June 10, 2022

O agro e a fome

 




Como explicar que o agronegócio viu seu PIB crescer 8,3% em 2021, chegando a 27,4% da economia nacional, enquanto o País tem 33 milhões de famintos?

Por Guilherme Boulos .

Nesta semana, a Rede Penssan
divulgou o mais recente le -
vantamento do Instituto Vox
Populi sobre fome e segurança alimen-
tar no Brasil. O cenário não poderia
ser mais dramático. O País tem hoje 33
milhões de famintos, o que correspon-
de a 15,5% da população brasileira. Em
2020, esse número era de 19 milhões,
ou 9,1% da população. Antes do gover-
no Bolsonaro, em 2018, eram 5,8%.
Se considerarmos ainda a inseguran-
ça alimentar moderada e leve, o núme-
ro de brasileiros afetados sobe para ina-
creditáveis 125,2 milhões, ou seja, 58,7%
da população nacional. A situação é mais
grave entre famílias chefiadas por mu-
lheres e por pessoas negras. E as regiões
com números mais críticos são o Nor-
te e o Nordeste. Essa última responde,
sozinha, por 12 milhões de brasileiros
com fome. Ironia perversa, mas a fome
no campo é maior do que na cidade, atin-
gindo 18,6% da população rural.

 
Temos aqui um retrato fiel da contra-
dição brasileira. Somos o terceiro maior
produtor de alimentos do planeta e nosso
povo padece com o avanço devastador da
fome. Como explicar que o agronegócio
viu seu PIB crescer 8,3% em 2021, che-
gando a 27,4% da economia nacional, en-
quanto temos 33 milhões de famintos?
Como explicar que somos o maior produ-
tor mundial de soja e o óleo de soja puxou
a inflação de alimentos no País?

 
É o modelo econômico, estúpido... As
grandes corporações do agronegócio es-
tão preocupadas em expandir a mono-
cultura para exportação, explorando o
solo brasileiro de forma intensiva, para
vender os produtos agrícolas em dólar
no mercado de commodities. O agrone-
gócio não está preocupado em abastecer
o mercado interno. E, ainda assim, tem
todas as benesses, como isenção de im-
postos para exportação, abatimento de
ICMS de agrotóxicos e ausência de fis-
calização na cobrança de ITR.

 
Enquanto isso, os pequenos e médios
produtores rurais – quem de fato abas-
tece a mesa dos brasileiros – ficaram à
míngua no governo Bolsonaro. O Pro-
naf teve redução na concessão de crédi-
to e endurecimento de critérios. O Pro-
grama de Aquisição de Alimentos (PAA)
e o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) viram o orçamento se-
car a quase zero. Esses programas tive-
ram um papel decisivo nos governos de
Lula e Dilma Rousseff porque atuavam
nas duas pontas. De um lado, garantiam
a compra de alimentos da agricultura fa-
miliar, apoiando os produtores. De outro,
organizavam a distribuição nas cidades,
alimentando a população mais vulnerá-
vel. Bolsonaro fez questão de liquidá-los.
Para entender o avanço da fome no
Brasil, é preciso também falar sobre
o desmonte da Companhia Nacional
de Abastecimento. Historicamente, a
Conab garantiu estoques reguladores de
alimentos, que permitiam intervenção
nos preços de mercado em caso de safras
ruins ou de especulação financeira. Se o
preço do feijão subia, a Conab colocava
no mercado feijão de seu estoque, impul-
sionando a baixa do valor. Em 2019, Bol-
sonaro vendeu dezenas de armazéns da
companhia e desmontou a política de es-
toques reguladores. Justamente por isso,
a inflação de alimentos dos últimos dois
anos encontrou o Estado de mãos atadas.

 
A inflação de alimentos ainda foi po-
tencializada pelo aumento no preço do
diesel, antes mesmo da guerra na Ucrâ-
nia, resultado da desastrosa política de
preços adotada pela Petrobras. A parida-
de com os preços internacionais dolari-
zou o preço dos combustíveis no Brasil,
aumentando o custo do frete e corroen-
do o orçamento familiar dos brasileiros.
Parafraseando Darcy Ribeiro, a cri-
se da fome no Brasil não é uma crise, é
um projeto político. Bolsonaro e a agen-
da econômica selvagem de seu governo
são responsáveis diretos por essa tragé-
dia humanitária que atinge hoje 33 mi-
lhões de pessoas em nosso país.

 
A situação só não é ainda pior pela
atuação dos movimentos sociais no com-
bate à fome, do MST ao movimento ne-
gro, passando pelas Cozinhas Solidárias
do MTST. Nesta semana, tive o prazer de
participar da inauguração da 30ª Cozi-
nha Solidária, em Salvador. São mais de
5 mil refeições servidas todos os dias, em
comunidades periféricas espalhadas por
14 estados. Na prática, é o movimento po-
pular, com apoio de milhares de doado-
res, fazendo o que o governo não faz.
A fome é o motivo mais urgente para
virarmos a página do pesadelo bolsona-
rista. Em 2023, a prioridade número 1 de
um governo popular tem de ser um pla-
no emergencial de segurança alimentar,
transformando em política pública a ini-
ciativa dos movimentos sociais no com-
bate à fome.

CARTA CAPITAL


 

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