March 15, 2024

8/2/24

 

 8/2/24

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Fernando de Barros e Silva

 Foi também num dia 8, um ano e um mês depois da tentativa do golpe frustrado de Oito de janeiro, quando a Praça dos Três Poderes se transformou em terra arrasada, que a Polícia Federal realizou a Operação Tempus Veritatis – Hora da Verdade, na língua que Jair Bolsonaro espanca e tortura –, visando não mais a massa de vândalos que depredou tudo, mas, pela primeira vez, a turma que frequentava a sala VIP do movimento golpista e ainda não havia sido desalojada de seu conforto. A PF foi para cima dos cabeças da conspiração, finalmente. Implicou na investigação dos crimes contra a democracia o próprio ex-presidente e alguns de seus principais áulicos, entre os quais os generais Augusto Heleno, ministro responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional, e Walter Braga Netto, que ocupou cargos estratégicos no desgoverno do capitão (ministro da Defesa e da Casa Civil). 

Ficou cristalina, depois de 8 de fevereiro, a razão da escolha de Braga Netto para vice na chapa que disputava a reeleição. O impacto eleitoral de sua indicação era nulo, talvez comparável à votação de Eymael, o democrata cristão, sufragado por 0,01% do eleitorado. Braga Netto não estava ali para conquistar eleitores, mas para engrossar o caldo golpista que vinha sendo preparado na cozinha palaciana. Para consumo externo, o vice era o militar de estilo aplayboyzado, com camisa desabotoada e ar de malandro, uma espécie de Nuno Leal Maia versão verde-oliva, que apareceu na saída do Palácio 

 da Alvorada, depois de visitar
Bolsonaro, dizendo a um grupo de eleito-
res: “Não percam a fé. É só o que eu pos-
so falar para vocês agora.”

 
A cena se deu em 18 de novembro de
2022, semanas depois da derrota nas ur-
nas, em meio a rumores de que o então
presidente, recolhido em casa, estaria de-
primido. Os fatos trazidos à tona pela pf
mostram que Bolsonaro, um vagabundo
contumaz, sabidamente avesso ao batente,
na verdade nunca trabalhou tanto naque-
les quase dois meses em que pouco com-
pareceu ao Palácio do Planalto. Podemos
imaginá-lo a caráter, de chinelo, calção
lasso e alguma camisa fuleira de clube de
futebol esgarçada na pança protuberante,
fazendo a única coisa que lhe apetece –
conspirando em tempo integral.

 
Os militares foram seu principal ins-
trumento para isso, mas não o único:
pastores, empresários, políticos, mili-
cianos, polícias e imprensa, a exemplo
da turma abrigada na Jovem Pan – ha-
via muita gente embarcada na aventura
autoritária. São as viúvas do golpe, mui-
tas delas soltas de graça por aí.

 
Mas voltemos a Braga Netto. Enquan-
to, à luz do dia, pedia aos bolsonaristas
renitentes que mantivessem a fé, o vice
derrotado agia ainda com mais fé pela vi-
rada de mesa, incitando seus pares de far-
da a pressionar o general Freire Gomes,
então comandante do Exército, a aderir ao
movimento golpista. O nível pedestre de
sua atuação está documentado no relató-
rio da pf, que reproduz trechos de mensa-
gens trocadas entre o general e seus
comparsas. Numa delas ele escreve:
Meu Amigo, infelizmente tenho que
dizer que a culpa pelo que está acon-
tecendo e acontecerá é do Gen. FREIRE
GOMES. Omissão e indecisão não cabem
a um combatente.

 
O “amigo” em questão é Ailton Gon-
çalves Moraes Barros, major reformado,
que havia sido preso em maio de 2023,
junto com o tenente-coronel Mauro Cid,
por participar do esquema de falsificação
do cartão de vacina de Jair Bolsonaro.
Mais ou menos como Bolsonaro, que foi
forçado a deixar a carreira militar, Ailton
Barros, como é chamado, foi expulso do
Exército. Em sua ficha constavam várias
punições disciplinares: abuso sexual de
civis em acampamentos militares, hu-
milhação de colegas de farda de menor
patente, mentiras em depoimentos e nego-
ciação com traficantes do Comando Ver-
melho para recuperar fuzis que haviam
sido roubados de um quartel.

 
Com esse currículo invejável, é claro
que Ailton Barros tinha acesso livre ao
coração do poder e se gabava de ser
amigo de Bolsonaro. Reportagem do
jornal O Globo da época em que o ex-
militar foi preso registra quinze entra-
das no Planalto entre 2019 e 2022. Lá
dentro, em algumas entradas, visitou
mais de um setor. No todo, foram trinta
encontros no palácio, sendo dois deles no
gabinete pessoal do presidente. Quem,
não tendo nenhum cargo no governo,
circula tanto no palácio presidencial?
E para fazer o quê?

 
É esse cidadão de bem quem respon-
de a Braga Netto nas mensagens revela-
das pela pf:
Vamos oferecer a cabeça dele aos leões,
diz, referindo-se a Freire Gomes, caso
o comandante fincasse o pé contra o
golpe. Ao que Braga Netto arremata, au-
torizando o amigo:
Oferece a cabeça dele. Cagão.

 
Walter Braga Netto despontou
para o mundo da política há seis
anos, também num mês de fe-
vereiro, logo depois do Carnaval, e cer-
cado de mesuras. Foi numa sexta-feira
(de cinzas) que Michel Temer – o pre-
sidente das mesóclises e das pastilhas,
aquele que deixou a democracia rouca
– nomeou o então comandante militar
do Leste como interventor na seguran-
ça pública do Rio de Janeiro. Era a pri-
meira vez, desde a promulgação da
Constituição de 1988, que um presi-
dente lançava mão desse instrumento.

 
“Eu tomo esta medida extrema por-
que as circunstâncias assim exigem.
O governo dará respostas duras, firmes
e adotará todas as providências necessá-
rias para enfrentar e derrotar o crime
organizado e as quadrilhas’’, disse Te-
mer, em seu protocolar blá-blá-blá.

 
Tratava-se, evidentemente, de uma
manobra diversionista, destinada a resol-
ver, ou atenuar, os problemas de um go-
vernante frágil e impopular, que havia
chegado à cadeira presidencial graças a
um impeachment cavado. Um governan-
te que vivia assombrado pelo fantasma da
ilegitimidade e, além do mais, se via cer-
cado por escândalos de corrupção, com
vários colegas de partido, o mdb, atrás das
grades. Em maio de 2017, viera à tona a
famosa frase gravada por Joesley Batista
– “Tem que manter isso, viu!” –, entendi-
da por todos como uma orientação de
Temer ao empresário do ramo da carne
para que prosseguisse comprando o silên-
cio de Eduardo Cunha, então na cadeia.

 
Esse recuo ao breve mandato de Te-
mer é menos arbitrário do que possa
parecer. Foi em seu governo que os mi-
litares começaram a voltar ao centro do
poder político, do qual haviam sido afas-
tados com a redemocratização do país.
Pode-se discutir, à luz do que ocorreu
nos últimos anos, quão afastados eles de
fato estiveram, ou se o famigerado artigo
142 da Constituição de 1988 – aquele
que confere às Forças Armadas a “garan-
tia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem” – não representa uma espada de
Dâmocles a ameaçar permanentemente
a democracia (penso ser óbvio que sim).
Mas, a despeito disso tudo, o fato é que
desde a criação do Ministério da Defe-
sa, no segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso, em 1999, até o se-
gundo mandato interrompido de Dil-
ma Rousseff, em 2016 – durante quase
duas décadas, portanto –, o comando
sobre as Forças Armadas esteve nas
mãos de um ministro civil.

 
Michel Temer rompeu essa tradição.
Ou talvez seja mais correto dizer que
ele retomou a velha tradição – inter-
rompida por dezessete anos – de um
país cuja história pode ser narrada pela
sucessão de conspirações e golpes mili-
tares. Dias depois de nomear Braga
Netto interventor, o presidente deslocou
Raul Jungmann para o recém-criado
Ministério Extraordinário da Seguran-
ça Pública e colocou o general Joaquim
Silva e Luna à frente da Defesa. Era um
retrocesso, mas a militarização do go-
verno já vinha de antes.

 
Quem conta bem essa história é a
jornalista Natalia Viana, no livro Dano
colateral: a intervenção dos militares
na segurança pública, publicado pela
Objetiva em 2021. No capítulo intitula-
do O governo Temer e os militares, Viana
lembra que o presidente nomeou o ge-
neral Sérgio Etchegoyen ministro-chefe
da Secretaria de Segurança Institucio-
nal no mesmo dia em que foi empossa-
do, devolvendo imediatamente à função
seu status ministerial, que Dilma havia
extinguido meses antes, quando transfe-
riu a Abin para a Secretaria de Governo
da Presidência da República e subme-
teu pela primeira vez o serviço de inteli-
gência brasileiro ao poder civil.

 
Em entrevista a Viana registrada no
livro, Etchegoyen se refere a Dilma nos
seguintes termos: “Essa senhora não ti-
nha a menor ideia de onde ela estava. [

Diminuir o gsi, realmente essa senhora
está noutra, o problema dela é outro, é
falta de visão de Estado, falta de tudo.

 
Quando foi chamado por Temer para
o Planalto, Etchegoyen era o chefe do
Estado-Maior do Exército, cargo muito
cobiçado, responsável pela política mi-
litar e pelo planejamento estratégico da
Força. Quem o colocou lá foi o então
comandante do Exército, general Eduar-
do Villas Bôas – o do tuíte. Eram ami-
gos da vida toda, nascidos na mesma
cidadezinha no interior do Rio Grande
do Sul, e tinham, segundo as palavras
de Villas Bôas, “uma grande identidade
na maneira de pensar e agir”.

 
A escolha de Etchegoyen era, por-
tanto, muito natural, a não ser por um
detalhe: general da ativa, ele havia se
insurgido publicamente poucos meses
antes, em termos bastante duros, contra
a Comissão Nacional da Verdade (cnv),
numa atitude de clara insubordinação.
A razão: em seu relatório final, a cnv
arrolava o tio e o pai de Etchegoyen en-
tre os militares que haviam participado
da tortura durante a ditadura militar.

 
Seu ódio de Dilma tinha origem aí.
Com a queda da petista, Etchegoyen
se tornou uma espécie de primeiro-
ministro, com acesso praticamente ir-
restrito ao presidente. Era o primeiro a
despachar diariamente no gabinete pre-
sidencial. Villas Bôas, por sua vez, man-
tinha com Temer uma relação pessoal
anterior à sua chegada à Presidência.
Pelo menos numa ocasião, como o pró-
prio Temer admitiu, ele jantou na casa
de Villas Bôas, a convite do general,
durante a crise do impeachment. Não é
proibido imaginar o que conversaram.

 
Quando o governo em que Etche-
goyen dava as cartas decidiu indi-
car Braga Netto interventor no
Rio, Villas Bôas achou por bem consul-
tar a família Marinho. “Fui a eles pedir
apoio. Foram receptivos e concordaram
em apoiar.” São palavras do próprio
Villas Bôas, no longo depoimento que
concedeu a Celso Castro, pesquisador
da Fundação Getulio Vargas especiali-
zado em assuntos militares, reunido no
livro General Villas Bôas: conversa com
o comandante, da editora fgv.

 
No dia seguinte ao anúncio do inter-
ventor, o principal jornal da família
Marinho publicava um editorial bas-
tante simpático à “medida extrema”,
como Temer a chamou. Sob o título
Decisão inevitável, o editorial de O Glo-
bo alertava para a perda da capacidade
de comando sobre as polícias por parte
do governador, chamava atenção para a
corrupção policial e para o envolvimen-
to das forças de segurança com o crime
organizado e destacava ainda o belo
currículo do interventor, que estaria à
altura da missão. A conclusão amarrava
tudo da seguinte forma: “Não há uma
solução instantânea para a crise de se-
gurança no Rio, parte de um problema
que é nacional. Portanto, a intervenção
em si é apenas um meio para conter e
reverter a debacle. Serão necessárias
ações efetivas na cidade, no estado e
nas fronteiras, numa intensidade ainda
não vista. A intervenção irá até 31 de
dezembro. Talvez seja pouco.”

 
Talvez seja pouco. Braga Netto pare-
ce ter guardado com carinho essa últi-
ma frase. No final de 2022, lá estava
ele, cheio de fé, achando pouco os qua-
tro anos de mandato que o povo havia
concedido a Bolsonaro.

 
Usei este personagem como fio da
meada porque sua trajetória, de
interventor a golpista, conta uma
história que é anterior a Bolsonaro e
ainda não acabou.

 
Em termos metafóricos, digamos que
Temer convidou os militares para jantar,
enfeitou a casa com flores, abriu uma gar-
rafa de vinho, abaixou a luminosidade da
sala e colocou um bolero ao fundo para
criar aquele clima. Um flerte à moda an-
tiga, com direito a todas as cafonices, com
band-aid no calcanhar, com tudo, que ao
final da noite levá-los-ia para a cama,
onde se daria o desenlace amoroso.

 
Bolsonaro, não. Ele dispensa as forma-
lidades, os rituais, os volteios da sedução.
O imbrochável é inimigo das mediações.
Dança do acasalamento é para os frou-
xos, com ele é na base da curra, porra!
E ponto final. Suspeita-se, inclusive, que
a reunião entre o presidente e seus minis-
tros que vazou da Operação Tempus Ve-
ritatis, aquela em que se discutiu o
cardápio de opções para consumar um
golpe de Estado, já esteja disponível no
Xvideos. Na categoria golden shit ou, tal-
vez, sob a rubrica “surubão patriótico”.

 
Há outras maneiras, mais sutis, de
diferenciar o que ocorreu em relação aos
militares na passagem de Temer a Bolso-
naro. Digamos que na era da mesóclise
eles ainda transavam de camisinha.

 
Braga Netto, que viveu as duas expe-
riências, rasgou a fantasia da legalidade
em março de 2021, quando aceitou substi-
tuir o então ministro da Defesa, Fernando
Azevedo e Silva, que não estava suficien-
temente alinhado com aquilo que o pre-
sidente esperava das Forças Armadas.

 
Bolsonaro agia para subordinar o aparato
militar a seu projeto de poder, e para isso
escalou Braga Netto. Na ocasião, Edson
Pujol, um general legalista, foi substi-
tuído por Paulo Sérgio Nogueira no co-
mando do Exército, e Almir Garnier, um
dos mais assanhados entre os inimigos da
democracia, assumiu a Marinha.

 
Quase um ano antes, em abril de
2020, com a pandemia escalando, Bolso-
naro teve as asas cortadas em pleno voo
quando Alexandre de Moraes suspen-
deu o decreto de nomeação e a posse, já
marcada, de Alexandre Ramagem como
diretor-geral da Polícia Federal. O dele-
gado Ramagem, uma espécie de agregado
da família Bolsonaro, acabou permane-
cendo na Abin, onde montou a máquina
de espionagem ilegal que veio a público
recentemente. Se tivesse assumido a pf,
uma instituição muito mais poderosa, o
estrago seria de outra ordem.

Em depoimento recente à pf, Mauro
Cid – o mordomo que sabe demais –
revelou que existia no entorno de Bolso-
naro um grupo que pregava a formação
de “um braço armado” para auxiliar o
plano golpista. Essa suposta milícia, for-
mada sobretudo pelos cacs (Coleciona-
dores, Atiradores e Caçadores), deveria
ser acionada, segundo o ex-ajudante de
ordens, assim que Bolsonaro revertesse
na canetada o resultado das eleições.

 
Levantamento do portal G1 mostrou
que Bolsonaro concedeu 904 858 regis-
tros para aquisição de novas armas no
país ao longo de seu mandato. Quase
metade desses registros (48%) saiu em
2022, o que representa mais de 400 mil
armas na praça, ou nas mãos de bolso-
naristas fervorosos, em ano eleitoral.

 
Todas essas histórias aqui esboçadas
formam um mosaico do que pode-
mos chamar de acumulação primi-
tiva do Oito de Janeiro. Há muitas
outras. Mas, se tivéssemos que fixar um
marco zero da cruzada antidemocráti-
ca, eu diria que ele se localiza no dia
3 de abril de 2018. Mais exatamente às
20h39, quando aparecem na tela do
Twitter oficial de Villas Bôas as duas
postagens destinadas a intimidar o Su-
premo Tribunal Federal na véspera da
votação que iria decidir se Lula poderia
ser preso imediatamente, mesmo antes
de sua condenação definitiva, ou não.
tar”, demanda que desde então jamais
saiu de pauta no planeta do bolsonarismo.

 
William Bonner leu os tuítes na íntegra
no apagar das luzes do Jornal Nacional:
Nessa situação que vive o Brasil, resta
perguntar às instituições e ao povo quem
realmente está pensando no bem do País
e das gerações futuras e quem está preo-
cupado apenas com interesses pessoais?
Asseguro à Nação que o Exército Brasi-
leiro julga compartilhar o anseio de todos
os cidadãos de bem de repúdio à impuni-
dade e de respeito à Constituição, à paz
social e à Democracia, bem como se man-
tém atento às suas missões institucionais.

 
Todo mundo conhece essas posta-
gens, mas a avalanche de descalabros
que na sequência varreram o país aca-
bou ofuscando a gravidade do que estava
em curso naquele momento. O jornalis-
ta Fabio Victor reconstituiu o episódio
em detalhes no livro Poder camuflado: os
militares e a política, do fim da ditadura
à aliança com Bolsonaro, lançado em
2022 pela Companhia das Letras.

 
Nos meses que antecederam o tuíte,
Villas Bôas havia se tornado uma celebri-
dade. Concedia entrevistas para jornais e
revistas, foi saudado por Pedro Bial como
um chefe militar que tinha “talento de co-
municador”, “senso de humor” e “espírito
democrático”. Fabio Victor nos mostra, no
capítulo intitulado Anatomia de um tuíte,
que, enquanto o general posava de demo-
crata (na mídia e para a mídia), sua mu-
lher, Maria Aparecida, soltava a mão nas
redes sociais a favor da “intervenção mili-

 tar”, demanda que desde então jamais
saiu de pauta no planeta do bolsonarismo.
“Intervenção militar não é golpe –
Não é a volta da ditadura – Não é golpe
na democracia – Intervenção militar é a
garantia da democracia com a saída ime-
diata dos políticos que destruíram nossa
nação!” Eram essas as palavras que po-
diam ser lidas em novembro de 2017 no
Facebook da senhora Villas Bôas.

 
Cinco anos mais tarde, em dezem-
bro de 2022, ela marcava presença no
acampamento montado em frente ao
qg do Exército em Brasília e se deixava
fotografar sorridente ao lado dos golpis-
tas. Chegou a levar o marido, já mui-
to debilitado pela doença, para visitar o
local de carro, isso dias antes do domin-
go em que os acampados saíram em
marcha para depredar o Congresso, o
Supremo e o Palácio do Planalto.

 
Se a fala de Bolsonaro em 2016, dedi-
cando seu voto pelo impeachment
de Dilma a um dos chefes da tortura
na ditadura, marca o momento em que a
extrema direita se apresenta como opção
de poder, assumindo sem disfarces a que
vinha, o tuíte de Villas Bôas, dois anos
depois, assinala o instante em que o Exér-
cito acolhe essa extrema direita e anuncia
que as regras do jogo haviam mudado.
Democracia, diz sem dizer o comandan-
te, daqui em diante só se a pista estiver
livre para o nosso candidato.

 
No dia 5 de junho de 2018, Bolsonaro
fez uma visita a Villas Bôas no quartel-
general do Exército. Augusto Heleno
acompanhava o candidato e vários inte-
grantes do Alto Comando participaram
do encontro. Conversaram por duas horas
e meia. E curiosamente, como lembra
Fabio Victor em seu livro, a visita não
constava da agenda oficial de Villas Bôas.

 
O casamento celebrado na capela do
patriotismo (o último refúgio dos cana-
lhas) entre o conservadorismo de um e o
autoritarismo do outro, e vice-versa, chan-
celado pela tara udenista de Sergio Moro
e a tara ultraliberal de Paulo Guedes, os
padrinhos, por muito pouco não levou o
país à ruína. Há controvérsias a respeito.
Bolsonaro sabia do que era capaz
quando disse, em sua primeira viagem
aos Estados Unidos, num jantar com os
ideólogos do trumpismo, que sua tarefa
histórica era desconstruir muita coisa.

 
A missão histórica de Lula é reconstruir
os cacos (tarefa ao mesmo tempo simbó-
lica e concreta) e impedir que a extrema
direita volte ao poder em 2026. Para isso,
será preciso mais do que o voluntarismo
de Alexandre de Moraes e o toc-toc-toc
da pf. Sem enfrentar politicamente, em
termos estruturais, o nó militar e o pro-
blema da (falta de) lealdade das Forças
Armadas à democracia, continuaremos
vibrando com prisões espetaculares aqui
e ali enquanto adiamos, ad infinitum, a
hora da verdade.  

CARTA CAPITAL 

ilustração: ALLAN SIEBER 

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