June 10, 2022

Auxílio Brasil não rende os dividendos esperados pelo Planalto


Retrocesso. O Ministério da Cidadania prometia “inovações”, entre elas um auxílio-creche que nunca saiu do papel. Os beneficiários penam nas filas e o valor não compra nem a cesta básica - Imagem: Luis Alvarenga/Getty Images/AFP


Por Maurício Thuswohl ...

 

Criado para tentar apagar da memória dos beneficiários o Bolsa Família dos tempos petistas e vitaminar as chances de reeleição de Jair Bolsonaro, o Auxílio Brasil é mais um fracasso da agenda eleitoreira do Palácio do Planalto. Passados dez meses do lançamento do benefício, que elevou o pagamento mensal a 400 reais e ampliou o número de famílias contempladas, a insatisfação entre os mais pobres continua elevada. Segundo pesquisa recente do ­Datafolha, 69% daqueles que recebem o auxílio o consideram insuficiente. E mais: 59% pretendem votar em Lula, contra 20% que preferem o ex-capitão, o “pai” da medida.

Propagandeada pela MInistério da Cidadadania 

um programa mais moderno e abrangente 

que o antecessor, o
Auxílio Brasil esbarrou em dificulda-
des que distanciaram o discurso da rea-
lidade. Apesar de ter aumentado o nú-
mero de famílias atendidas e de pratica-
mente dobrar o valor mensal do benefí-
cio, o governo mudou critérios de avalia-
ção do Bolsa Família, entre eles o tama-
nho das famílias e seu grau de pobreza,
o que levava o benefício criado no gover-
no Lula a eventualmente ultrapassar os
600 reais. No atual modelo, o valor do be-
nefício é único, não importa se a famí-
lia atendida tem dois ou dez integrantes.
Bolsonaro ignorou ainda os efeitos
corrosivos da inflação, que tem se man-
tido em dois dígitos e, segundo projeções
do mercado financeiro, tende a fechar o
ano em 9%. “O Auxílio Brasil tem um va-
lor consideravelmente mais alto que o do
Bolsa Família, mas é preciso notar que,
primeiramente, o programa sofria com
uma defasagem orçamentária relevante,
de cerca de 15%, em relação ao seu me-
lhor momento, em 2014. Adicionalmen-
te, com a inflação alta, especialmente pa-
ra os mais pobres, puxada por alimenta-
ção e energia, o valor perde grande parte
da sua alta em termos de poder de com-
pra”, afirma Daniel Duque, pesquisador
do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas.

 
Outro problema é que o auxílio não en-
tregou tudo o que prometeu. A “moder-
nidade” residia nas várias inovações que
viriam “a seguir”: auxílio-creche, bol-
sa-atleta e bolsa de iniciação científica.
Quase nada saiu do papel. Entre as me-
didas não executadas está o Bônus de In-
clusão Produtiva Urbana, nome pompo-
so escolhido para a “porta de saída” que o
governo ofereceria aos beneficiários que
conseguissem emprego com carteira as-
sinada e que se traduziria em um paga-
mento mensal de 200 reais.

 A inflação corrói
os 400 reais.
E a maioria dos
beneficiários pretende
votar em Lula

 Outras “inovações para retirar crian-
ças e jovens da criminalidade e da falta
de perspectivas” são de alcance irrisório.
Uma delas é o Auxílio Esporte Escolar,
destinada às famílias que tenham estu-
dantes de 12 a 17 anos com bons resulta-
dos nos Jogos Escolares Brasileiros. Com
o pagamento previsto de uma cota única
100 reais, o benefício, até o fim de maio,
atendia menos de 2 mil jovens em um uni-
verso de cerca de 35 milhões. O mesmo
acontece com a Bolsa de Iniciação Cien-
tífica Júnior, com valores similares, con-
cedida às famílias de estudantes que se
destacam em competições científicas ou
acadêmicas. Até o fim de maio, menos de
3 mil jovens recebiam o benefício.

 
Em abril, a cesta básica em São Paulo,
a mais cara do País, ultrapassou os 800
reais, o dobro do valor pago pelo Auxílio
Brasil. Em maio, o valor teve um peque-
no recuo na capital paulista e ficou em 777
reais. Mesmo no caso da cesta básica mais
em conta, em Aracaju, o valor em maio fi-
cou em 548 reais. “De Norte a Sul, o valor
atual do Auxílio Brasil nem sequer cobre
uma cesta básica. Estamos vivendo um

cenário de alta inflacionária, e os preços
que estão subindo, em muitos casos acima
da inflação, são os de alimentos, habitação
e transporte, justamente os que mais pe-
sam para quem tem menos renda”, infor-
ma Adriana Marcolino, técnica do Dieese.
Segundo ela, mesmo com valor maior,
o Auxílio Brasil não dá conta da emer-
gência que aflige as famílias mais pobres:

 
“O Bolsa Família não era só um progra-
ma de transferência de renda. Ele es-
tava relacionado a um conjunto de ou-
tras políticas para que os beneficiários
superassem a situação de pobreza. Ha-
via políticas para qualificação profis-
sional, microcrédito e inserção produ-
tiva, entre outras. O governo Bolsona-
ro abriu mão de toda essa expertise e
instituiu um novo programa, no qual

esses elementos são muito frágeis”.

 
Em uma última tentativa de extrair
dividendos eleitorais, o governo decidiu
trocar os 18 milhões de cartões do Auxí-
lio Brasil por outros novos, em uma ope-
ração que custará ao menos 400 milhões
de reais aos cofres públicos. Embora os
cartões em geral estejam em pleno fun-
cionamento, Bolsonaro quer dar sumiço
na logomarca do Bolsa Família que está
presente em 90% deles e, segundo o pre-
sidente, faz os beneficiários o associarem
a Lula. A ideia foi imediatamente tachada
como crime eleitoral pela oposição. Um
grupo de deputados de PT, PSOL, PSB,
PCdoB e PDT entrou com ação no Tri-
bunal de Contas da União para paralisar
a troca, já iniciada e que deve ser concluí-
da até o fim de junho, segundo o governo.

 
“A troca é desnecessária porque os
cartões do Bolsa Família ainda servem
perfeitamente. Além disso, é crime eleito-
ral porque vai se gastar um dinheiro enor-
me para promover um programa caracte-
rizado como sendo do atual governo. Tra-
ta-se de uma evidente propaganda eleito-
ral”, diz o deputado Carlos Zarattini, do
PT. A vantagem de Lula sobre Bolsonaro
no Nordeste (62% a 17%), justamente a re-
gião que concentra o maior número de be-
neficiários do Auxílio Brasil, é citada pelo
parlamentar como indício de que parte da
população ainda tem na memória o bom
momento econômico vivido no governo
petista. “Preferem Lula porque o aumen-
to no Auxílio Brasil não está compensan-
do o custo de vida. Os preços não param
de crescer e aquele aumento em relação ao
Bolsa Família não compensa mais”, ava-
lia o parlamentar.

CARTA CAPITAL 

 
 

 





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