March 13, 2024

Reforma eleitoral para quem?

 


As propostas de mudança no sistema eleitoral atendem mais aos políticos do que aos eleitores

CLAUDIO COUTO

Recente levantamento da
CNN Brasil mostra que, des-
de a aprovação da reeleição
para as chefias do Executi-
vo, ao menos 57 propostas
de emenda constitucional para acabar
com o instituto foram apresentadas. Não
obstante, ele continua aí. Também tem si-
do frequente que presidenciáveis de opo-
sição se manifestem contra a proposta. Os
que se elegeram, contudo, logo abando-
nam a ideia. Foi assim com Lula em 2002
e Bolsonaro em 2018. Idem o governador
gaúcho, Eduardo Leite, que se manifesta-
ra contra a reeleição antes de se tornar
chefe de governo no Rio Grande do Sul e
acabou optando por disputar um segun-
do mandato – e conseguiu. Agora, Leite
volta a defender o fim do instituto ao lado
de seus colegas presidenciáveis do Con-
sórcio Sul-Sudeste, Romeu Zema e Rati-
nho Júnior. Ambos, aliás, reeleitos para
o governo de seus estados.

 
Desta feita, a proposta de extinguir o
instituto ganha impulso adicional, pois
tem sido defendida pelo presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, que tem po-
der de agenda no processo legislativo
congressual. O senador colocou-a como
pauta prioritária da casa que preside pa-
ra este ano, aproveitando o embalo da dis-
cussão de um novo código eleitoral, relata-
do pelo colega Marcelo Castro. E ela se faz
acompanhar de outra velha ideia muitas
vezes brandida por integrantes de nossa
classe política, mas nunca aprovada: a de
unificar todas as eleições num único pleito.

 
Pense-se no que esta segunda pro-
posta representará, se concretizada: o
eleitorado terá de decidir de uma única
vez como votar para sete cargos: verea-
dor, prefeito, deputado estadual, gover-
nador, deputado federal, senador e pre-
sidente da República. Como a cada duas
eleições são eleitos dois senadores, nesses
pleitos o número de escolhas sobe para oi-
to. Em tal situação, para votar o eleitora-
do precisará considerar questões que vão
desde buracos nas ruas até as relações do
Mercosul com a China, desde as vagas nas
creches municipais até a taxa de juros ar-
bitrada pelo Banco Central, desde os pro-

lemas mais comezinhos da vida citadina
até as mais amplas questões das relações
internacionais. Qual a qualidade do deba-
te político em tal contexto? Como acom-
panhar simultaneamente, com um míni-
mo de compreensão, os debates para pre-
feito, governador e presidente, sem falar
nos cargos legislativos? Qual a qualidade
da democracia com eleições ocorrendo
nesse cipoal de temas e cargos?

 
Duas justificativas costumam ser apre-
sentadas para defender tal proposta. Uma,
que isto representaria uma economia, ou-
tra, que o País não funciona tendo de fazer
eleições a cada dois anos, porque tudo pa-
ra. Será mesmo? Será que outras democra-
cias, inclusive as mais consolidadas mun-
do afora, realizam menos eleições e, por
isso, são mais felizes e bem geridas? Não é
o que a experiência internacional mostra.

Tome-se o exemplo da Alemanha, refe-
rência quando se trata de estabilidade po-
lítica e qualidade da gestão pública. En-
tre 2000 e 2023, os alemães votaram to-
dos os anos. Isso mesmo: houve eleição
ano sim, ano também. Não consta que is-
so tenha prejudicado as políticas de go-
verno, atrasado o desenvolvimento eco-
nômico ou prejudicado o controle das
contas públicas. Como o Brasil, a Alema-
nha é um país federativo e os temas espe-
cificamente estaduais, municipais e na-
cionais, se tratados em eleições próprias,
propiciam um debate eleitoral mais inte-
ligível e bem informado, conduzindo as-
sim a melhores decisões eleitorais.

 
A ideia de que unificar as eleições me-
lhora a qualidade do governo e da demo-
cracia baseia-se apenas numa suposição
abstrata, sem respaldo na experiência

in ternacional. E ela vem acompanhada de
outra péssima ideia: aumentar o tempo
dos mandatos, o que reduz o controle do
eleitor sobre seus representantes. No ca-
so do Senado, a proposta chega a ser in-
decente: subir para dez anos o mandato
na Câmara Alta. Noutras democracias,
como Estados Unidos e França, os man-
datos são mais curtos que os nossos, não
mais longos. Aliás, nos EUA também se
realizam eleições para o Congresso a ca-
da dois anos e na França o Senado é par-
cialmente renovado a cada triênio. Is-
so, sem contar as muitas eleições mu-
nicipais, de condados etc. que se dão no
meio desse calendário.

 
Alega-se por aqui que quatro anos é
pouco para implementar um plano de go-
verno e, portanto, subir para cinco aju-
daria. Ao mesmo tempo, diz-se que cinco
anos é tempo demais. Ora, o sistema ho-
je existente, de um mandato de quatro
anos com direito à reeleição, produz um
mecanismo bastante eficiente. Depois de
testado por um quadriênio, ao disputar a
reeleição o governante é, na prática, sub-
metido a um referendo sobre sua conti-
nuidade. Se bem avaliado pelo eleitora-
do, é reconduzido ao cargo, tendo assim
mais tempo para levar adiante suas pro-
postas. Se o oposto ocorrer, é substituí-
do com alguma rapidez. Não é razoável?
Não dá ao eleitorado mais opções em vez
de menos? Cinco anos não seria tempo
demais para um governante ruim? Por
que não o reconduzir, se bem avaliado?

 
Reconhecer os méritos da reeleição e
de disputas bianuais, que permitam a con-
tinuidade de bons governos e o tratamen-
to mais cuidadoso de certos temas, de mo-
do algum significa supor que aperfeiçoa-
mentos não sejam possíveis e desejáveis.

 
Mas os nossos representantes parecem
menos preocupados em melhorar o siste-
ma do que em atender às suas conveniên-
cias. Ora, para que se submeter ao crivo do
eleitorado a cada quatro anos, se esse tem-
po pode ser esticado? Para que aguardar
na fila que um governante bem avaliado
termine seu segundo mandato, se é pos-
sível colocar seu cargo à disposição para
disputa desde já? Para que dar ao eleitora-
do condições de discutir com mais cuida-
do os temas de seu interesse na eleição, se
é possível produzir uma maçaroca ininte-
ligível de discussões, sem que nada possa
ser efetivamente digerido pelos cidadãos?

 
Estamos novamente diante de possí-
veis mudanças que fazem mais sentido
para a proteção dos interesses corporati-
vos internos da classe política do que do
aprimoramento de nossa democracia.

CARTA CAPITAL   

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