pragmaticamente, compondo com presidentes de diversos espectros políticos. Entretanto, após o impeachment de Dilma e com a ascensão de figuras mais conservadoras, assumiu sua posição conservadora sem perder o pragmatismo, perseguindo primazia sobre os demais Poderes.

Na impossibilidade de aprovar o semipresidencialismo, esse processo culminou em uma nova forma de presidencialismo de coalizão, agora fraco, menos centralizado na Presidência e mais ancorado no Legislativo. Uma espécie de parlamentarismo bastardo.

Por meio de estratégias como o uso de emendas parlamentares (como as emendas Pix e o orçamento secreto), o centrão passou a controlar a distribuição de recursos e fortalecer suas bases locais, garantindo seu domínio sobre a política nacional, o que contribuiu para a vitória de seus candidatos na última eleição municipal e fortaleceu sua influência. Essa apropriação do Orçamento e da máquina pública se tornou um mecanismo de autossustentação, tornando tais partidos cada vez mais independentes do presidente, seja ele de direita ou de esquerda.

O resultado foi um conservadorismo inercial que garante estabilidade ao sistema político ao custo de fazê-lo rodar muito mais lentamente.

As ideologias passaram a ocupar um lugar mais central na organização e na definição das identidades políticas do centrão. Seu conservadorismo sempre existiu, mas estava adormecido pelo consenso progressista. Findo este, saiu da incubadora.

Mas se trata de um conservadorismo moderado, mais pragmático que doutrinário, voltado principalmente para a proteção dos mecanismos de sua autorreprodução com pouca interferência do governo e do Judiciário. Daí a defesa daquilo que eufemisticamente chamam de prerrogativas do Congresso.

A crise de legitimidade vivida pela democracia brasileira e, em paralelo, o avanço da nova direita na década passada deram força política, em estilo abertamente populista, a ideologias radicais que antes estavam à margem, como o reacionarismo e o libertarianismo. A social-democracia identificada com o PT entrou em crise.

No entanto, o pacto pragmático do liberalismo democrático centrista com o conservadorismo tradicional da direita moderada tem garantido que o sistema permaneça estável, coibindo o avanço de pautas progressistas, ora decadentes, mas, também e principalmente, o avanço do populismo autoritário.

Essa relação entre ideologia e pragmatismo se revela na ambiguidade de líderes da direita do centrão, como Ciro Nogueira (PP) e Valdemar Costa Neto (PL). Querem o estoque eleitoral do populismo radical, mas submetendo-o à disciplina partidária tradicional e, assim, podando seus efeitos antissistêmicos.

Mesma ambiguidade visível em Tarcísio de Freitas (Republicanos), que representa no governo de São Paulo o impossível "bolsonarismo moderado", com que busca atrair eleitores de centro-direita acenando periodicamente para o radicalismo. Na centro-direita, Gilberto Kassab (PSD) segura Tarcísio com a mão direita e Lula com a esquerda, estabelecendo as alianças amplas que elegeram o maior número de prefeitos neste ano.

A direita brasileira está consolidada, e seu sucesso cria novos problemas. O maior reside na oposição entre moderados ou sistêmicos, identificados, de um lado, com Kassab e Eduardo Paes (PSD), e radicais antissistêmicos, como Bolsonaro e Pablo Marçal (PRTB).

A liderança de Bolsonaro, inelegível e sem expectativa de poder, está francamente decadente. Egoísta e inábil, o ex-presidente confia sempre e unicamente na sua camarilha de bajuladores e pretende submeter toda a direita ao seu objetivo particular de fugir da cadeia por meio de uma anistia que reverta sua inelegibilidade ou lhe permita lançar à Presidência um candidato subserviente.

Por essas e outras razões, com toda a sua ambiguidade, a própria direita moderada centrônica o percebe como um estorvo e não vê a hora de se livrar dele definitivamente. Prefere gente como Tarcísio e Ronaldo Caiado (União Brasil), este em rota de colisão com Bolsonaro.

A decadência de Bolsonaro se dá também no campo da direita radical. Aparentemente, a apologia da tortura, da ditadura e do golpe militar saíram de moda. Nesse contexto, a figura de Marçal emergiu como um populista neoliberal, camaleão que busca capitalizar o sentimento anti-establishment de gerações mais novas, mais preocupadas com enriquecimento rápido e que veem a religião como terapêutica para problemas pessoais e familiares.

Em termos eleitorais, Bolsonaro também se engajou pessoalmente em campanhas municipais, não só contra a esquerda, mas contra gente da própria direita, e saiu derrotado em quase todas. Muitas igrejas evangélicas também já desinvestem do radicalismo, pregando a despartidarização da religião ou mudando de lado.

Em outras palavras: a direita vai bem, Bolsonaro vai mal. A direita populista, a despeito de sua força eleitoral e histrionismo, continua longe de ameaçar os centrônicos. A eles interessa manter a inelegibilidade de Bolsonaro, fingindo ajudá-lo a escapar quando, na verdade, mais o aproximam do abismo. Mas também lhes interessa a inelegibilidade de Marçal.

Ao mesmo tempo, é improvável que a própria Justiça Eleitoral declare a inelegibilidade de Tarcísio pela declaração que fez a respeito de Guilherme Boulos (PSOL) no dia do segundo turno. Tarcísio pode dar suas "bolsonaradas" à vontade: o sistema o percebe como um dos seus.

Já a esquerda, que historicamente liderou o processo de redemocratização, enfrenta uma situação complexa. Com seu declínio e a falta de renovação de suas lideranças, o PT perdeu o protagonismo e depende cada vez mais da figura de Lula para se manter relevante.

Se Bolsonaro não consegue ser maior que a direita, Lula consegue ser maior que a esquerda. Ele se reinventou como piloto de uma frente democrática ou ampla e se comportou assim nas eleições, se afastando o tanto quanto possível da imagem de partidário.

Em outras palavras: a esquerda vai mal, mas Lula vai relativamente bem. Ao mesmo tempo que a esquerda se torna cada vez mais "lulodependente", o presidente se vê obrigado a se mover cada vez mais para o centro para preservar e aumentar seu arco de alianças. Enquanto o governo vai se tornando cada vez menos de esquerda, a fissura entre os socialistas se aprofunda. Alguns acham que falta pragmatismo, outros acham ser preciso recuperar as bandeiras históricas do socialismo.

O retorno de Donald Trump à Presidência dos EUA, um reacionário golpista, condenado criminalmente e movido pelo desejo de vingança e de escapar da cadeia, põe a democracia americana em uma posição frágil. Sua influência direta sobre o Brasil, contudo, encontra limites importantes.

Primeiro, o Brasil não enfrenta uma crise de decadência geopolítica ou de imigração para catalisar o tipo de ressentimento e identidade nacionalista que Trump mobiliza.

Segundo, o sistema político brasileiro, embora tenha falhas, possui mecanismos institucionais que oferecem resistência a investidas autoritárias, como a independência do STF e um sistema constitucional mais recente e adaptado às necessidades de uma sociedade democrática.

O sistema bipartidário, que permite que todos os setores conservadores se aglutinem em torno de um radical como Trump, tampouco existe no Brasil. Bolsonaro não consegue ascendência nem sequer sobre Valdemar Costa Neto. Além disso, o centrão não possui interesse em uma ruptura autoritária que abale o equilíbrio de poder do qual depende para manter influência e controle sobre o governo.

Assim, apesar de uma possível pressão da internacional reacionária liderada por Trump e das tentativas de importar mais uma vez sua retórica e seu messianismo, nada indica que ele abalará o atual modelo de governabilidade de tendência conservadora, mas pragmática do Brasil. Bolsonaro, que tentou sempre emular Trump, está cada vez mais isolado.

Da mesma forma, nenhuma das alternativas conservadoras à Presidência se mostra disposta a romper o presidencialismo de coalizão fraco. Aparentemente, querem todas ser apenas um Michel Temer com votos. Nem a Justiça Eleitoral, nem o governo, nem o STF parecem dispostos a anistiar Bolsonaro para que ele volte a se candidatar.

Nesse quadro, o que Trump poderá efetivamente fazer de útil para Bolsonaro? Bolsonaro quer, claro, explorar em benefício de sua anistia a tese delirante de que Trump mandará fuzileiros navais prenderem Alexandre de Moraes.

Trump estará ocupado redesenhando as instituições e a sociedade norte-americana à sua feição. Está interessado em reduzir a presença militar dos EUA no mundo, não em aumentá-la. Se precisar de um bajulador sul-americano, já tem à mão um Milei para posar ao seu lado. Mais provável são tuítes destemperados apoiados por Elon Musk ou a concessão de asilo diplomático na calada da noite.

As eleições municipais de 2024, ao consolidar o controle do centrão e do conservadorismo pragmático sobre a política local, indicam que o Brasil está caminhando para uma nova configuração de poder. Esse processo de normalização do sistema, que agora gira em torno da centro-direita, sugere que a polarização política extrema dos últimos anos pode estar cedendo lugar para uma moderação pragmática.

No entanto, essa normalização enfrenta desafios, especialmente no que diz respeito à convivência com o STF, visto por muitos como o último bastião de um sistema democrático e liberal. Há arestas entre o tribunal e o centrão, decorrentes da tentativa de preservar o avanço feito pelo Congresso sobre o Orçamento.

Sabe-se que, no quadro de fraqueza imposta ao governo pelo "parlamentarismo bastardo", o governo também conta com a maioria do STF como parceiro para restabelecer alguma paridade de armas. É o "judiciarismo de coalizão", identificado principalmente com o ministro Flávio Dino.

Enfim, tudo indica uma tendência ao reequilíbrio sistêmico em torno do centro-direita e um afrouxamento da radicalização ideológica.

É cedo para discutir as eleições de 2026. Não se sabe se Lula passará o bastão a Fernando Haddad (PT) ou se será candidato à reeleição, opção que parece cada vez mais provável. Nem se sabe para que lado penderia a centro-direita de Kassab, apoiando um candidato como Tarcísio, mais seguro à reeleição em São Paulo, ou Caiado. A reversão da inelegibilidade de Bolsonaro é remota, e Marçal deve ser declarado inelegível pela falsidade assacada contra Boulos durante a campanha em São Paulo.

Do ponto de vista sistêmico, porém, a depender do resultado das eleições de 2026, saberemos se o sistema político absorveu definitivamente, como parece, as tensões subversivas da direita radical ou se sofrerá o ataque de um populista apoiado por cerca de um quarto do eleitorado e, talvez, pela internacional reacionária.

 

FOLHA 

 

December 30, 2024

O bolso ou a vida

 

 


A verdadeira polarização se dá entre
o capital financeiro e a democracia

 
P O R S E R G I O L I R I O

 O Cavalo de Troia foi
construído com os es-
combros do Muro de
Berlim. Sem a ameaça
comunista, encerrada
a Guerra Fria com a
aparente vitória do “mundo livre”, a ter-
ceira via nasceu, nos anos 90 do século
passado, como uma quimera: prometia
domar a selvageria capitalista, o sistema
triunfante, e humanizar o inominável. O
britânico Anthony Giddens era o Olavo
de Carvalho dos “neoprogressistas”. No

 Reino Unido, Tony Blair, o golden boy do
novo trabalhismo, orgulhava-se da sua
perspectiva monarquista e antissindical.
Fernando Henrique Cardoso venceu
duas eleições no Brasil ao cavalgar no su-
cesso do Plano Real. Bill Clinton apro-
fundava as relações carnais entre os de-
mocratas e Wall Street.

 
Não demorou para muitos perceberem:
a terceira via não passava de uma viela sem
saída. Quem se deixou enganar foi obriga-
do a fazer o retorno e trafegar pela estra-
da principal e única. Por ingenuidade ou

cinismo, os humanistas de casaca do fim
do século prometiam conter o tsunami das
forças do mercado com uma simples placa
de “proibido ultrapassar”. É preciso redu-
zir o tamanho do Estado, diziam, para que
o Poder Público possa concentrar-se nas
atividades primordiais, saúde e educação.

 
Duas décadas e meia se passaram
e a terceira via acabou engolfada pelo
tsunami, que, enfim, não sabia ler a pla-
ca. Os aliados de ontem viraram adversá-
rios tão perigosos quanto os burocratas
da planificação soviética ou os românti-
cos revolucionários. O comunismo aca-
bou e o anticomunismo tomou outras
formas. Os social-democratas foram
declarados os hereges a ser queimados
em fogo alto. Enquanto isso, as barrei-
ras continuaram a ser derrubadas. Saú-
de, educação, futebol, até a morte é me-
dida e mediada pelo lucro. Dispensaram
a ladainha da eficiência do setor privado.
As privatizações de estatais – vide o caso
da Enel em São Paulo – limitam-se a uma
equação financeira. A economia na mão
de obra e na prestação de serviços é o mo-
tor dos ganhos dos acionistas. Os clientes
que reclamem ao bispo. Ou, pior, à Inteli-
gência Artificial das centrais telefônicas
diabolicamente treinada para matar de
raiva quem está do outro lado da linha.

 
Em setembro, durante a discussão do
orçamento de Portugal, um deputado da
Iniciativa Liberal, variação lusitana do
Partido Novo brasileiro, descreveu o mo-
delo de Estado sonhado pela agremiação.
Nenhuma menção a escolas ou hospitais.
Caberia ao Poder Público cuidar da se-
gurança interna e das fronteiras. Citar
um parlamentar de uma legenda obscu-
ra de um país periférico tem apenas um
caráter ilustrativo. Não surpreenderia se
tais ideias integrassem o manual da “In-
ternacional Fascista” articulada nos úl-
timos anos. A galopante desigualdade e
a insatisfação crescente de uma maioria

   mantida à margem do progresso exigem
cada vez mais o uso da força, contra os
inimigos externos e internos.

 
A redução do Estado às funções de po-
lícia talvez não seja o último estágio de
consolidação do tecnofeudalismo. Em
muitos países, o número de seguranças
privados ultrapassa o conjunto das for-
ças oficiais. A multiplicação de bitcoins
alimenta um mercado paralelo que cor-
rói as moedas nacionais ou continentais.
Na Idade Média, suseranos tinham o di-
reito de manter um Exército particular e
cunhar o próprio dinheiro. As semelhan-
ças não são meras coincidências.

 
A ilusão acabou. Enquanto a democra-
cia serviu de contraponto à cortina de fu-
maça, não de ferro, das repúblicas sovi-
éticas, era conveniente associar capita-
lismo e liberdades. Os donos do dinhei-
ro nunca dependeram, porém, de qual-
quer sistema político. Atuam em sim-
biose, ocupam o hospedeiro mais con-
veniente às circunstâncias. Nessa qua-
dra da história, as autocracias se ofere-
cem como o modelo ideal para garantir
sua sobrevivência. Eis a verdadeira pola-
rização: o capital financeiro contra os re-
gimes democráticos. Os bilionários a ca-
minho de virarem trilionários, um gru-
pelho turbinado pela revolução tecnoló-
gica, decidiu que se trata de uma questão
de vida ou morte. O bolso ou a vida. Dese-
nha-se um duelo no pôr do sol em Tom-
bstone. Um detalhe: a equivalência de ar-
mas não é a mesma. De um lado, uma ba-
zuca, do outro, um bodoque.

 
Progressistas de modo geral tendem
a resumir a concentração de renda a um
problema moral. Às vezes, econômico.
Expressam indignação com o fato de
uma centena de super-ricos deter um
patrimônio maior do que aquele de bi-
lhões de outros seres humanos. E lem-
bram: para a dinâmica do PIB, melhor
mil indivíduos com mil do que um com 1
milhão. Mas concentração de renda sig-
nifica, acima das iniquidades, concen-
tração de poder e esse é o maior risco à
existência das sociedades modernas. Ou
da humanidade. Quem poderá deter as
aspirações mais delirantes de alguém, e
Elon Musk é a caricatura, que acumula
uma riqueza superior àquela de muitas
nações? Quem imporá limites a magna-
tas globais, acostumados a operar acima
e à revelia das leis nacionais?

 
A bazuca do capital financeiro são
as big techs. Também neste caso, os pro-
gressistas têm dificuldade em entender
o mecanismo. Há quem lamente o des-
preparo da esquerda para se comunicar
nas redes sociais, como se circulassem
em uma ágora grega, uma praça pública.
Alexa, perdoe-os, eles não sabem o que
pedem. As plataformas, na melhor das hi-
póteses, são uma praça de alimentação de
um shopping. As escolhas são limitadas
pelo espaço e pelo tamanho do investi-
mento. É uma batalha perdida dia-
riamente, em uma guerra que só
pode ser vencida por meio de
uma intervenção estatal
equiparável ao desmem-
bramento dos oligopó-
lios nos Estados Unidos no início do sé-
culo XX. Atenção: o advento da IA é ou-
tro passo adentro da mina escura e funda.

 
O capital financeiro advoga a liberda-
de, carajo... Para os seus. Quanto à patu-
leia, chicote no lombo. Subjugar os sem-
-poder, controlar o corpo das mulheres,
matar os infiéis, destruir a fauna e a flo-
ra. A ordem é eliminar todo e qualquer
obstáculo. Se der errado, pena. Até o li-
mite do possível, os bilionários se refu-
giarão nos arranha-céus, atrás dos mu-
ros, em carros blindados e em cidades ex-
clusivas. Quando o ar se tornar irrespi-
rável, os voos e estações espaciais opera-
dos por empresas privadas os livrarão da
vingança da natureza e dos deserdados.

 
Ver o fim da aventura humana na Terra
de cima será mais um serviço vip, espe-
táculo reservado a poucos. Marte não es-
tá assim tão longe. Um plano de negócios
bem concebido e uma operação estrutu-
rada certamente irão viabilizar a sobre-
vivência em um ambiente até agora hos-
til. Bastariam alguns retoques, a come-
çar pela cor. Nosso (novo) planeta nun-
ca será vermelho. Convoquem um gênio
dos efeitos especiais. Se é para mudar a
decoração, por que não vender o naming
rights? Quem sabe assim os sobreviven-
tes venham a prosperar no Planeta X, sob
as diretrizes da projeção holográfica do
Supremo CEO Musk.

 CARTA CAPITAL

 

 
C A R T A C A P I T A L   D E D E Z E M B R O D E     9
gressistas têm dificuldade em entender
o mecanismo. Há quem lamente o des-
preparo da esquerda para se comunicar
nas redes sociais, como se circulassem
em uma ágora grega, uma praça pública.
Alexa, perdoe-os, eles não sabem o que
pedem. As plataformas, na melhor das hi-
póteses, são uma praça de alimentação de
um shopping. As escolhas são limitadas
pelo espaço e pelo tamanho do investi-
mento. É uma batalha perdida dia-
riamente, em uma guerra que só
pode ser vencida por meio de
uma intervenção estatal
equiparável ao desmem-
bramento dos oligopó-
çar pela cor. Nosso (novo) planeta nun-
ca será vermelho. Convoquem um gênio
dos efeitos especiais.e é para mudar a
decoração, por que não vender o naming
rights? Quem sabe assim os sobreviven-
tes venham a prosperar no Planeta X, sob
as diretrizes da projeção holográfica do
Supremo CEO Musk.

CARTA CAPITAL  

December 24, 2024

The Ugly Truth About Spotify is Finally Revealed

 



In early 2022, I started noticing something strange in Spotify’s jazz playlists.

I listen to jazz every day, and pay close attention to new releases. But these Spotify playlists were filled with artists I’d never heard of before.

Who were they? Where did they come from? Did they even exist?



In April 2022, I finally felt justified in sharing my concerns with readers. So I published an article here called “The Fake Artists Problem Is Much Worse Than You Realize.”

I was careful not to make accusations I couldn’t prove. But I pointed out some puzzling facts.



Many of these artists live in Sweden—where Spotify has its headquarters. According to one source, a huge amount of streaming music originates from just 20 people, who operate under 500 different names.

Some of them were generating supersized numbers. An obscure Swedish jazz musician got more plays than most of the tracks on Jon Batiste’s We Are—which had just won the Grammy for Album of the Year (not just the best jazz album, but the best album in any genre).

How was that even possible?

I continued to make inquiries, and brooded over this strange situation. But something even stranger happened a few months later.

A listener noticed that he kept hearing the same track over and over on Spotify. But when he checked the name of the song, it was always different. Even worse, these almost identical tracks were attributed to different artists and composers.

He created a playlist, and soon had 49 different versions of this song under various names. The titles sounded as if they had come out of a random text generator—almost as if the goal was to make them hard to remember.

  • Trumpet Bumblefig

  • Bumble Mistywill

  • Whomping Clover

  • Qeazpoor

  • Swiftspark

  • Vattio Bud

I reported on this odd situation. Others joined in the hunt, and found more versions of the track under still different names.

The track itself was boring and non-descript, but it was showing up everywhere on the platform.

Around this same time, I started hearing jazz piano playlists on Spotify that disturbed me. Every track sounded like it was played on the same instrument with the exact same touch and tone. Yet the names of the artists were all different.

Were these AI generated? Was Spotify doing this to avoid paying royalties to human musicians?

Spotify issued a statement in the face of these controversies. But I couldn’t find any denial that they were playing games with playlists in order to boost profits.

By total coincidence, Spotify’s profitability started to improve markedly around this time.


A few months ago, I spoke with an editor at one of the largest newspapers in the world. I begged him to put together a team of investigative journalists to get to the bottom of this.

“You need to send people to Sweden. You need to find sources. You need to find out what’s really going on.”

He wasn’t interested in any of that. He just wanted a spicy opinon piece. I declined his invitation to write it.


We now finally have the ugly truth on these fake artists—but no thanks to Spotify. Or to that prestigious newspaper whose editor I petitioned.

Instead journalist Liz Pelly has conducted an in-depth investigation, and published her findings in Harper’s—they are part of her forthcoming book Mood Machine: The Rise of Spotify and the Costs of the Perfect Playlist.

Mood Machine will show up in bookstores in January and may finally wake up the music industry to the dangers it faces.

Pelly started by knocking on the doors of these mysterious viral artists in Sweden.

Guess what? Nobody wanted to talk. At least not at first.

But Pelly kept pursuing this story for a year. She convinced former employees to reveal what they knew. She got her hands on internal documents. She read Slack messages from the company. And she slowly put the pieces together.

Now she writes:

What I uncovered was an elaborate internal program. Spotify, I discovered, not only has partnerships with a web of production companies, which, as one former employee put it, provide Spotify with “music we benefited from financially,” but also a team of employees working to seed these tracks on playlists across the platform. In doing so, they are effectively working to grow the percentage of total streams of music that is cheaper for the platform.

In other words, Spotify has gone to war against musicians and record labels.

At Spotify they call this the “Perfect Fit Content” (PFC) program. Musicians who provide PFC tracks “must often give up control of certain royalty rights that, if a track becomes popular, could be highly lucrative.”

Spotify apparently targeted genres where they could promote passive consumption. They identified situations in which listeners use playlists for background music. That’s why I noticed the fake artists problem first in my jazz listening.

According to Pelly, the focal points of PFC were “ambient, classical, electronic, jazz, and lo-fi beats.”

When some employees expressed concerns about this, Spotify managers replied (according to Pelly’s sources) that “listeners wouldn’t know the difference.”


They called it payola in the 1950s. The public learned that radio deejays picked songs for airplay based on cash kickbacks, not musical merit.

Music fans got angry and demanded action. In 1959, both the US Senate and House launched investigations. Famous deejay Alan Freed got fired from WABC after refusing to sign a statement claiming that he had never taken bribes.


News headline from 1959
They called it Payola, and people got fired

Transactions nowadays are handled more delicately—and seemingly in full compliance with the laws. Nobody gives Spotify execs an envelope filled with cash.

But this is better than payola:

Deejay Alan Freed couldn’t dream of such riches. In fact, nobody in the history of music has made more money than the CEO of Spotify.

Taylor Swift doesn’t earn that much. Even after fifty years of concertizing, Paul McCartney and Mick Jagger can’t match this kind of wealth.


At this point, I need to complain about the stupid major record labels who have empowered and supported Spotify during its long history. At some junctures, they have even been shareholders.

I’ve warned repeatedly that this is a huge mistake. Spotify is their adversary, not their partner. The longer they avoid admitting this to themselves, the worse things will get.

The music media isn’t much better—these new revelations came from a freelancer publishing in Harper’s, not from Rolling Stone or Billboard or Variety.

And I could say the same for the New York Times and Wall Street Journal and Washington Post.

Why didn’t they investigate this? Why don’t they care?

But I am grateful for independent journalism, which is now my main hope for the future.


Let’s turn to the bigger question: What do we do about this?

By all means, let’s name and shame the perpetrators. But we need more than that.

Congress should investigate ethical violations at music streaming businesses—just like they did with payola. Laws must be passed requiring full transparency. Even better, let’s prevent huge streaming platforms from promoting songs based on financial incentives.

I don’t do that as a critic. People sometimes try to offer me money for coverage, and I tell them off. It happened again this week, and I got upset. No honest person could take those payoffs.

Streaming platforms ought to have similar standards. And if they won’t do it voluntarily, legislators and courts should force their hand.

And let me express a futile wish that the major record labels will find a spine. They need to create an alternative—even if it requires an antitrust exemption from Congress (much like major league sports).

Our single best hope is a cooperative streaming platform owned by labels and musicians. Let’s reclaim music from the technocrats. They have not proven themselves worthy of our trust.

If the music industry ‘leaders’ haven’t figure that out by now—especially after the latest revelations—we are in bad shape indeed. 

SUBSCRIBE TO TED GIOIA: THE HONEST BROKER 




READ IN APP