October 16, 2024

A quem pertence?

 

 

Os debates sobre o retorno do
manto tupinambá ao País são reveladores
das novas políticas em torno da memória

 AMANDA QUEIROS

Escutar Glicéria Tupinambá,
também conhecida como Cé-
lia Tupinambá, exige mais
que ouvidos atentos. Ela mes-
ma é quem avisa: “Queria pe-
dir que me escutassem também com a pe-
le e a vibração que existe no ar. A comuni-
cação da fala é limitante”.

 
Estamos em uma arena no Instituto
Tomie Ohtake, em Pinheiros, Zona Oeste
de São Paulo, e a artista e liderança indí-
gena da Aldeia Serra do Padeiro, na Bahia,
relata o encontro com um de seus ances-
trais: um manto com 4 mil penas verme-
lhas do pássaro guará, com cerca de 1,80
metro e 80 centímetros de largu

O artefato, produzido entre os séculos
XVI e XVII, passou mais de três séculos
sob a posse do Nationalmuseet, em Cope-
nhague, na Dinamarca. Depois de longas
tratativas, voltou ao Brasil. Seu retorno ao
País foi celebrado em uma cerimônia reali-
zada na Quinta da Boa Vista, no Rio de Ja-
neiro, no dia 12 de setembro. O manto es-
tá agora instalado em uma sala da Biblio-
teca Central do Museu Nacional, no Rio.

 
“Quando o vi pela primeira vez, em
2018, surgiram várias lembranças. Vi
crianças e mulheres correndo, imagens
projetadas diante dos meus olhos. Foi co-
mo água fervendo”, descreveria Glicéria,
duas semanas depois, no seminário En-
saios para o Museu das Origens: Políticas
da Memória.

 
O encontro, que durou cinco dias,
além de rever práticas de apagamento
e políticas de reparação, evidenciou a

disputas em torno de conceitos enrai-
zados sobre origem, memória, museo-
logia e cultura, de forma geral.

 
“Demorei a entender que o manto fa-
lou comigo”, disse a artista, diante de
uma plateia que, enquanto a ouvia, ia ten-
tando desvencilhar-se da percepção aris-
totélica do mundo para entrar na cosmo-
gonia indígena. “Ele não é humano, mas
um artefato agenciado pela espirituali-
dade, com uma memória de comunicação
e uma energia muito feminina.”

 
A conferência da qual Glicéria partici-
pou se chamava Memória em Movimen-
to: Reparações, Restituições e Políticas da
Vida. Trata-se de um tema que, nos últi-
mos anos, esquentou no meio museoló-
gico e passou a mobilizar espaços cultu-
rais, colecionadores, diplomatas e mili-
tantes de todo o mundo.

 
De um lado, comunidades tradicio-
nais reivindicam o retorno de peças ex-
propriadas em contextos violentos. Do
outro, instituições dos Estados Unidos
e da Europa defendem seus direitos à
propriedade por terem garantido a pre-
servação das obras ao longo do tempo.

 
No meio disso, e a fazer a ponte entre
passado e presente, está um intrincado
debate sobre memória, identidade, reco-
nhecimento e resistência de povos cuja
luta só agora começa a ganhar visibilida-
de em uma cena artística ainda predomi-
nantemente branca e ancorada em pen-
samentos ocidentais – em especial, eu-
ropeus e norte-americanos.

 
Glicéria, que segue a usar as mesmas
técnicas de seus antepassados para elabo-
rar mantos – um deles fez parte da insta-
lação Ka’a Pûera: Nós Somos Pássaros Que
Andam, apresentada na Bienal de Vene-
za –, disse, no encontro, que o pedido pa-
ra voltar ao Brasil partiu do próprio item.

 
A solicitação foi então feita por inter-
médio dos encantados – guardiões sagra-
dos da cosmologia tupinambá –, em uma
carta assinada pelo Cacique Babau (Ro-
sivaldo Ferreira da Silva), de sua aldeia,
e direcionada ao museu dinamarquês.
“A doação do manto Tupinambá con-
figura algo radicalmente novo e que me-
rece ser celebrado: é a primeira peça de
incomensurável valor simbólico e artís-
tico, um ícone da história do Brasil e de
sua Antropologia, que regressa para o
País e para a guarda das instituições na-
cionais”, afirmou, em nota, o Museu Na-
cional durante o evento de repatriação.

 
A energia do manto, na visão das li-
deranças, pode, inclusive, contribuir pa-
ra o enfrentamento do Marco Temporal,
lei que estabelece que os povos indígenas
têm direito apenas às terras ocupadas até
a promulgação da Constituição de 1988.

 
Apesar de ter sido rejeitado em 2023 pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), o tex-
to foi mantido pelo Congresso Nacional,
dando origem a um processo de concilia-
ção com desfecho ainda incerto.
Glicéria vive em uma das 23 aldeias da
Terra Indígena Tupinambá de Olivença,
no interior da Bahia, reconhecida pelo go-
verno federal em 2009, mas não homolo-
gada. O destino de seu povo, portanto, es-
tá em xeque. “Estão construindo leis pa-
ra tirar o direito ao nosso território”, diz.

 
O relato da artista foi seguido por
uma fala de Manthia Diawara, profes-
sor de Literatura Comparada e Cinema
na Universidade de Nova York. Nativo do
Mali, ele evoca o teórico Édouard Glis-
sant (1928-2011) para explicar por que
prefere falar sobre o tema a partir do con

ceito de restituição, em vez de reparação.

 
“Restituição não é só uma forma de
países colonizadores devolverem obje-
tos para o lugar de onde foram roubados”,
afirmou ele, por videoconferência. “Res-
tituição é mais que uma devolução, é uma
forma de cura, um jeito de criar uma con-
versa entre dois grupos para que a memó-
ria possa ser compartilhada.”

 
O retorno pacificado de objetos que, pa-
ra os povos originários, têm vida, foi, de cer-
ta forma, o que aconteceu com 750 peças
produzidas a partir da década de 1960, em
sua maioria por artistas negros, que retor-
naram agora ao Museu Nacional da Cultu-
ra Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador.
Os objetos haviam sido adquiridos por
duas estadunidenses durante viagens ao
Brasil e, nos últimos 30 anos, excursiona-
ram pela América do Norte, alcançando
um público de mais de 250 mil pessoas.

 
“Com o fim das exposições, senti-
mos que o melhor seria encontrar um
bom lar permanente para que a coleção
continuasse contando as tradições espi-
rituais e artísticas, os valores e celebra-
ções e a complicada história de resiliên-
cia e triunfo do Nordeste brasileiro”, jus-
tifica Marion Jackson, professora eméri-
ta de História da Arte da Universidade de
Michigan, responsável pelo acervo ao la-
do da pesquisadora Barbara Cervenka.

 
De acordo com Jamile Coelho, diretora
do Muncab, a devolução amplifica o coro
sobre a importância do restauro da me-
mória. “Alguns desses artistas são da es-
cola do Pelourinho, já falecidos, de quem
não tínhamos tantos registros. Há tam-
bém produções do início da carreira de
José Adário das quais ele nem lembrava
mais”, diz, referindo-se ao ferreiro baia

no que esculpe ferramentas de orixás.

 
O andamento amigável desse caso
contrasta com o clima frequentemente
litigioso das repatriações. “Ambos os la-
dos poderiam ganhar se conseguissem
encontrar uma forma de aproveitar as
forças e recursos de cada parte para be-
nefício mútuo”, diz Marion.

 
A proposta vai ao encontro do pen-
samento de Glicéria. Em visita a quatro
dos outros dez mantos remanescentes na
Europa, a artista ouviu deles que aind

Não estavam prontos para voltar. Por mo-
tivo de segurança, o que retornou ao Bra-
sil não foi acolhido com os rituais pedi-
dos pelos tupinambás, gerando reclama-
ções na imprensa. A devolução para um
museu, em vez da própria comunidade,
também provocou críticas.

 
Ainda assim, antes da cerimônia ofi-
cial com o presidente Lula, a artista pôde
realizar um ritual com o artefato. E, des-
ta vez, ele lhe pediu paz. “Prefiro o diálo-
go. Todos erraram, mas podemos acertar
daqui para a frente. O manto é precioso
para o meu tempo e para outros tempos”,
conclui Glicéria.

 
Paulo Miyada, um dos curadores do
evento do Instituto Tomie Ohtake, de-
fine as políticas da memória como um
“campo em transformação”. Por isso
mesmo, diz ele, é natural que envolva lu-
tas, conflitos e rearranjos sociais.

CARTA CAPITAL     

O BOBO QUE QUERIA SER REI

 

FABIO KERCHÉ

O Candidato Pablo Marçal
transformou-se em um
fenômeno desta eleição,
atraindo a curiosidade pa-
ra além dos eleitores da ci-
dade de São Paulo. Nave-
gando na mesma extre-
ma-direita de Jair Bolso-
naro, mas sem as bênçãos explícitas des-
te, apareceu como uma alternativa aos
políticos e partidos mais tradicionais. En-
quanto o ex-capitão se adaptou às mídias
sociais, o coach é cria desse novo mundo.

 
A estratégia de Marçal era se compor-
tar desrespeitando qualquer manual de
política e de boas maneiras. Conseguiu
chamar a atenção dos eleitores mesmo
sem tempo na tevê ou um partido políti-
co de peso. Os veículos de comunicação
o incluíram nos debates sem ser obriga-
dos pela legislação, e suas palhaçadas,
grosserias e mentiras renderam até mes-
mo uma cadeirada do candidato José
Luiz Datena. Marçal, após o episódio, foi
parar num hospital e ostentou o braço
enfaixado por semanas, em dramatiza-
ção que lembra muito José Serra na elei-
ção presidencial de 2010. Naquela oca-
sião, o candidato do PSDB, que disputa-
va a eleição contra Dilma Rousseff, fez
um escarcéu por causa de uma bolinha
de papel que atingiu sua cabeça. O Jornal
Nacional, inclusive, fez o papelão de cha-
mar especialistas para analisar imagens
frame a frame do “atentado”, mostrando
que Serra tinha sido atingido, na verda-
de, por um rolo de fita adesiva.

 
A estratégia do coach parecia que da-
ria certo. As pesquisas indicavam que ele
estava em ascensão e que poderia ir para
o segundo turno para prefeito em São
Paulo. Na noite de sexta-feira 4, entretan-
to, antevéspera da eleição, ele decide di-
vulgar um atestado que supostamente
comprovaria que Guilherme Boulos era
usuário de cocaína, acusação que Mar-
çal já havia feito em debates anteriores.

 
O documento divulgado em suas redes
sociais era uma grosseira falsificação. A
bomba destinada ao candidato do PSOL,
apoiado por Lula, estourou no colo de
Marçal e pode ter custado os votos que
lhe faltavam para ir ao segundo turno.

 
A pergunta que ficou no ar é por que
Marçal, que tinha adotado uma postura
de candidato sério e com propostas no
debate da TV Globo, partiu para uma ati-
tude como essa?

 
Hipóteses não faltam. Uma é de que
ele, que quase matou seus seguidores ao
conduzi-los numa escalada na cidade de
Piquete (SP), em 2022, é limitado, para
não dizer burro mesmo. Outra atribui a
ele uma racionalidade estratégica que
não deu certo: Marçal tentou uma bala
de prata e não contava ser desmascara-
do tão cedo. Acreditava que, quando a
farsa fosse descoberta, já estaria no se-
gundo turno e criaria embaraços para a
Justiça Eleitoral agir contra alguém que
tinha sido vitorioso nas urnas. Há tam-
bém uma terceira explicação, com duas
conclusões possíveis: 1. Marçal não que-
ria vencer a eleição porque, na verdade,
quer disputar a Presidência da Repúbli-
ca em 2026. 2. Ele somente buscou se
promover para ganhar mais dinheiro no
seu negócio de enganar incautos com
“conselhos empreendedores”.

 
Talvez não tenhamos nunca a respos-
ta se foi isso que tirou Marçal do segun-
do turno e qual foi sua verdadeira moti-
vação. O que sabemos, contudo, é que ele
colocou a Justiça Eleitoral numa sinuca
de bico: ou o coach, dublê de candidato,
tem seus direitos políticos cassados, e a

im fica inelegível por oito anos, ou o Ju-
diciário cai em descrédito e sinaliza que
não regula o processo eleitoral. Até o mo-
mento, dezenas de ações correm na Jus-
tiça contra o candidato, o que comprova
que a falsificação do laudo fez parte de
uma estratégia deliberada de campanha.
Se a jurisprudência for observada, espe-
cialmente pela postura dura do TSE em
tempos de Bolsonaro, Marçal não pode-
rá disputar eleições até, ao menos, 2032.
E isso seria uma boa notícia.

 
Como em qualquer disputa, elei-
ções devem, necessariamente,
ter as regras observadas por to-
dos os competidores. É assim
nos esportes, é assim na polí-
tica. Não fazem parte da demo-
cracia mentiras e falsificações. A extrema-
-direita parece não levar esse pressuposto
a sério. Na lógica deles, vale qualquer coi-
sa para manipular os eleitores. Bolsonaro
está inelegível por propagar mentiras so-
bre o sistema eleitoral. Marçal dobrou a
aposta mentindo descaradamente sobre
um adversário. Até o momento, os eleito-
res vão cumprindo sua parte. Tanto o ex-
-presidente quanto o coach perderam nas
urnas. Mas isso pode não ser suficiente em
futuros pleitos. A Justiça Eleitoral deve ser
dura com Marçal como foi com Bolsonaro.
Neste jogo com regras, somente o resulta-
do deve ser imprevisíve

CARTA CAPITAL 

 

Tentáculos Extremistas

 


O BOLSONARISMO E SEUS SATÉLITES
GANHAM TRAÇÃO NOS MUNICÍPIOS

:P o r  C L Á U D I O  C O U T O 

 Findo o primeiro turno das elei-
ções municipais de 2024, mui-
to se falou sobre o crescimen-
to da direita no Brasil, prenun-
ciando a eleição de um Con-
gresso ainda mais conserva-
dor em 2026, pois o melhor
preditor da eleição congres-
sual são as disputas municipais que a an-
tecedem. Esclareçamos, porém, de qual
direita se fala. Podemos falar de ao me-
nos três no atinente ao sistema partidário.

 
Uma é aquela direita tradicional, for-
mada pelos partidos que correspondem
ao conjunto conhecido como “Centrão”.

 
Trata-se de uma direita pragmática, mais
do que ideológica, que historicamente hi-
potecou apoio aos governos em troca de
dois benefícios materiais: cargos na admi-
nistração pública direta ou indireta e re-
cursos do orçamento público. Tal modus
o:erandi de trocar apoio por cargos e ver-
bas, conhecido como fisiologismo, é o que
me faz denominar tais agremiações co-
mo partidos de adesão. Aderem a quais-
quer governos, desde que recompensados.
Devido ao cada vez maior controle do

orçamento público pelo Congresso, retiran-
do do Executivo a possibilidade de barga-
nhar a liberação de recursos como contra-
partida à lealdade parlamentar, o modus
o:erandi dessas agremiações mudou. Nos
últimos anos, elas puderam hipotecar ca-
da vez menos apoio ao governo, pois de-
pendem menos dele. Ou seja, os partidos
de adesão já não são tão aderentes. Ainda
que o Executivo ceda espaços na máquina
aos partidos, seja na chefia de ministérios,
seja em postos na burocracia pública, tem
menor capacidade para manter a lealdade
dos congressistas individualmente. Isso
lhes permite, sem deixarem de ser prag-
máticos, se tornarem mais ideológicos

Uma segunda direita (ou centro-
-direita) é formada por partidos que não
atuam (ou atuaram) como de adesão. É o
caso do PSDB, do PFL/DEM e do PPS/Ci-
dadania. Essas agremiações sustentaram
o governo de Fernando Henrique Cardo-
so e se mantiveram firmes na oposição às
gestões petistas. O PPS, a bem da verda-
de, chegou inicialmente a integrar a coa-
lizão de Lula, mas durou pouco. Foram
partidos mais vertebrados ideologica-
mente e menos pragmáticos na barganha
de apoio por recursos governamentais.
Por isso mesmo sofreram na oposição.

 
Finalmente, há uma terceira direita,
mais nova e ideológica, a extrema-direi-
ta. Embora sempre tenha tido represen-
tantes esparsos por diversas agremia-
ções, não era dotada de maior coesão até
o advento do bolsonarismo. Chegou ao
poder como movimento, não como par-
tido, circunstancialmente abrigada no
PSL que elegeu Jair Bolsonaro, além de
contar com os esparsos de sempre. O bol-
sonarismo no governo abriu campo para
o seu avanço e consolidação. Incapaz de
criar um grande partido no qual pudessem

 se organizar, acabou por ingressar mas-
sivamente no antes adesista PL de Val-
demar Costa Neto, transformando-o em
seu principal, mas não único, instrumen-
to de ação eleitoral. O Novo é um satélite
nanico desse extremismo direitista he-
gemonizado pelo bolsonarismo.

 
Feito o mapeamento, podemos avaliar
como os partidos se saíram no primeiro
turno destas eleições municipais. A direita
pragmática correspondente dos partidos
de adesão sempre foi predominante nas
disputas locais. Essas agremiações con-
quistaram, em média, 68% dos municípios,
considerando-se todos os certames muni-
cipais desde 1982 (excetuados os de 1985,
quando só capitais e algumas outras cida-
des elegeram prefeitos, totalizando 201 dis-
putas). Nas eleições deste ano foram con-
quistados 71% dos municípios em disputa
no primeiro turno – isto é, um montan-
te muito próximo da média histórica.

 
A direita e o centro-direita ideológico
moderado, por sua vez, conquistaram, em
média, 19% dos municípios nos pleitos mu-
nicipais, atingindo o ápice em 2000, últi-
mas eleições locais do período FHC, quan-
do abiscoitou 39% das vitórias. No primei-
ro turno de 2024 obteve magérrimos 6%,
já desfalcada do PFL/DEM, que se juntou
ao PSL ex-bolsonarista para formar um
novo partido de adesão, o União Brasil.

 
A novidade deste ano é a extrema-di-
reita municipalista, que conquistou 10%
das prefeituras no primeiro turno (e po-
derá aumentar sua fatia no segundo) com
as vitórias do PL e do Novo. Como an-
tes não havia uma extrema-direita cen-
tralizada partidariamente nessas duas
agremiações, não há como considerar
tal crescimento em perspectiva históri-
ca. Pode-se afirmar, contudo, que essa fa-
tia de municípios conquistada pela extre-
ma-direita não é reflexo local de disputas
nacionais, mas resultado da estrutura-
ção desse segmento no plano municipal.
Isto é, a extrema-direita ganhou nos mu-
nicípios porque está implantada neles.

 
E a  esquerda? Essa tem sofrido
muito desde 2016, quando seu
principal partido, o PT, sofreu
uma debacle, perdendo 60% de
seus prefeitos e vereadores – na-
quelas eleições, a esquerda como
um todo ganhou 21% das prefeituras. O
melhor momento da esquerda munici-
palista foi em 2012, quando cacifou 28%
dos governos locais. Após o trágico ano do
im:eacfment de Dilma Rousseff, da re-
cessão causada pela política econômica
de seu governo e do apogeu da Operação
Lava Jato, a esquerda não se recuperou
do baque. Em 2020 teve resultados ain-
da piores do que quatro anos antes, amea-
lhando apenas 15% dos governos locais. E,
finalmente, em 2024, ganhou apenas 14%
das disputas travadas no primeiro turno.

 
Enfim, a novidade de 2024 não é um
suposto crescimento dos partidos do
“Centrão” nos municípios. Isso não ocor-
reu, pois essas agremiações ficaram pou-
co acima da média histórica. Um aspecto
a ser ressaltado é o desmilinguir do cen-
tro-direita representado pela Federação
PSDB Cidadania. Comparada ao resulta-
do de quatro anos atrás, ela foi reduzida
à metade: de 12% para 6% das municipa-
lidades. Se considerarmos o DEM ainda
parte desse grupo em 2020, o tombo foi
ainda maior: de 21% para 6%. Mas talvez
seja mais acurado dizer que naquele mo-
mento o antigo PFL já havia virado “Cen-
trão”. Portanto, de singular mesmo sobra
uma coisa: o surgimento de uma extrema-
-direita partidária implantada nos muni-
cípios. Ela cresceu no espaço aberto pelo
declínio do centro-direita e da esquerda.
wCientista :olítico, :robessor da FGV-EAES

CARTA CAPITAL